C omo tudo na vida passa, o nosso paraíso haveria de acabar. E tudo começou quando ouvi um fiapo de conversa de meus pais. Eles falavam que ...

Como tudo na vida passa, o nosso paraíso haveria de acabar. E tudo começou quando ouvi um fiapo de conversa de meus pais. Eles falavam que o sítio ia ser desapropriado pelo Governo para dar lugar à construção de um colégio.

Não entendi bem esse negócio de desapropriação. Só sei que senti um forte aperto na garganta. Olhei para as mangueiras que, decerto, iriam ser derrubadas. Saí andando meio cambaleando pelo sítio, sentei-me no chão e chorei muito. As árvores pareciam me escutar. Os cachorros, Bunque e Iglô, chegaram perto de mim, balançando as caudas, como desejando me consolar.
Meus olhos se estenderam sítio afora. Meu paraíso ia ser destruído. E para onde iríamos? Talvez para uma casa lá no centro da cidade. Uma casa com quintal, apenas.

Neste momento meu pai passou perto de mim e foi logo indagando: “Que está fazendo, aqui, sozinho?” Tive pena dele. Sem dúvida estava sofrendo em silêncio. O sítio era tudo para ele. Quase tudo que existia ali, afora as fruteiras, saiu de suas mãos de agricultor.

O tempo foi passando e eis que, um dia, ele informou aos filhos: o governo ia desapropriar o sítio, e iríamos morar numa casa, na Rua Nova, uma das principais da capital. A casa era grande, tinha um sótão e ficava defronte do Convento de São Bento. E era na Rua Nova que se realizava a Festa das Neves. Essa informação consolou-me um pouco. Afinal, a vida é feita de mudanças.

No dia seguinte, meu olhar para o sítio era triste, de despedida. Um olhar molhado de lágrimas. Tive pena das árvores, que, por certo, seriam derrubadas, inclusive a casa, com seus longos alpendres. E eis que chegou um bando de meninos para brincar, que moravam em casas com seus quintais. Mas, silenciei em relação a saída do sítio. Sem dúvida, alguns deles iriam gostar. Muitos me invejavam.

Papai agora não era mais dono de um sítio. Iria ser burocrata. Deixava o campo pelo birô. Ia ser funcionário federal, secretário das Obras Contra as Secas.
E chegou o dia da mudança para a Rua Nova, com sua Catedral, seu silêncio histórico e místico.

Os cachorros não sabiam da mudança. Daí aquela alegria de rabo balançando. Tive pena deles. Adeus Lagoa, adeus adoráveis manhãs de domingo, adeus meu paraíso, adeus aquele cheiro de terra, as frondosas árvores, a paz paradisíaca...

Mas a vida é uma dança, a dança da mudança. Minha mãe, que adorava novidade, enfrentou a situação com muito otimismo. Ela vivia muito bem o presente. Já em papai, notei uma melancolia saudosista. Trocar o sítio por uma repartição pública...
Menino de calça curta, eu já ansiava por uma calça comprida. Disseram-me que na Rua Nova havia uma grande costureira chamada dona Eudócia. Isto me animava.

A Rua Nova tinha largas calçadas, que serviam de campos de futebol. Não faltavam meninos para isso. Havia os pés de fícus e oitizeiros que ornamentavam a rua. O resto eram só casas. E haja janelas para as conversas. Ali morava muita gente ilustre e rica. O ex-presidente e general Camilo de Holanda, o historiador Coriolano de Medeiros, fundador da nossa Academia de Letras, Gazzi de Sá, professor de piano e maestro de orfeão, o presidente Castro Pinto, escritor De Castro e Silva, o primeiro biógrafo de Augusto dos Anjos e assim por diante. Mas, e o sítio, que continua na minha memória? Impossível esquecê-lo.

O menino de sítio agora era menino de rua, vivendo entre casas ao invés de árvores, calçamento ao invés de terra, buzina de automóveis ao invés de pássaros cantando.

Quando fui dormir, o sítio apareceu na minha imaginação. Veio aquele nó na garganta, e um dilúvio de lágrimas. Chorei baixinho para ninguém ouvir. O sítio veio comigo. A minha tristeza era profunda. Tristeza que o carrilhão da Catedral, com suas místicas badaladas aumentou ainda mais...

S im, estou me referindo a Abelardo Jurema, que comemoraria um século de existência, se ainda estivesse aqui no mundo. O evento está sendo l...

Sim, estou me referindo a Abelardo Jurema, que comemoraria um século de existência, se ainda estivesse aqui no mundo.

O evento está sendo lembrado com muita saudade, porquanto Abelardo soube, como ninguém, fazer amigos. Era uma alma escancarada, aberta, fraternal, que todos os dias nos dava lições de amor à vida.

Fui seu aluno. Mais ainda: fui seu admirador. Aluno de que? Adiante eu conto. Continuemos na crônica.

Nosso querido Abelardo não sabia cultivar ódios, ressentimentos. Recorro à memória, que me traz a imagem desse homem de coração aberto. Ele me chamava Romero. E o Romero, em sua boca, soava bonito, pois a voz dele era de uma sonoridade que agradava aos ouvidos. Sempre elegante. Elegante no vestir, elegante no falar, elegante no ensinar, não esquecendo que ele foi meu professor. Professor de que? Mais adiante, digo.

Ele gostava de política, da boa política. Espremo mais a memória e vejo-o de camisa colorida, distribuindo sorrisos e abraços. Difícil não gostar dele. Nunca vi Abelardo triste, falando mal de alguém, Abelardo pessimista, Abelardo rosnando ódios.

Foi um paraibano ilustre, que desempenhou cargos importantes com a mesma fidalguia. Seja como Ministro da Justiça, Procurador da República, Prefeito, e Diretor do BNDES, como professor e diretor da Rádio Tabajara, onde se ouvia a sua voz, que era de uma imponente beleza. E saber que esse otimista foi exilado... E nesse exílio no Peru, deixou-nos um livro molhado de saudades, um livro comovente.

Sim, vou contar, Abelardo foi meu professor de Literatura Brasileira, no Lyceu Paraibano. Suas aulas eram gostosas. Ele confundia-se com os alunos. Nada de distância. Um homem que deixou um grande exemplo não só aos alunos mas a todos os paraibanos. Exemplo de otimismo, de amor à vida, de dignidade, de coragem diante das dificuldades.

Sua mão vibrou quando assinou o decreto que federalizou a nossa Universidade. Que grande presente, ele deu à nossa terra!

Pai de oito filhos que só lhe deram alegria, ele era uma alma aberta, que não conhecia a mesquinheza. E como era gostoso aquele seu abraço fraternal, como se quisesse abraçar o mundo!... Um homem elegante, bom e bonito.

C ontinuemos espremendo a memória, trazendo ao presente o paraíso de minha infância, aquele sítio lá da Lagoa, com suas fruteiras, seu silên...

Continuemos espremendo a memória, trazendo ao presente o paraíso de minha infância, aquele sítio lá da Lagoa, com suas fruteiras, seu silêncio, a terra molhada, sem esquecer o canto dos pássaros, o sussurro da brisa, o canto evocativo e triste dos galos, o latido ansioso dos cachorros, assustando-se com a queda das mangas... Ah, as mangas! Era gostoso a gente ouvir, altas horas da noite, as mangas caindo no chão. Mangas de todos os tipos. Rosa, espada, bacuri, do papo-roxo, baronesa, e assim por diante. E embrulhados em nossos lençóis, ficávamos ansiosos que chegasse logo a madrugada, quando, então, víamos o chão coalhado de mangas. E saíamos correndo para apanhá-las. Mais tarde chegavam os compradores de manga.

O sítio tinha seus trabalhadores. O chefe deles, seu Antônio, era ignorante, mas de toda confiança do meu pai. Não bebia e tinha um grande respeito ao seu chefe. Chamava-o de Seu Zezinho. E havia um Vitorino, criatura boníssima, mas que vivia sempre bêbado. Vendia as mangas, na rua, e voltava encachaçado dizendo que as mangas estavam podres...

O bom mesmo era trepar nas árvores, donde a gente via outros sítios. E adorávamos essa bisbilhotice no quintal alheio. Eu e minha irmã Ivone, companheira de infância, passávamos horas nessa distração. Ivone adorava fazer de tabuazinhas bonecas. E eu tinha de lhe fazer companhia, pois sua irmã Iracema, que me destronou da privilegiada posição de caçula, só chegou anos depois.

Havia muitas superstições. Dizia-se que, à meia-noite, aparecia uma mulher, uma alma do outro mundo, debaixo do pé de cajá, Isto me amedrontava. Mas depois desconfiei que a visão daquela alma foi invenção de minha mãe para que fossemos dormir cedo. Antes do sono, recitávamos o “Pai Nosso”. Acontece que toda vez que, na oração, pedíamos o “pão nosso de cada dia”, Ivone dizia:” eu quero pão”. Minha mãe terminou omitindo o pão da prece.

E as assessoras domésticas? Tinha muitas. Maria Benedita, que veio de Alagoa Nova; Zefa, ossuda, que, um dia, meus irmãos mais velhos mostraram-lhe a foto de uma bela artista de cinema, dizendo que era ela e a boba acreditou.

Como já dissemos, o sítio ficava de frente para a Lagoa, onde, à sombra de suas frondosas árvores, os músicos da Banda da Polícia Militar ensaiavam seus instrumentos. Babás com crianças tornavam aquele ambiente festivo.

Voltando às assombrações, havia o “Casaca de Couro”, um bicho horroroso, que, altas horas da noite, pulava nas costas das pessoas, mordendo-as. E eu me pelava de medo, só em pensar.

No sítio, as refeições eram rigorosamente disciplinadas. Café, almoço e ceia. Todos deveriam estar sentados, aguardando a chegada dos pais. O caçula gozava do privilégio de se sentar ao lado dos pais. O filho mais velho também. E o que é que se comia na ceia? Batata, macaxeira, cuscuz, inhame, que vinham do sítio, das plantações do meu pai.

E como o sítio era gostoso nos dias de domingo, quando recebíamos a visita de minha vó Quininha, diminutivo de Joaquina. Ela usava um vestido branco que cheirava a alfazema. Era um amor de vó. Irônica, perspicaz, inteligentíssima. Casou-se aos 13 anos com um comerciante de couros, muito inteligente, de nome Vicente, que, nas horas de descanso, tocava clarinete. Muitas vezes trabalhava com a jovem esposa sentada em sua perna..

Uma visita muito honrosa nesses domingos era a de um amigo de meu pai, muito gordo e maçon. Mal chegava, ia logo gritando: “quero cachaça”. E pedia “cachaça com sal”. Meu pai, que só tomava água de coco, atendia ao pedido do amigo.

Aos domingos, a Lagoa era uma festa. O menino do sítio não cabia em si de contente. Mas não era a lagoa que era uma festa. A vida ali é que era.







As marchinhas predominaram no carnaval brasileiro no século passado, principalmente entre as décadas de 20 e 60. Suas letras, bem curtas e...



As marchinhas predominaram no carnaval brasileiro no século passado, principalmente entre as décadas de 20 e 60. Suas letras, bem curtas e fáceis de decorar, refletiam o bom humor da época, algumas com mensagens inocentes e outras com manifestações de descontentamento político e social. Muitas delas continuam na memória dos foliões e são revisitadas nos eventos carnavalescos, animando blocos de rua e fazendo a alegria dos raros bailes de salão que ainda ocorrem no país. As melodias, que apresentam ritmo bem marcado, são sempre um convite para a dança leve e descontraída.

S ó em me lembrar dele, sinto um cheiro de terra. E terra lembra chuva. E chuva mata o calor. Minha mãe nunca avisou: “saia da chuva!” A chu...

Só em me lembrar dele, sinto um cheiro de terra. E terra lembra chuva. E chuva mata o calor. Minha mãe nunca avisou: “saia da chuva!” A chuva era sagrada. O sítio todo molhado não era mais um sítio, era um paraíso. E foi naquele paraíso que passei grande parte de minha infância. Lembro-me quando papai falou em comprá-lo, lá na lagoa, hoje Parque Sólon de Lucena.

Ele não pensava noutra coisa. Estava com saudade do cheiro da terra, lá do sítio de Alagoa Nova, onde cultivou café, por muitos anos. E dizia para minha mãe: “estou calvo devido ao cafezal, que arrancou meus cabelos com os seus ramos...” Sorrindo, ela dizia: “deixe de mentira, Zeaugusto. quem está arrancando teu cabelo é o tempo”. E haja risadas. Nada como o humor para adoçar a vida...

O plantador de café estava com saudade da terra, da natureza. O sítio da Lagoa amenizaria essa saudade. E eu não cabia em mim de contente. O coração batia ansioso. Os meus irmãos também. Deixar a Rua Nova, sua calçada, seu calçamento, seus automóveis, e passar a morar entre fruteiras, deixava-nos ansiosos.

E o que mais me entusiasmou foi quando vi meu pai contando as notas de mil reis, em cima da mesa. O dinheiro que iria comprar o sítio, que beleza! Quem nos vendeu o paraíso foi uma viúva, de nome Dona Zulima. Tive pena dela. Sim, paraíso não se vende...

Meu pai não cabia em si de contente. Nasceu para a vida do campo, embora, anos depois, fosse bater num birô de repartição. A praga que arrasou o cafezal do brejo, deixou meu pai sem emprego. E ele nasceu para o trabalho do campo.

A lagoa só tinha 3 sítios. As ruas empoçadas. Nada de calçamento. Nosso sítio rivalizava em tamanho com os sítios do senhor Porter e do senhor Dias Pinto, este pai do violinista Agmar, hoje, gozando uma tranqüila aposentadoria. Um homem fino, elegante, educadíssimo, cujo violino alegrou muitas noites.

Afinal, o nosso sítio foi comprado. Eu vi papai dando as notas a dona Zulma. Ela deixou-nos dois cachorros: "Bunque" e "Iglô". O primeiro branco e preto, muito ativo, o outro todo branco e preguiçoso. Como gostava deles! Bunque era o meu predileto. Inteligentíssimo. Só faltava falar. Foi meu companheiro de infância. Cheguei a confessar à minha mãe que desejaria ser cachorro...

O sítio ficava onde hoje é a rua Santos Dumont, na Lagoa. Ia desembocar ali perto do Tambiá Shopping. E como este paraíso de minha infância continua vivo na minha imaginação e na minha memória! Que cheiro bom ele exalava... Que silêncio... Centenas de árvores. Árvores de todas as frutas: manga, abacate, jaca, jambo, abricó, fruta-pão, goiaba, além de coqueiros, laranjeiras, sapotizeiros, oitizeiros, e tantas outras... Quando penso que todo aquele paraíso foi, um dia, destruído pelas casas e avenidas, sinto um nó na garganta.

E a nossa casa? Um elegante chalé, ladeado de longos alpendres, onde eu corria de velocípede imitando os bondes... E o bonito mesmo era a plantação de crótons, que meu pai aguava, todos os dias e cujo serviço passou para mim. Quando eu os aguava e os crótons balançavam agitados pela brisa, meu pai dizia: eles estão lhe agradecendo”. E eu acreditava.

E a Lagoa? Rodeada de fruteiras, inclusive de tamarindeiros, uma frutinha azeda de fazer careta. Ali acampavam os inesquecíveis circos, com seus palhaços, seus trapezistas, seus animais amestrados, não esquecendo aquela linda moça caminhando sobre um fio e segurando uma sombrinha colorida. E eu morrendo de medo que ela caísse. Se ao menos caísse em meus braços...

O sítio da Lagoa, meu paraíso da infância, depois conto mais...

S ão dois bustos. Não são bustos femininos, leitor curioso. São tradicionais bustos de bronze. Bustos de gente célebre, um almirante e um es...

São dois bustos. Não são bustos femininos, leitor curioso. São tradicionais bustos de bronze. Bustos de gente célebre, um almirante e um estadista. Ambos ocupando as extremidades da nossa principal avenida, que tem o nome do primeiro busto: Epitácio Pessoa, que fica no início desta grande e nobre artéria, quase um “boulevard”. Lá, vemos o estadista de dedo em riste, apontando para o fim da extensa via pública, donde antes se avistava o mar. Atrás dele, está a praça mais bela da nossa Capital: a Praça da Independência, onde o presidente João Pessoa morava, e, ainda manhã cedinho, costumava dar o seu passeio diário.

O busto de Epitácio aponta para o mar de Tambaú, a mais de seis quilômetros. Mas, ao mesmo tempo, simboliza um gesto histórico do estadista, quando na tribuna do Congresso apontava para a miséria da seca do sertão paraibano. E, agora, para onde o busto estaria apontando? Seria para a praia mais bonita do Nordeste?...

Mas vamos ao outro busto, o busto do almirante, que deveria estar olhando para o mar, e não de costas. Pensando bem, o almirante tem razão em dar as costas àquele mar, que está cada vez mais poluído. O busto parece querer expulsar os vendilhões do templo, com suas barracas, uma delas vendendo até frutas e comidas. E que dizer das barracas e táxis ali perto estacionados, obstruindo o final de nossa mais importante avenida? Já se viu isso em alguma metrópole que se preze? Já imaginaram a Champs Elysées, de Paris, com o Arco do Triunfo cheio de vendagem?

Mais ainda, já imaginaram aquela decantada e nobre avenida parisiense com seu terminal servindo de palco de tudo que é festança? E haja poluição sonora e mictórios fedorentos espalhados por toda a parte.

Agora, olhando o busto de Epitácio, do outro lado, parece que ele está apontando, não mais para a tragédia da seca, mas para tragédia da poluição em torno do respeitável busto do almirante Tamandaré. E ninguém protestando...

A avenida mais nobre, mais bonita, mais elegante da capital, que desemboca na bela Tambaú, transformada, no seu final, numa bagaceira, num sanitário. E ninguém está vendo isso...

E já que comecei, vamos espremendo a memória até ela ficar murcha, Afinal, já disse alguém que “recordar é viver”. Entremos, portanto, no b...

E já que comecei, vamos espremendo a memória até ela ficar murcha, Afinal, já disse alguém que “recordar é viver”. Entremos, portanto, no bonde da saudade à procura do que ficou para trás, Continuemos recordando nossos queridos familiares, hoje presentes nos retratos da parede e na nossa saudade.

Está aí o irmão mais velho da família, Eudes Barros, primogênito do primeiro casamento de minha mãe, que se tornou mais adiante no renomado poeta, jornalista, escritor e historiador. Nasceu em Alagoa Nova, cidade a que ele deu o título de “sítio público de mangueiras,” revelando logo cedo sua vocação poética.

O que mais impressionou minha mãe foi quando, ainda bem novinho, Eudes chamou-a para ver “uma flor chorando”... A mãe, curiosa e emocionada, foi ver do que se tratava: era um pingo de chuva escorrendo das pétalas de uma flor. Sorrindo, abraçou-o dizendo: “meu filho, você é um poeta”.

Eudes Barros começou sua vida literária escrevendo o livro de poesias: “Fontes e Paús” Foi um sucesso. E ele era um adolescente. Mas o livro que o consagrou como poeta foi “Cânticos da Terra Jovem,” em que se encontra seu famoso poema “Jesus Brasileiro”, cuja repercussão foi internacional. Sim, a BBC de Londres transmitiu o poema para todo mundo. Nesse poema ele conclui dizendo que Jesus foi crucificado, não numa cruz de madeira, mas numa cruz de estrelas. Era o Jesus brasileiro, Um Jesus de luz.

Outra grande vocação de Eudes Barros foi para o jornalismo. Chegou a editar um jornal, sozinho, cuja sede ficava na rua Direita, hoje Duque de Caxias. O nome do jornal era “A Rua”. Eu, menino, ia sempre lá, levado por Eudes, que me tinha como filho. Jornalista combativo, sem papa na língua, polêmico. Não foram poucos seus inimigos. Ele chegou a sofrer uma cilada por parte de oficiais da Polícia, pois escreveu numa manchete que a nossa Polícia estava tramando um golpe contra o governo, o que não foi provado. Quem estava no poder era Argemiro Figueiredo, que, tranqüilo, mandou chamar o jornalista para uma conversa, no Palácio da Redenção. E tudo se desfez em abraços e desculpas, Afinal, o jornalista precisava vender o jornal...

Certa vez, um desses inimigo achou de entrar na redação do jornal A Rua, de revólver em punho, Desejava matá-lo. Não o encontrou, porquanto Eudes roncava, tranquilamente, num quartinho fechado, lá no fundo do quintal.

Depois, Eudes trabalhou aqui, em A União, onde manteve uma coluna social muito lida, sob o pseudônimo Til.

E que dizer do historiador?: excelente! Seu romance histórico sobre a Revolução de 1917 foi um sucesso: “Dezessete”, ampliado depois para “Eles sonharam com a liberdade”.

Deixemos o Eudes poeta, jornalista, historiador, e falemos do excelente irmão que foi para mim. Um irmão-pai que me exerceu uma grande influência. Chegava, às vezes, a me passar carão.

Temperamento, às vezes, manso, às vezes violento, não chegou a se casar. Ainda se enamorou de uma moça da sociedade, mas não teve coragem de pedir a mão da moça ao pai, como era costume na época. Pediu ao meu pai José Augusto Romero, que o substituísse no pedido. Constrangido, papai levou a sério a incumbência. Não demorou um mês, Eudes rompeu o noivado. Ele era assim: imprevisível. Um cordeiro que, às vezes, virava leão.

E ele me adorava. E achou de me levar, um dia, para o Recife, numa viagem de ônibus, que durou cinco horas, E me dizia: “Você vai conhecer uma grande metrópole”. Foi um presente que ele me deu. O diabo é que eu morri de saudade de minha mãe e pedi a Eudes para voltar logo para casa. Saudade do meu sítio lá na Lagoa, que ainda hoje sinto...

P ois é, vivendo é que a gente aprende. Tudo ensina na vida: os homens, os animais, as coisas, toda a Natureza. O avião dá lições de transce...

Pois é, vivendo é que a gente aprende. Tudo ensina na vida: os homens, os animais, as coisas, toda a Natureza. O avião dá lições de transcendência, voando acima das nuvens, esquecido das coisas cá embaixo. O sol dá lição de fraternidade, atendendo a todos, indistintamente, com a sua luz. A pedra ensina, o espinho a mesma coisa, a água idem, o fogo idem. O mar, os rios e os lagos não ficam atrás nessa pedagogia, nessa didática do mundo. O mar, naquele vai e vem das ondas, mostra que tudo nasce, tudo morre e tudo renasce, A transitoriedade se eterniza no tempo.

Mas o que foi que me levou a estas reflexões? Ora, leitor, o olhar. Aquele olhar admirativo que fez Jesus nos convidar para observar os lírios do campo. Há pessoas que passam pela beleza como se fossem cegas. Mas, estão sempre de olho num caixa eletrônico.

Augusto dos Anjos, no seu evangelho lírico e espiritual, convidou-nos a olhar a Serra da Borborema onde Jesus levita... O poeta vivia maravilhado com a floração de seus pau-d'arcos, que o sulista qualifica de ipês...

Mas, antes de terminar a crônica, desejo expressar minha emoção, ao ver, no nosso quintal, um flamboyant florindo. E não satisfeito com sua floração no alto, achou de enfeitar o chão com suas pétalas vermelhas. O chão virou tapete. Isto é o que se chama amor.

Mas muitos não deram atenção ao fato. Se não olham para cima, imaginem para o solo...

Deus fez as árvores frutíferas para matar a nossa fome física e as floridas para matar a outra fome, que se chama fome de beleza.

O flamboyant floriu em cima e embaixo. Aos poucos, as flores começaram a cair, lentamente, como se fossem lágrimas, tal a sutileza.

E diante desse espetáculo de beleza, lembremo-nos de expressar nossa gratidão às raízes, que não enfeitam, mas sustentam a árvore. Elas, humildemente, trabalham em silêncio.

E viva os que trabalham sem ostentação.

Estou com pena do flamboyant. Não vai demorar muito na casa onde mora. Os monstros de pedra, os gigantes da construção civil, sondam-lhe, indiferentes ao tapete de flores.

Prepare-se para adquirir um pouco de cultura inútil, que certamente não acrescenterá nada em sua vida. Conheça o local de nascimento de al...



Prepare-se para adquirir um pouco de cultura inútil, que certamente não acrescenterá nada em sua vida. Conheça o local de nascimento de alguns astros e estrelas radicados nos Estados Unidos. Clique nos links para ver cenas e trailers de alguns de seus mais famosos filmes.

A final, Carlos, o que têm a ver suas esposas com a música? Ora, foi a música o pretexto para a nossa aproximação amorosa. E o cronista, que...

Afinal, Carlos, o que têm a ver suas esposas com a música? Ora, foi a música o pretexto para a nossa aproximação amorosa. E o cronista, que é doido por música - seu oxigênio cotidiano - não pensou duas vezes diante da pianista e da violinista, que, aqui para nós, venceriam o mais rigoroso concurso para miss.

A primeira, para me casar, tive de me batizar, já que era de família muito católica, pedido a que não me opus, pelo amor que tinha pela noiva. O mesmo já não aconteceu com a segunda, cuja cerimônia de casamento ocorreu, na nossa casa residencial, com grande afluência de amigos, boa música, e a simpática juíza, Rita de Cássia. E quem nos saudou num belo discurso foi meu amigo, engenheiro e médium espírita Joaquim Silveira.

Portanto, cerimônia religiosa para o primeiro casamento, cerimônia civil para o segundo. No primeiro perdi meu estado de pagão, o que foi uma pena, porquanto assim desejava meu grande pai.

Vamos começar (e o coração já batendo) pela primeira, a pianista, uma linda jovem chamada Carmen, nome dado pelo pai, arquiteto Clodoaldo Gouveia, depois que assistiu em Madrid à ópera Carmen, que adorava. Ela me deu dois filhos de ouro: o primogênito Carlos, apelidado por Tuca, e o segundo Germano. Ambos de temperamentos completamente diferentes. O primeiro podíamos comparar a um rio e o outro a um lago. O rio é inquieto, o lago reflexivo. Ambos abraçaram a profissão que desejavam. Tuca enveredou para a Física, e hoje é PhD, o outro, que sempre ambicionou as alturas, escolheu a Arquitetura.

A primeira esposa Carmen, como já disse, em música, ficou apenas no amadorismo. Fez concurso para a Receita Federal, obteve excelente classificação e tornou-se uma competente assessora. E soube conciliar muito bem o emprego com a casa, um verdadeiro paraíso doméstico.

Já Alaurinda, que fez da música uma profissão, diplomou-se em violino pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Música, só música em sua vida. E foi como violinista, num concerto de nossa Sinfônica, regido pelo maestro Eleazar de Carvalho, lá no Espaço Cultural, que meus olhos a viram pela primeira vez, quando se executava a “Nona Sinfonia” de Beethoven. Linda como a primeira esposa, Alaurinda não quis que este cronista ficasse viúvo por muito tempo. E, assim, encontrei mais um motivo para viver. Com humor, ela dizia: “você é o meu viúvo lindo”. Não havia mais necessidade de filhos. Completavam-mo-nos muito bem. E nessa viagem da vida, fizemos muitas outras, à procura da beleza, que sempre foi o grande objetivo de nossa vida. A violinista só não gosta de um sol intenso na pele delicada. Só o sol da pauta é que ela suporta.

Com dois casamentos, que nunca chegaram a desafinar, dois filhos que vieram enriquecer minha vida, só posso me considerar um homem feliz. Sem esquecer os netos que o primogênito me deu. Carlos, o Tuquinha, e Raíssa. Graças a eles, ouvi, pela primeira vez, a palavra vovô. A mãe deles, minha nora Ana, é a suavidade em pessoa. E o Físico, já que estivemos falando de música, afinou-se bem com ela. Ele nasceu em Campina Grande, na manhã em que Getúlio Vargas se suicidou. E eu fiquei entre duas fortes emoções: a morte de um líder e o nascimento do primeiro filho.

Um filho campinense e o outro pessoense. Um nascido perto de silenciosas e místicas montanhas e o outro abrindo os olhos para o mar de Tambaú...