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Esse é o título de um conto de Virginia Woolf (publicado em 1917), exemplo da sua escrita poética da existência. Enquanto olha um ponto pr...


Esse é o título de um conto de Virginia Woolf (publicado em 1917), exemplo da sua escrita poética da existência. Enquanto olha um ponto preto na parede, o pensamento passeia pelos mais diferentes temas filosóficos da vida.

Quando era menina, a hora depois do almoço era uma hora em que eu mergulhava num tempo todo meu. Gostava de sentar nos alpendres das casas ...


Quando era menina, a hora depois do almoço era uma hora em que eu mergulhava num tempo todo meu. Gostava de sentar nos alpendres das casas onde morava. O chão era frio dos mosaicos de ladrilho hidráulico (tão sem importância na época!), e ali me esparramava. Sentia na pele aquela temperatura fria dos desenhos em arabescos. E o mundo, literalmente, parava para mim.

Nunca fui de acreditar muito em sorte. Sempre achei que ela existia, mas dentro de circunstâncias maiores, e que nós, tínhamos sim, uma re...


Nunca fui de acreditar muito em sorte. Sempre achei que ela existia, mas dentro de circunstâncias maiores, e que nós, tínhamos sim, uma responsabilidade em fazê-la acontecer. Ficar esperando sentada alguma coisa, não me dava muita fé em realizar algo caído assim do céu. Por isso que, quando ouvia alguém dizer: “Fulano/a tem muita sorte! Olha lá a vida dele/a...”, eu sabia no íntimo que de alguma maneira, aquela pessoa havia corrido atrás, pulado no abismo sem rede, para conseguir sua conquista. Sempre achei que somos sim, protagonistas da nossa história. Mas, isso não me deixava totalmente descrente da sorte. Misteriosa, ela existia de alguma forma.

Outro dia, conversando com pessoas queridas, ouvi o relato de uma delas, sobre como namorou pessoas, foi embora pra outra cidade, fez concurso público, acabou namoro, assumiu posto, encontrou novo amor, casou, etc e tal… e fiquei a pensar. Olhando de fora, parece sorte. Mas não é! Essa pessoa tomou as rédeas do seu cavalo, como diz tão bem o ditado popular: “A sorte/felicidade é um cavalo selado que passa na sua janela!”. E essa amiga, penso eu, pulou no seu cavalo sem destino, criando assim o seu destino, que foi de final feliz. Nem sempre o é, pois das nossas escolhas o resultado quase sempre é uma incógnita.
Uma outra pessoa, que foi casar e morar no exterior, a mesma coisa. A mãe estava sempre a dizer: “Aquela moça tem sorte!” Qual nada! Ela escolheu, tomou decisões, se aventurou e encontrou seu caminho. Ou o desenho dele. O fator sorte? Claro que existiu nos dois casos, mas é apenas um dos ingredientes, que sem o poder da escolha soberana, nada aconteceria.


Leticia Wierzchowski
Qual minha surpresa? Lendo a crônica “Mazal Tov”, de Letícia Wierzchowski, escritora e roteirista, autora de "A casa das sete mulheres", me deparo com seu texto sobre a sorte.

Letícia fala do ano novo, do espírito de renovação, das suas listas (me identifiquei, porque também faço as minhas, com possíveis e inimagináveis desejos) e do seu papo com um rabino de Porto Alegre, onde mora. A conversa foi sobre um dos pilares da religião judaica, a circuncisão, que é feita nos meninos sempre no seu oitavo dia de vida. Nesse momento o menino recebe os votos do rabino de boa sorte, que em hebraico, é Mazal Tov. E o rabino explica o que significa a palavra e a sorte, na crônica de Letícia:

“Mazal é um acróstico de outras três palavras: uma delas quer dizer local. A sorte, portanto, depende do lugar onde você está. A segunda palavra do acróstico quer dizer Tempo. A sorte depende do tempo no qual você vive. E, por fim, a terceira palavra que compões mazal é estudo.

Então, a sorte ensejada na religião judaica não e aleatória nem trivial. Ela depende da conjunção desses três fatores para se realizar. Local, tempo e preparação. É uma sorte na qual atuamos também, e não apenas o divino....E sim, precisamos estar preparados para os nossos sonhos, precisamos estar prontos para os nossos desejos, alinhados com o nosso projeto, de gavetas arrumadas para as mudanças que almejamos realizar. Temos um papel importante dentro do imponderável, um papel fundamental e não podemos nos furtar a ele.”

Compartilho com Letícia quando diz: “É tão fácil reclamar que a gente está com azar… Mas estamos preparados para tudo que desejamos? Fazemos a nossa parte, esse um terço do mazal tov?”

Portanto, as amigas citadas e mais outro tanto de exemplos que temos nos arredores da vida, de pessoas que têm sorte, também têm lugar, tempo, circunstâncias e aprendizado, se organizam em uma teia de possibilidades e disponibilidades para que as coisas e a vida aconteçam. E aí muita atenção para, toda vez que dissermos: “Aquele/a tem tanta sorte!”, que a gente pense no local, tempo e sabedoria que essa pessoa e suas circunstâncias tiveram que atuar, brigar e principalmente escolher, para que a sorte se instalasse.

No final, cada um de nós temos sim, a possibilidade da escolha. Estamos a escolher a cada minuto das nossas vidas. Fazemos isso tanto inconsciente como atenta e deliberadamente. Quero ficar ainda mais de olhos bem abertos, para correr como Lola!; escolher o caminho de Robert Frost; a Melinda de Woody Allen; e pular sim, nos abismos que fazem parte do meu latifúndio.

Eu só queria ter a capacidade de reconhecer e montar sempre o cavalo do meu destino. Construí-lo, ser sua dona, ou pelo menos sua protagonista e sujeito das minhas escolhas, saber reconhecer esse vulto que me assobia da janela, e ter sempre a consciência de, como disse Ortega Y Gasset: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”, também.

No dia do meu aniversário, sempre recomeçando o signo de Aquário, me desejo Mazal Tov! E a vocês também, que assim como disse Letícia, para começar um ano bom, desejo , de um verão iluminado, essa palavrinha hebraica para todos.

Mazal Tov!
“A prontidão é tudo!” (Shakespeare em Hamlet)


Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura, professora e escritora

Chegar em Londres para mim é uma experiência mais afetiva que geográfica. Reporto-me aos tempos dos meus doze anos de idade e da Cultura I...



Chegar em Londres para mim é uma experiência mais afetiva que geográfica. Reporto-me aos tempos dos meus doze anos de idade e da Cultura Inglesa (a primeira, uma casinha na Av. D. Pedro I), quando e onde comecei a estudar Inglês, com Mr. Barlow e D. Nair. Como não re-viver a primeira vez que vim, ver e falar de perto, a língua que aprendia nos livros e com os Beatles nos anos 60! E já foram tantas vezes! E a vez maior, quando morei na Universidade de Warwick em 1986/87. Naquela experiência, tantos sentimentos contraditórios. Uma parte de mim, cosmopolita e querendo conhecer os mundos. Outra parte, tendo que lidar com as escolhas! O difícil caminho das mulheres e das mães. Eu fiz as minhas. E assumi as consequências. As saudades também. Chegar em Londres é sempre um susto. Uma sensação de dejá vù . De outros tempos da juventude, agonias e felicidades tantas.

Perguntaram-me o que dessa vez, eu queria ver em Londres? Nem eu sabia. Nunca quero muito. Simplesmente estar nessa cidade. Queria perambular. E foi o que fiz: Almoçar no Borough Market, ouvindo aquele Senhor com um sotaque esquisito vendendo morangos frescos, no meio daqueles tons ocres do mercado, que parecia cenário de filme, e/ou dos romances de Charles Dickens. Depois caminhar pelo Bankside, avistando a Torre de Londres de um lado, a paisagem cinzenta (não seria Londres se assim não o fosse). Passar em frente do Globe Theatre, me lembrar de Vitória Lima e as aulas sobre Shakespeare. Seguir, por entre pubs, turistas, até chegar a Tate Modern. Esse, meu lugar favorito das artes. Uma exposição especial de Picasso (The EY Exhibition Picasso 1932 - Love Fame Tragedy), e ficar deslumbrada novamente com sua obra e esse ano específico chamado de “ Year of Wonders”. Vi montes de crianças pintando pessoas com olhos dis-formes. Criança que visita museu, com certeza terá outros olhares/ângulos quando adulto. Penso. Do sexto andar, do café, a vista do Tâmisa. E aquele cenário de uma Londres futurista com seus novos prédios gigantes: O Shard (em forma de pirâmide), o Gerky (em forma de ovo), e o Walkie Talkie (um tijolo!). O novo se contemporizando com a tradição da arquitetura gótica de Westminster e das Houses of Parliament.

Atravessei a Millenium Bridge. A ventania quase leva minha sombrinha com as cores da bandeira inglesa, que havia comprado na London Eye, por entre turistas outros. Uma moça cantarolava com sua voz delicada. Mais ventania. Mas como resistir ao Tâmisa? Seguia, e numa das pontes, um latino tocava “Despacito” na sua sanfona. O eco daquela música, varreu de mim qualquer preconceito. Parei. Ouvi. Dei-lhe uma moeda. E me emocionei. Quase dancei! Depois, ao longo do Queen´s Walk avistava o London Pride e os barcos naquelas águas caudalosas. Quase pude ver uma tela de Turner e seus mares escuros. O Big Ben em reforma estava vestido, se escondia de mim, mas a ponte de Westminster, com seus Double Decks circulando, tudo me remetia aos sonhos de menina e a Cultura Inglesa. No meio do caminho vi uma estatua de Sir Lawrence Olivier, um edifício da London School, com o nome de Virginia Woolf, e as aulas de literatura Inglesa também vinham pelo caminho. Mrs Dalloway passeava!

Mas sou fascinada por mercados. E Londres é a cidade dos mercados: Notting Hill/Portobelo, Peticoat, Broadway Market, Borrough Market, Camden Town e tantos outros. Gosto de circular por esses lugares no meio da rua. Saborear comidas exóticas. Provar roupas diferentes. Broches. Chapéus. Echarpes. E mais, aquela multidão diversa de todos os lugares do mundo. Essa é a magia.

Portobelo Road no Sábado. Aquela cerejeira em flor branca me esperava. Tantas lojas, brincos, prata, âmbar. De novo ficava zonza. Não sabia o que comprar. Tantos anos indo ali. Julia Roberts era eu! E escutava Charles Aznavour cantando She. Sentei num dos banco típico. Tomei café com Brownie. E entrei na livraria do filme esperando encontrar Hugh Grant...

Seguimos para desbravar Shoreditch, o bairro descolado da cidade. Nova área revitalizada. Grafites. Bansky pelas paredes. Chuva. Mind the Gap. Comprei o cartão Oyster para poder rodar nos undergrounds. Viajar é para os fortes. Léguas de andanças. Muitas escadas para ir num Roof Terrace (levada pela minha sobrinha Natália), – baladas de sábado à tarde! Domingo foi em Brick Lane. Chove Chuva, mas mesmo assim, mercados de comida, vestidos e flores.

Oxford Street é decadente? Talvez. Para mim, ver os Double-decks é uma volta aqueles livros da língua Inglesa. Uma cena de cartão postal. Assim como Carnaby Street, a loja Liberty, Totterham Court Road (estação que serviu de abrigo nos tempos da Guerra), Regent Street. Passear pelas lojas, entrar e sair pelas grandes Department Stores.

Em Covent Garden gosto de tomar um chá. Ouvir os artistas de rua. Comprar cartões, souvenirs, ouvir um moço cantando ópera, ir até a Neal´s Yard e ficar embriagada com o cheiros de lavanda, lima da Pérsia, hortelã e bergamota. As cores daquela esquina, me lembram da exuberância de Frida Khalo: vermelho, verde e roxo! Todos se sentam na pracinha para contemplar o exagero daquela encruzilhada perdida naqueles tons de cinza da cidade. Na esquina do tube station, os motoristas do tuk tuk sorriem. Mais flores lhe dão as boas vindas à esse mercado que um dia já foi para cavalos. A Crabtree & Evelyn me convida para aromas de abacate e laranja. Não resisto. E aquele moço de smoking e chapéu coco, me vende uma bolsinha vintage feita por ele. Conversamos sobre corte e costura! Logo eu, que não sei dá um ponto. Sem nó!

Uma amiga de infância, Silvia Helena, me convidou para um Gin and T, num outro Roof Terrace com vista para a St. Paul´s Cathedral. E de lá, vi Londres aos meus pés. A felicidade existe ! falou Mrs. Dalloway! Em As Horas!

Da estação de Paddignton segui (como nos filmes), para Cardiff, para encontrar meu refúgio em Penarth (no Vale de Glamorgan, endereço de fadas e duendes), na casa da minha irmã, Teca, que tem cheiro de alfazema e cartões de boas vindas. A cozinha com aromas outros, gulodices (mirtilos e Pavlova; samosas e espinafres frescos; mais Gin and T!). Beleza, placidez, aconchego, palm tree, e um pé de louro no quintal (trouxe umas folhas na mala para por no meu feijão). Até retalhos da calçada de Copacabana tem no seu oitão, quadros de Flávio Tavares e Isa do Amparo, para que ela sinta um pedaço do Brasil iá iá.

A vizinhança? um silêncio só! Fazia frio, galhos secos de fim de inverno. Lojas de caridade, Café Number One! cheio de poemas de Eliot e Byron. Uma Senhor lê o jornal e toma seu chá. O Brasil pegando fogo com notícias tristes e eu, tão longe, vendo aspargos frescos, soldadinhos de chumbo e ruas de Oliver Twist. Flanando por essas ruas de casas com bay windows. Tudo tão plácido! Lixo reciclado. Pessoas que falam baixo. Lampiões acesos em plena luz do dia e um sol fraco que não esquentava. Tinha a sensação que estava morando ali, tamanha era a distancia da minha casa.

Cenas da natureza tem o poder de nos sugerir certos valores – os carvalhos, dignidade; os pinheiros, resolução; os lagos, calma – e, de maneira discreta, podem agir como inspirações de virtude. ( pensamentos de William Wordsworth em A Arte de Viajar, Alain de Botton).

Fiz passeios por Cowbridge, Ogmore-by-Sea e Southerndown, ali eu era a Filha de Ryan ou A mulher do Tenente Francês. Thatched houses, ruínas castelos, penhascos, daisies, daffodils, ventos, névoas, brumas, céus, seixos, gaivotas, hills, horizontes infinitos, mares gelados e uma sombra marrom do lado de lá – a Inglaterra !.Ovelhas no countryside, e, aos sons cortantes das gaivotas, me reportava para outros tempos.

Viajamos pela região de Cotswolds, (cenário do filme O amor não tira férias , 2006, com Jude Law e Kate Winslet). Cidadesinhas medievais; um mercado do ano de 1.100. Uma cottage chamada de Horse and Groom, com lareira e paredes centenárias . Lugarejos com nomes compostos: Bourton-on-the-Water, Stow-on-the-Wold, Burford, Moreton Marsh, Chipping Camden…. Riachos, ruelas, recreios! Não sabia mais para onde focar a beleza. Nenhuma máquina seria capaz de captar as lojinhas, as ovelhas, os trecos nas portas das casas, os casais fazendo trecking pelas trilhas, as tea houses. E tantas outras belezas e iguarias. Pensei em Harry Porter ou nas histórias de Jane Austen. Os recantos Britânicos são indescritíveis. Os verdes, os cinzas, e os horizontes perdidos nas estradinhas fora dos circuitos das motor ways.

Pensei no filme Thelma & Louise, Teca e eu, naquele seu carrinho branco e preto, livres por entre as lanes, as off roads, por entre as florzinhas amarelas dos campos de canola....uma felicidade. Sem tempo , mas com direção. E sem a violência do filme, claro! Voltaríamos logo para casa. O pub nos esperava. E quem sabe outras aventuras, espantos e diários.

Viajar é bom. Voltar também. Registrar, re-contar, e fazer diários, para mim. Somente.


Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura e escritora.

Sempre fui apaixonada por Londres. Por ter estudado Inglês desde sempre; por adorar os Beatles; Outras tantas referências dos anos 70. Já ...



Sempre fui apaixonada por Londres. Por ter estudado Inglês desde sempre; por adorar os Beatles; Outras tantas referências dos anos 70. Já fui lá algumas tantas vezes, continuo apaixonada, tenho irmã que mora no País de Gales há mais de 30 anos e agora dois sobrinhos morando e trabalhando em Londres. Fora alguns amigos, poucos. Mas bons.

O meu sonho? sempre foi morar em Londres algum momento da vida. Mas a vida toma rumos por vezes fora do nosso controle e o máximo que consegui foi morar um ano na University of Warwick. Foi tudo tão intenso que, vivi tudo que sonhava: estudar, fazer amigos, bibliotecas e livrarias e principalmente as estações do ano e o countryside Britânico, que amo de paixão.

Agora, com o Brexit, chorei ao acompanhar essa vitória nacionalista que vai de encontro a tudo que é moderno e sem fronteiras dos mundos de hoje. E eu que ainda tinha planos de passar tempos da 3a idade por lá! Agora nem a passeio, com a Libra a quase 6 reais, ficou difícil.

Acho que em outras vidas, morei numa daquelas cottagesinhas, em Cotswolds ou na Cornualha! Tomando G&T, ou chá de bergamota com muffins...

O livro "A ridícula ideia de nunca mais te ver" - de Rosa Montero, escritora espanhola que adoro (A Louca da Casa), sentiu que a h...


O livro "A ridícula ideia de nunca mais te ver" - de Rosa Montero, escritora espanhola que adoro (A Louca da Casa), sentiu que a história de Marie Curie dialogava com a sua própria. Livro a respeito também da morte, mas sobretudo dos laços que nos unem ao extremo da vida.

Acrescentei a minha vida também a essas belas e originais histórias de mulheres sábias e poderosas. E que, antes e dolorosamente, também perderam seus maridos, sofreram, falaram sobre isso, e seguiram.

Sim, é preciso fazer algo com a morte. É preciso fazer algo com os mortos. Depositar flores. Falar com eles. Dizer que você os ama e que sempre os amou…

Gritar para o mundo. Escrever num livro… "que pena ter esquecido que você podia morrer, que eu podia te perder". Se tivesse essa consciência, eu teria te amado não mais, mas melhor.....

O luto é algo estranho… Mesmo que o tempo passe, a dor da perda, nos momentos em que surge, continua parecendo igualmente intensa. A dor é disparada com menos frequência e você pode lembrar seu morto sem sofrer. Mas quando a tristeza surge, e você não sabe muito bem por que surge, é a mesma dilaceração, a mesma brasa…

Quem sabe com o tempo a mordida amenize, ou não. Isso é algo de que ninguém fala; talvez seja um daqueles segredos que todos guardamos…

Talvez nós, viúvos, nos sintamos estranhos ou péssimos viúvos por continuarmos sentindo a mesma dor aguda depois de tanto tempo. Talvez tenhamos vergonha e pensemos que não soubemos nos "recuperar".

Mas já vou dizendo que não existe recuperação: não é possível voltar a ser quem você era. Existe a reinvenção, e não é algo ruim. Com sorte, pode ser que consiga se reinventar melhor do que antes.

Afinal de contas, agora você sabe mais…


Há um ano que estou em nova morada. Mais perto do mar. Mais perto do parque. Mais perto. E mais longe também. Mais longe dos meus 35 anos na...


Há um ano que estou em nova morada. Mais perto do mar. Mais perto do parque. Mais perto. E mais longe também. Mais longe dos meus 35 anos na rua dos oceanos. Dos nascimentos e das mortes. Do fechamento de um ciclo. E aqui, da abertura de outros. E com as paredes em branco. E isso é bom. E difícil também. Mas, mais bom!

E me perguntam - “E aí Ana , já adaptada? Saudades da casa?” E para meu espanto , eu me adaptei na hora que vim com o caminhão de mudança. E na primeira noite. Aquele quarto parecia of my own há tempos. Claro que não achava nada, mas subjetivamente falando, aquele espaço, já era meu. Sou um animal que me aquieto logo.

E já nos primeiros dias, ouvi o som de uma flauta a tocar. Notei que alguém ensaiava o instrumento: dó ré mi fá sol....acordes repetitivos. E muitas horas do dia. Pensei , ah! Se fosse Vítor Diniz, o filho de Dodora, minha amiga, e que é flautista. Mas esse, mora alhures. O daqui é um desconhecido , o que torna tudo ainda mais intrigante. E o melhor lugar para esse deleite? o meu banheiro. Melhor acústica, proximidade com o vizinho de rua, e pronto. Estava feito a minha trilha sonora dos banhos e conversas no espelho. E o som da flauta, assim como o do violino, me remetem aos filmes – O Violinista no Telhado; O Violinista Que Veio de Longe (exibido recentemente na Fundação Casa José Américo); A Flauta Mágica...

Passei a observar os sons do novo endereço. A algazarra das crianças de férias que brincam na piscina do prédio ao lado; o silêncio de um gato, que fica estático na janela em frente ao meu quarto desnudo, tenho até a impressão de que me observa quando abro a janela; o baticum do apartamento de cima, que está se preparando para novo inquilino; meu despertador que insiste em me acordar na hora, mal sabe ele que ando com o sono diminuído e desperto antes; um cachorro que late, mas nem de longe parecido com aquele de O som ao Redor; o alarme da porta, agora com tudo sem chave e novas tecnologias, tem aquela musiquinha avisando que meu filho chegou . Ou saiu. Mas é o som da flauta que me eleva o espírito, me trás paz, e beleza no dia a dia.

E o ano começou com apreensões, perdas, novos desafios, e para mim em especial, com o ninho literalmente a ficar vazio. Sempre quis os filhos longe, para o mundo, “...mas o que importa o cérebro comparado com o coração?” Mrs Dalloway ouviu de Sally! Logo eu que prezo tanto a solidão e sou tão independente. Mas logo logo, quando chegar em casa, só terei o som da minha flauta mágica. Aquela que povoa os meus dias, e que me encanta dizendo: vai dar tudo certo! Acredite! E agradeço de ter esse som, doce e suave, a me embalar o tempo.

E o som da flauta me inspirou a escrever, a primeira crônica do ano.

Que venha janeiro! Estou (quase) pronta!

E assim se passaram 50 anos! O quê? Nunca imaginei comemorar 50 anos de algo que fosse. Esta semana, nós , turma da Quarta Série A das Lou...



E assim se passaram 50 anos! O quê? Nunca imaginei comemorar 50 anos de algo que fosse. Esta semana, nós , turma da Quarta Série A das Lourdinas, celebramos meio século de ginásio. Com pompa e circunstância. Festa sagrada e profana. O tempo passou, mas quando nos encontramos, é a mesma meninice: refrãos, sacanagens, e pilhérias. Tudo isso tomando Grapette! Repete! E rezando uma Ave Maria nos intervalos.

Fico sempre a lembrar de filmes como Shirley Valentine, e de Educating Rita. Porque? Pela Grécia, digo Lagoa; pela periferia londrina, digo Festa das Neves; e pela nossa turma da quarta A ginasial.

E diante dos nossos dias no colégio, por entre as freiras, os pátios, o pavilhão, a capela, os corredores, e a saída do colégio – a melhor parte.....A vida correu. E todas nos tornamos profissionais das mais diversas áreas: médicas, cirurgiãs, advogadas, defensoras públicas, engenheiras, químicas, arquitetas, professoras, escritoras, umas fadas das flores, outras do francês, do inglês, e até mesmo do além mar – do português.

A Internet nos aproximou num grupo de whatsapp e a partir daí fomos checando as informações da vida de cada uma. Por capítulos. E uma felicidade de constatar que estamos vivas (com exceção da querida Rosana Maciel); todas com saúde; algumas casadas, outras não; mães de família ou sozinhas; e com alegria de viver, apesar das vicissitudes do caminho. Não é pouco!

E esse colégio foi referência nas nossas vidas. Dizem algumas que, a melhor parte. Meninas, sonhadoras, em formação, em estado de curiosidade, de perspectiva ao futuro. O futuro chegou. E já faz tempo. E nesse espaço/tempo, experiências que marcaram as nossas trajetórias. Lembranças das risadas, da broncas, das alegrias, das delicadezas, mas também da severidade, e das opressões tantas; opressões essas que criticávamos e que hoje sabemos bem dos nós que alinhavavam o nosso desenvolvimento na perspectiva de uma vida de menina/mulher. A nossa música? Andança, (Paulinho Tapajós), cantávamos pra afirmar cotidianamente a nossa amizade.

Claro que estudar em colégio de freira gerava também algum descontentamento em algumas. Em mim particularmente, questionava a rigidez, a disciplina, e por vezes os preceitos religiosos, que eu ainda não entendia. Mas menina ainda, me emocionava com o cantar dos hinos no mês de maio; também indagava sobre os pecados, ou fragilidades da natureza humana, mais ainda das limitações de liberdade nas vidas das meninas.

Mas não só de estudo se vive! Tinha o Crush com pastel oco no recreio; as confissões e Orai pro Nobbis no mês de maio; as festas no auditório e nós dançando Metais em Brasa; o Coral para as afinadas; nossas peraltices do fazer escondido; as árvores do pátio; os segredos inconfessáveis das descobertas/vivências sexuais; as carteiras enceradas; os uniformes com o cós dobrado para virar mini saia; os bastidores da aula de bordado, e os alvoroços da saída, ficaram sim, nos nossos corações para sempre!

Um brinde à felicidade que um dia tivemos por entre portões, salas de aula, notas boas e/ou nem tanto; aprendizados; e o carinho que perdura até hoje. Resumindo , e também pensando nos filmes, acho que estamos a cumprir bem os nossos destinos a celebrarmos aquela turma que, um dia foi toda nossa e ainda é – A Quarta A.

Ah! O tempo! Esse senhor tão bonito!


Há algo de ausente que me atormenta (Camille Claudel) Esse é o título do livro de Andrew Solomon sobre Depressão. É um livro referência ...



Há algo de ausente que me atormenta (Camille Claudel)

Esse é o título do livro de Andrew Solomon sobre Depressão. É um livro referência para esse estado d´alma que se tornou a epidemia do século XXI. Mas não só.

Um tema tabu e que viveu às escondidas, hoje se abrem os véus sobre a do-ença. Perde-se o medo e o pudor de se falar sobre os transtornos de ansiedade e outros picos esquisitos do ser humano. Vi um domingo desses o Dr. Dráuzio Varela em um quadro do Fantástico – Não tá tudo bem, mas vai ficar. Entrevistando famosos e anônimos, que falavam das suas experiências na outra margem do rio. Uma tentativa de mostrar que esses transtornos acometem a todos. Falar é preciso!

A reflexão sobre a melancolia remonta à antiguidade. A palavra vem do grego melankholia e significa bílis negra literalmente. Uma substância do corpo e que em excesso, provocaria uma desordem nos pensamentos. A questão da bílis negra, dos humores e dos seus componentes (sangue, bílis amarela e a pituíta), fazia da melancolia, antes de tudo uma questão biológica. Somente na era moderna, ela vai ser compreendida como uma doença da alma.

Muitos filósofos escreveram obras sobre a depressão. Freud, Luto e Melancolia, para falar do estado melancólico como estado doloroso, de suspensão de interesse pelo mundo externo e depreciação do sentimento de si. Também O mal-estar da Civilização, sobre a dificuldade do homem para ser feliz. A escritora búlgara/francesa Julia Kristeva, Sol Negro – Depressão e Melancolia, argumenta sobre o desamparo. O filósofo, Schopenhauer, Dores do mundo: “a vida é uma guerra sem tréguas, e morre-se com as armas na mão”. E Soren Kierkegaard, O conceito de Angústia – fala do “nada” que nos atormenta. E a nossa Adriana Falcão define melancolia como “uma valsa triste que toca dentro da gente de repente”.

Eu Já tive Depressão! Sei que ela não tem cura, mas a minha experiência, embora extremada, foi pontual. Em ocasiões limites abissais da vida, e por isso, falo no passado. Mas é preciso estar atento e forte! E tomar as nossas precauções.

Primeiro, tive síndrome do pânico. Ainda não conhecia o nome, nem a síndrome. Foi certeira. Muito jovem enfrentava as primeiras perdas do amor e da vida. E o mundo ruía aos meus pés. Sentia-me pequena, frágil e envergonhada. Com uma sensação infinita de fracasso.

Depois tive tudo elevado aos cubos quando viajei para estudar/morar na Inglaterra por quase um ano. Deixara um filho pequeno com menos de três anos, e, sentia-me outsider, diferente, melancólica e triste. Procurei ajuda médica e enfrentei a escuridão. Difícil? Inimaginável.

O pânico teve o seu auge com a doença e morte do meu pai. E aí veio depressão mais profunda. O acordar era sem perdão. Um dia todo pela frente! E entrei no pavor. Fui ler sobre o assunto (Perto das Trevas de William Styron) e procurar ajuda profissional que tenho até hoje. O tempo? Uma abstração em momentos extremados de dor e sofrimento.

Aprendi a me observar, respeitar meus gatilhos, contemplar, perambular, criar tempo para mim, me cuidar, e ler Mulheres que Correm com os Lobos. Sim! e tenho a alegria como norte, mesmo quando a valsa triste toca.


Numa matinê de sábado, depois de uma semana com rinite alérgica e sinusite, e de perder pessoas queridas da cidade, queria me distrair. E ...



Numa matinê de sábado, depois de uma semana com rinite alérgica e sinusite, e de perder pessoas queridas da cidade, queria me distrair. E fui assistir o filme Mamma Mia 2. Já tinha visto o primeiro (e adorei!) e assisti também o musical na Broadway, em 2015. O que me levou a sair do teatro com a lombar doída de tanto cantar e dançar na cadeira a trilha do grupo Abba. Realmente uma catarse !

Pois sábado fui ver a continuação do musical da menina e seus três pais. E passeando pelas Ilhas Gregas, e ouvindo aquelas músicas, me peguei choramingando. Um filme sobre a saudade. Saudade de uma filha pela mãe (a personagem de Meryl Streep no Mamma Mia 1). A história dessa vez, é sobre a vida de Donna (Meryl Streep), antes de chegar à Grécia, agora vivida pela linda Lilly James, atriz que tinha acabado de assistir no dia anterior, em outra ilha idílica, no filme – Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batatas.

E nessa saudade, viaje nas minhas lembranças pela Grécia, numa viagem esplendorosa que fiz em 1987; pelas mussakas que comi; pelos caminhos imbricados das ruelas brancas e azuis de Mikonos, e o meu êxtase particular de me ver perambulando também em Santorini a comer Octopus grelhado e me perder no azul anil do Mar Egeu.

Tive amigos gregos no meu ano de Mestrado na University of Warwick, na Inglaterra 1986/7. Chorei de saudades deles também. E de saudade em saudade, foi me dando um sentimento esquisito. Um misto de alegria e nostalgia. E quando dei por mim, estava aos prantos em Mamma Mia!

No meio do filme, me veio á tona a paixão pelos atores Colin Firth, meu eterno Darcy, e que, dançando desengonçadamente, fica ainda mais sedutor, e de Stellan Skarsgard (meu estranho querido de Melancolia, Dançando no Escuro, Dogville), e no filme, um dos dançarinos alegres e fanfarrões na festa pra Donna! Ah! Minhas paixões cinematográficas!

Cinema é diversão sim. E como foi reconfortante estar esparramada naquela Sala Vip, sessão da tarde, com os olhos rasos d´água cantando Mamma Mia, e passeando nas lembranças de um inverno em NYC com minha irmã Claude; ou re-lembrando minhas andanças, quando jovem, pelas Ilhas Gregas, com minha saia de chita, comprando brincos de alpaca , e identificada com aquelas figuras dançantes daquela ilha com portas azuis (pintei as da minha casa uma vez, só para ter o gostinho dessa lembrança; como também pintei a casa de terracota para me sentir no filme de Bertolucci – Beleza Roubada!). O cheiro de azeite fino e pepinos nos iogurtes, pude sim fazer uma viagem nas memórias afetivas de uma vida passada a limpo na diversão e arte. Como diz um amigo filósofo: “o esquecimento como lembrança!”

Saí do cinema de olhos gordos e empapados de lágrimas. Um choro pelos mortos da semana (Juvenal e Jorge – que nem conhecia, mas que fazia parte do meu grupo de Caminhantes). Um choro também pelos meus mortos. Minhas saudades tantas. Mas nem por isso triste. O sentimento de efusão da celebração ao amor da filha pela mãe; dos brindes à amizade e ao amor, me deram mais ânimo e alegria para seguir direto à UFPb, Sala de Concertos Radegundis Feitosa, e assistir o Recital do menino Vitor Diniz, filho da minha amiga da infância, Dodora Diniz e Luismar , e que , desde a barriga acompanho os passos e os sopros da sua Flauta Mágica.

Quando lá cheguei, vi, pela primeira vez, o belíssimo mural- A Bagaceira – do artista Flavio Tavares. E por entre engenhos, cabritos, carros de boi, e senhoras com o olhares perdidos no horizonte, também me deixei perder no interior paraibano, no cheiro enjoativo do melado do açúcar, da minha infância pelos engenhos e usinas das primas queridas.

E do Brejo às Ilhas Gregas, a distância se fez pequena. Minhas lágrimas enxugaram. E o meu sábado terminou em pizza. Literalmente. Brindando à vida com as amigas, Margarida Assad e Fátima Duques. Na esquina de casa.

Nem sei mais quando conheci Gonzaga. Faz tempo! Mas confesso que, só mais recentemente é que leio sua coluna com mais assiduidade. Sempre ...



Nem sei mais quando conheci Gonzaga. Faz tempo! Mas confesso que, só mais recentemente é que leio sua coluna com mais assiduidade. Sempre o encontro nos eventos literários. E também sabia que tinha conhecido meu pai, Romero, nos tempos de outrora.

Gosto do seu estilo de crônica (simples, sofisticada, única e poética), e assim como toda a torcida de todos os times, o seu talento. Confesso que, quase sempre não conheço as pessoas de quem fala nas crônicas, seus lugares queridos, Alagoa Nova, e tantos outros recantos da sua prodigiosa memória. Pouco importa. Para quem tem aquele saber, aquela facilidade poética das esquinas, seus amores pela cidade, pelos amigos, e pela vida, nem se precisa conhecer os atores. Um passeio pelas suas vírgulas, já basta.

Também já tive oportunidades de ouvi-lo falar – com maestria. Homem simples, direto, erudito, simpático, e que tenho no seu olhar, uma ternura à toda prova. Uma empatia que sinto. Amor à primeira vista. Com todo o respeito. Ele sempre solícito e sempre carinhoso com meus afagos, abraços e cordialidades.

Nos últimos tempos, por conta dos livros, eventos comuns, e encontros mais costumeiros, esses afagos e abraços sempre mais assíduos. E eu, de longe, aproveitando sua fala, seu humor, e seu sorriso de olhos fechados. Uma unanimidade esse Gonzaga! Que tem no nome, ritmos de outro mestre. Um ritmo que vislumbra em passos devagarzinho, através do seu corpo magro, bem vestido em cortes de linho azul claro, cabeleira vasta, e olhos negros, hoje com uma ligeira névoa de quem já viu, olhou, contemplou , um tanto da vida – Longing day and night! Eu diria em outra língua.

Pois semana passada, fui convidada por amigos, a ir almoçar com alguns, e dentre eles estaria Gonzaga , o Neguinho, como é carinhosamente apelidado pelos seus. Imagina, o luxo de, dividir uma galinha de capoeira, uma cervejinha, cachacinha, ou o que fosse, com esse moço dos olhos risonhos.

Foi uma tarde inteira com ele sentado à minha frente. A discorrer sobre as ladeiras e percalços de suas histórias maravilhosas. Causos. Piadas até. Sua singeleza (sim! Essa é uma palavra boa para adjetiva-lo) e boas risadas de alegria, fizeram meu coração pinotar feito criança com brinquedo novo.

Lá pelas tantas, como se a felicidade não bastasse, comecei a situá-lo em relação ao meu pai. Ele arregalou os olhos – aqueles que riem de espanto, e identificou direitinho o meu pai querido, e o seu lugar de trabalho na Praça Antenor Navarro. Lembrou do seu escritório, das visitas, da generosidade do meu pai, contou até alguns segredos dos dois , confianças, admirações mútuas. Gentil e surpreso, mostrou sua alegria em me descobrir nos teclados das Remingtons que meu pai vendia. Teclados esses através dos quais, escreve suas preciosidades, reconhecidas e aplaudias pela vida toda. E eu ali, com o olhar perdido no passado, ouvindo emocionada, esse elo de afeto!

Sou uma leitora anônima, assim como toda uma cidade, que lê entusiasmada , seus passeios públicos e mais íntimos; sobre suas perplexidades diante do Ponto de Cem Réis; seus pertencimentos da vida; suas alegrias/tristezas da existência.

Ah! Gonzaga! Arvoro-me à essa pequenina sobremesa, ao nosso mais que idílico almoço, que ainda teve direito à performance de João Batista de Brito e seu texto sobre O Anjo Azul e Marlene Dietrich, e gargalhadas com o pai de Brooke Shields! Aí é assunto para uma outra crônica.

Obrigada Gonzaga! Martinho Moreira Franco, João Batista Brito, Mariângela Wanderley, e Luiz Paiva. Voltei pra casa literalmente rodopiando feito bailarina, não sem antes ter te dado um grande abraço que máquina nenhuma conseguiria registrar. Essas coisas do instante! E do afeto!

Eu subia. Na escada rolante. E ela, a alguns degraus à frente. Pareceu-me uma escultura andante. Lá estava ela. Uma mulher de costas. Com ...



Eu subia. Na escada rolante. E ela, a alguns degraus à frente. Pareceu-me uma escultura andante. Lá estava ela. Uma mulher de costas. Com um vestido estampado, pouco acima dos joelhos, sem mangas, mas o que tinha de comportado no comprimento, ultrapassava no decote das costas, profundo até a cintura. Suas costas brancas imaculadas. Com alguns sinais marrons, espalhados por aquela pele de porcelana. Juventude e beleza.

Era uma mulher jovem. Nos seus trinta anos. Não muito alta, mas usava uma sandália de salto grosso. O cabelo, castanho dourado, preso desarrumadamente. Sem brincos. E sem maquiagem. Um leve batom cor de boca. Olhando de costas, eu fiquei literalmente impressionada. Uma mulher como aquela, vestida assim às 3 da tarde, num shopping, chamava muita atenção. A minha!

Pensei que seria um vestido para a noite. Penumbras dos bares. Dancing. Drinks. Mas o que é a noite frente à luz do dia? Prazerosa e deliberadamente. Uma mulher elegante. Silenciosa. Em outra qualquer estaria vulgar. Nela? Sensual e assertiva. E quem há de saber os limites e as horas se não ela mesma?

Entramos juntas na loja de artigos de casa. Eu não conseguia tirar os olhos daquelas costas. E quando a olhei de frente? Um vestido que deixava seus seios à mostra dos lados. Seios belos e firmes que teimavam em sair pela super cava, um pouco mais decotada que o habitual. Só um corpo escultural daqueles permitia tamanho limite entre o (não) mostrar. E a moça perambulava por entre as louças, os potes, as tábuas de madeiras, as taças de acrílico, os conjuntos de cozinha. Já eu, nem mais sabia o que tinha ido procurar. Sim, uma tábua de pão para que os farelos não sujassem tanto a minha cozinha. Quão doméstica senti-me! Sem vestido. Sem decote! E com a minha pele já gasta pelo tempo....

Fiquei a pensar em mim. Quando mocinha. Magra, morena, com um corpo que caberia naquele vestido. Mas, ao invés, estava eu - ou com saias longas de hippie-chic, ou de shorts jeans e top, ou ainda com calças frouxas de alfaiataria e camisas largas.

Queríamos esconder o corpo. Chamar atenção para nossas ideias, outros charmes, e outros erotismos. Que também são afrodisíacos, sei. Mas nunca tive aquela feminilidade ditada pela cultura. Aquela, a da moça das costas nuas. E menos ainda aquele poder circunscrito pelo andar. Na época, já tinha meus parâmetros da rebeldia que contestavam as curvas, os apertos, e as mostras. Sonhava com os olhares das atrizes francesas.

Mas ao ver aquela moça tão camafeu, tão simples e tão sofisticada, tão desnuda, tão dona de si, do corpo, da sua beleza, do seu poder, e da sua autonomia, por entre pires e xícaras, fiquei a pensar nisso tudo. No poder da beleza! Sim! Aquela mesma!

Proclamada secularmente pela supremacia dos valores. Claro que, por agora, já não tenho mais esse rosto magro, nem peitos firmes, nem costas lisas. O tempo passa. Mas uma mulher assim, numa escada rolante, com um vestido desses, tem o poder de despertar um olhar devastador. Hoje não mais aquele olhar objetificado do gaze masculino. Confesso até que, por um instante tive, mas o olhar de outra mulher, que por aquele degrau, contemplou uma beleza, é bem verdade renascentista, mas mesclada com o contemporâneo, com a altivez das mulheres jovens e poderosas dos nossos tempos.

Por um piscar de olhos, eu quis aquele vestido. E não só... Acho que quis sim, ser aquela mulher subindo na escada rolante. E que despertasse um olhar. O meu!


“As pessoas morrem como viveram. Se nunca viveram com sentido, dificilmente terão a chance de viver a morte com sentido” E você viveu co...



“As pessoas morrem como viveram. Se nunca viveram com sentido, dificilmente terão a chance de viver a morte com sentido”

E você viveu com todos os sentidos . Na vida e na morte!
Dia 05 de Junho - já serão seis anos de saudades. Quanto tempo! E que tempo sem horas é esse! Parece que foi ontem.

Quando penso naquele domingo pela manhã logo cedo quando o médico me deu aquela notícia, a princípio indecifrável, sobre a sua pupila, irreversível. Ao mesmo tempo. Tudo parece longe. Muito longe.

Como te atualizo daqui? Nem sei por onde começar. Começo pela alegria. Seremos avós. Juntos com Fred e Adriana. Quarteto de afeto. Luísa está para nascer. Lucas? Focado e grávido. Nathália ? calma e plena. Eu? Assustada com tantas mudanças.

Sim! Nos mudamos. Daniel e eu. Novo endereço. Novos desafios. Nova geografia da vida. Estamos contentes muito. Com tudo isso. Mas no meu caso, existe um fio de tristeza da vida. Das perdas e danos. E nem é filme... Também me aposentei. O ócio é meu ofício. Mas trabalho muito.

O país? Você não acreditaria. Nem vou contar aqui, nem os céus dariam conta de tanta barbaridade. De balbúrdia! Imagine! estamos perplexos.

Mas olhe, estou lendo A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver, da Ana Claudia Quintana Arantes. Sim, como não sou religiosa, procurei ajuda no sutil, no simbólico, e esse livro fala da vida. Apesar do título e do assunto.

Estou sempre a rever aqueles 50 tons de tristeza. O sofrimento – seu , meu e dos queridos. As nossas impotências e fragilidades. As nuances da doença. A solidão. Os cuidados paliativos – que no meu desconhecimento, não me dava conta. E a morte. Aquela hora precisa que, eu não sabia se seria, nem quando seria. Um Boa Noite meio cabreiro e uma dor de cabeça final.

Sim! Eu estava anestesiada. Com uma muralha grande ao meu redor. De outra forma não teria suportado tanta desolação e medo. Protegi-me como pude: Batom, banho de sol, jornal, capela, olhar o céu, ir à farmácia, um café no térreo, uma espiada no facebook, coisas cotidianas para driblar esse mistério inadiável do fim, “..a experiência da dor passa por mecanismos próprios de expressão, percepção e comportamento. Cada dor é única.”

No livro, tenho me confortado em assimilar o que seja empatia, compaixão, medos tantos, cuidados, sobre “a morte – um espaço onde as palavras não chegam”; sobre o indizível “– é a melhor expressão da experiência de vivenciar a morte”. Sobre percepção, urgência, lucidez; sobre o “tempo – transformador não depende de duração”; comportamento na perda e a impressão finda; sobre espera, desejos, esperança; sobre prece, ética, introspecção; sobre o divino; sobre mergulhar profundamente na própria essência; sobre dissolução; sobre saúde, doença; sobre o sagrado, sopro vital, tristeza, agonia; dos fardos, das culpas, das ilusões, dos abandonos, e de saber que a morte não escolhe lugar.

“Acompanhar alguém nesse momento é a experiência mais íntima que podemos experimentar junto a outro ser humano...Estar no lado de alguém que está morrendo é desnudar-se também. Nessa experiência e companhia a alguém que morre, seremos verdadeiros oráculos!”, diz essa médica mais do que sábia e conhecedora dos cuidados todos com alguém que morre. E de alguém que vive.

Depois de tudo, e tanto tempo, e nesses seis anos de ausência, a alegria ainda é a maior ferramenta para se viver. E o amor, claro!

“A graça da morte, seu desastrado encanto, é por causa da vida”. Adélia Prado.

Nossa imensa Saudade! E imensurável amor!

– João Pessoa 01 de junho, 2019