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O supermercado, muitas vezes, é uma fonte de inspiração para os cronistas. Outro dia, estava eu na fila do caixa e avistei uma amiga de infâ...

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O supermercado, muitas vezes, é uma fonte de inspiração para os cronistas. Outro dia, estava eu na fila do caixa e avistei uma amiga de infância — hoje já distante — a andar pelas latas de ervilha com três saltitantes garotas lindas. Netas, possivelmente. E fiquei a pensar nas meninas. Lembrei até do conto de James Joyce, Araby, em que ele fala do primeiro amor.

Como um assunto puxa o outro, veio o tema sobre a sedução das mulheres, que começa tão cedo. Quando mocinhas, lá vêm o batom, a cinta, a meia, o sutiã, os decotes, os babados, as sedas... o corpo. Desviava tanto da minha, pela timidez e, principalmente, como forma de resistência. Claro que não tinha propósito nem tanta consciência como vim a adquirir depois. Existiam o incômodo, a negação e o desejo de fazer diferente. Era muito magra, tinha problemas (ainda tenho) com saltos. Desdenhava os frufrus e tudo o que era feminino me era estranho.
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Desejava ir por um outro caminho: o da subversão. Usar roupas masculinas (calças largas, camisas de marinheiro) e esconder o corpo desse padrão normatizado.

Queria, também, conversar assuntos de homem, beber, transgredir os véus e as transparências. A calça jeans rasgada caiu como uma luva para o meu padrão solitário no Cine Municipal e na Lagoa. Como o sentir ainda era nebuloso, sofria. Queria uma roupa destoante. Queria um vestido solto que não fosse solto. Minha mãe, que fazia nossas roupas, enlouquecia nos debruns e cortes desestruturados, que nunca ficavam ao nosso gosto.

A minha sedução, com certeza, nunca passou pelos vestidos das meninas. Nem passa! Tudo que se impõe me causa irritação. Em minha lua de mel não houve camisola de núpcias. Nem núpcias! Já fui de uma geração que não se esperava tanto. Tínhamos urgência e o sexo se antecipava pulsante.

Por entre os pacotes de feijão, no supermercado, fiquei também a filosofar sobre o que é ser uma menina. Não é de hoje que falo que ser menina é querer ser mulher antes do tempo. É lidar com o perigo iminente da violência sexual! Naquele momento, pensei do "ser menina antigamente", quando eu própria fui uma delas. Brincar de roda, sentar com as pernas juntas, não responder aos mais velhos, uniforme das Lourdinas no joelho, usar meia combinação, fazer cozinhado no quintal e tudo o mais.

Sou a mais velha de uma casa feminina. Quatro irmãs. E por meio de bonecas, saias, modess, sutiãs e namorados, vivi. Não tive filhas. E há muito vivo longe do universo das meninas. Recentemente, convivo com minha sobrinha Hanna, que já é uma adolescente, e quer lonjura do mundo das garotas pequenas. As mulheres lhe interessam!

Ao observar minha amiga com suas netas meninas lindas, fiquei a pensar de como seria como avó. E por favor meninos meus: vejam se quando forem pais, me trazem alguma menina!! Já estou satisfeita com o mundo dos homens.
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Em casa, digo! Que tipo de avó serei? Como lidarei com esse amor que dizem ser a cereja do bolo?

Fico pensativa ao testemunhar as mulheres/avós da minha geração. Percebo que, de modo geral e com raras exceções, os netos preenchem um espaço gigante em suas vidas. Muitas avós agem como se não tivessem mais uma vida toda sua; sem interesses outros, como se só os netos restassem, como se toda a seiva da vida jorrasse desse único caminho, como se a vida dos adultos tivesse ficado opaca e finda. Nada de namorar os maridos nem trabalhar nem socializar nem ler nem ficar sem fazer nada nem encontrar amigos, conversar, participar ativamente das atividades que um dia gostaram. Tudo fica resumido à escola de neto, aniversário de neto, natação de neto, correr com neto, balanço de neto, creches, comidinhas para os netos.

Nada contra os netos. Aliás, bem vindos os netos! Fico a lembrar de outras mulheres alhures que morrem de amor pelos netos e, no entanto, mantêm-se mais distanciadas, para que possam também viver as vidas outras e não somente a vida e avós. Falo assim porque ainda não tenho os pequenos. Pode até ser, mas pela mãe que fui e sou, com todas as presenças e ausências que fui capaz de exercer, e uma vida toda minha que demorei tanto a construir, tentarei incorporar os netos, mas não gostaria de ter todo o meu dia pautado pelo papel de avó. Terei sempre meus interesses outros, minhas necessidades outras e minhas solidões outras também, seja lá o que esses "outros" signifiquem.

Olhando a minha amiga a passear com as netas por entre bananas e abacaxis, pude vislumbrar uma cena: eu mesma levando algum neto para fazer a feira e comprar-lhe um doce. E falar de amor, esse artigo de luxo!
Em tempo: Hoje tenho uma neta, Luísa, de um ano e três meses, e tenho me deliciado com ela. Mas ainda não a levei para fazer a feira comigo. Em breve!


Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura, professora e escritora

Para Juca. Foi um rio que passou na minha vida... A cidade de Valência, na Espanha, era atravessada pelo rio Turia, que transbordou e ca...

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Para Juca.
Foi um rio que passou na minha vida...

A cidade de Valência, na Espanha, era atravessada pelo rio Turia, que transbordou e causou uma inundação histórica nos idos dos anos 50. Após o desastre, o rio foi desviado e o seu leito transformado em um grande parque. Em suas águas, portanto, ninguém pode mais se banhar duas vezes. Porém, nas trilhas que ele deu origem é possível andar, a pé ou de bike, em estado de correria ou de contemplação. Escolhi a segunda opção.

Nunca pensei muito nele. Muito menos em fazer planos a distância. O tempo sempre me pareceu tão longe, mas tão longe, que minha imaginação ...

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Nunca pensei muito nele. Muito menos em fazer planos a distância. O tempo sempre me pareceu tão longe, mas tão longe, que minha imaginação não alcançava. Vivi sempre o dia a dia. No máximo enxergando o fim de semana próximo, o Natal próximo, meu próximo aniversário.

Sempre me intrigou o assunto da violência sexual contra as crianças. Pergunto-me: como um homem, — na maioria das vezes um familiar que sup...

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Sempre me intrigou o assunto da violência sexual contra as crianças. Pergunto-me: como um homem, — na maioria das vezes um familiar que supostamente deveria proteger (pai, padrasto, padrinho) — abusa de pré-adolescentes? Onde mora esse prazer de tamanha brutalidade? É distúrbio? Doença? Seja o que for, é abominável esse descompasso do sexo entre um adulto e uma criança, que não entende o que acontece, ainda mais aquele abuso estudado. Quais os caminhos? Quais as estratégias para atingir-se tão aberrante objetivo?

Quando comecei a escrever crônicas, partia sempre de um assunto da minha vida. Falava de mim. Sem querer ser narcisista, era sempre com bas...

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Quando comecei a escrever crônicas, partia sempre de um assunto da minha vida. Falava de mim. Sem querer ser narcisista, era sempre com base em algo pessoal que levantava voos para comentar sobre as coisas mais diversas. Falei das perdas, das mortes, dos casamentos, dos amores, das saias, das casas, da família, da mãe, dos filhos, das praias, do tempo, dos estudos, do trabalho, dos amigos, das mulheres, das dores, do sofrimento, das alegrias,

Para meu pai, Romero [ in memoriam ], uma saudade imensa; Para Juca, um pai querido, super amoroso, e de carne e osso; Para Fred, um pai ...

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Para meu pai, Romero [in memoriam], uma saudade imensa;
Para Juca, um pai querido, super amoroso, e de carne e osso;
Para Fred, um pai presente, por entre as Pitangas;
Para Flávio, uma vez, um quase-pai.


Hoje, domingo, comemora-se o Dia dos Pais. Enquanto comprava lembrancinhas para os “meus pais” queridos, aproveitei para presentear a mamãe aqui com algumas leituras, as quais recomendo:

O meu pai, Romero, era um homem simples, filósofo e circunspecto, enxadrista e descrente da natureza humana. Era autodidata e leitor exigen...

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O meu pai, Romero, era um homem simples, filósofo e circunspecto, enxadrista e descrente da natureza humana. Era autodidata e leitor exigente de história, geografia e filosofia. Não entendia poesia, mas era exímio em matemática e apreciador da natureza. Sou-lhe grata por tanta delicadeza e sabedoria, exatamente por essa mesma natureza, humana.

Aqui, abaixo da linha do Equador, nordeste brasileiro, não há inverno, mas temos a estação das chuvas. Na falta das quatro estações, e de t...

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Aqui, abaixo da linha do Equador, nordeste brasileiro, não há inverno, mas temos a estação das chuvas. Na falta das quatro estações, e de todos os ritmos que o tempo dita, gosto quando chove lá fora. Uma chuva que, como uma bússola, me indica o caminho do aconchego. Com o tempo que passa, venho gostando mais e mais dos tons cinzas e de introspecção. Por um momento, só. Quando chega o verão... é um desassossego!

O ano era 1979. Época de turbulências. Muitas mudanças na vida. A roda que não era gigante! O endereço era o edifício Gravatá, de onde dava...

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O ano era 1979. Época de turbulências. Muitas mudanças na vida. A roda que não era gigante! O endereço era o edifício Gravatá, de onde dava para ver o mar. As montanhas? De Sísifo. Muitas pedras a rolar. A música era Wild Horse, minha preferida dos Rolling Stones. E as noites de sexta-feira ferviam. Ah! Se o meu fusca vermelho falasse!

Depois de voar com o coração apertado por causa do apagão aéreo, do medo latente do terrorismo em Londres (à época) e de me deslocar de car...

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Depois de voar com o coração apertado por causa do apagão aéreo, do medo latente do terrorismo em Londres (à época) e de me deslocar de carro até Cardiff, enfim, cheguei... o lar doce lar. Era a casa da minha irmã Teca, que reside no País de Gales há mais de 30 anos. Um país que pouco conhecemos e tendemos sempre a chamá-lo por Inglaterra,

Assisti, há alguns anos, no Zarinha Centro de Cultura, ao documentário “O Homem que vê no Escuro”, sobre o professor e crítico de cinema Jo...

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Assisti, há alguns anos, no Zarinha Centro de Cultura, ao documentário “O Homem que vê no Escuro”, sobre o professor e crítico de cinema João Batista de Brito. O filme tem direção, produção e roteiro do professor e amante do cinema Mirabeau Dias. A exibição contou com seleta plateia de amigos e intelectuais da cidade.

Há muitos e muitos anos vi um filme, " A Filha de Ryan " (Ryan's Daughter, 1970, de David Lean), que me deixou impressionada ...

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Há muitos e muitos anos vi um filme, "A Filha de Ryan" (Ryan's Daughter, 1970, de David Lean), que me deixou impressionada com um país (a Irlanda), pelas imagens grandiosas e pela poesia visual. Tempos mais tarde tive minha primeira aula de literatura irlandesa, e era sobre dois contos do livro Dublinenses (Dubliners, 1914), de James Joyce – Araby e Evelyn.

E assim se passou o dia dos Namorados. Fiquei a pensar sobre o assunto e, como estou numa fase de acesso ao Fundo do Baú (comunidade virtua...

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E assim se passou o dia dos Namorados. Fiquei a pensar sobre o assunto e, como estou numa fase de acesso ao Fundo do Baú (comunidade virtual da qual faço parte), completamente rendida às mídias sociais, revirei meus baús e... Nossa! Gostei do que vi.

"Um homem se propõe a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos, povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanha...

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"Um homem se propõe a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos, povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de moradas, de instrumentos, de astro,, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu próprio rosto.”
Jorge Luis Borges, citado por Maria Esther Maciel, em 'A memória das coisas'

Esse é o título de um conto de Virginia Woolf (publicado em 1917), exemplo da sua escrita poética da existência. Enquanto olha um ponto pr...


Esse é o título de um conto de Virginia Woolf (publicado em 1917), exemplo da sua escrita poética da existência. Enquanto olha um ponto preto na parede, o pensamento passeia pelos mais diferentes temas filosóficos da vida.

Quando era menina, a hora depois do almoço era uma hora em que eu mergulhava num tempo todo meu. Gostava de sentar nos alpendres das casas ...


Quando era menina, a hora depois do almoço era uma hora em que eu mergulhava num tempo todo meu. Gostava de sentar nos alpendres das casas onde morava. O chão era frio dos mosaicos de ladrilho hidráulico (tão sem importância na época!), e ali me esparramava. Sentia na pele aquela temperatura fria dos desenhos em arabescos. E o mundo, literalmente, parava para mim.

Nunca fui de acreditar muito em sorte. Sempre achei que ela existia, mas dentro de circunstâncias maiores, e que nós, tínhamos sim, uma re...


Nunca fui de acreditar muito em sorte. Sempre achei que ela existia, mas dentro de circunstâncias maiores, e que nós, tínhamos sim, uma responsabilidade em fazê-la acontecer. Ficar esperando sentada alguma coisa, não me dava muita fé em realizar algo caído assim do céu. Por isso que, quando ouvia alguém dizer: “Fulano/a tem muita sorte! Olha lá a vida dele/a...”, eu sabia no íntimo que de alguma maneira, aquela pessoa havia corrido atrás, pulado no abismo sem rede, para conseguir sua conquista. Sempre achei que somos sim, protagonistas da nossa história. Mas, isso não me deixava totalmente descrente da sorte. Misteriosa, ela existia de alguma forma.

Outro dia, conversando com pessoas queridas, ouvi o relato de uma delas, sobre como namorou pessoas, foi embora pra outra cidade, fez concurso público, acabou namoro, assumiu posto, encontrou novo amor, casou, etc e tal… e fiquei a pensar. Olhando de fora, parece sorte. Mas não é! Essa pessoa tomou as rédeas do seu cavalo, como diz tão bem o ditado popular: “A sorte/felicidade é um cavalo selado que passa na sua janela!”. E essa amiga, penso eu, pulou no seu cavalo sem destino, criando assim o seu destino, que foi de final feliz. Nem sempre o é, pois das nossas escolhas o resultado quase sempre é uma incógnita.
Uma outra pessoa, que foi casar e morar no exterior, a mesma coisa. A mãe estava sempre a dizer: “Aquela moça tem sorte!” Qual nada! Ela escolheu, tomou decisões, se aventurou e encontrou seu caminho. Ou o desenho dele. O fator sorte? Claro que existiu nos dois casos, mas é apenas um dos ingredientes, que sem o poder da escolha soberana, nada aconteceria.


Leticia Wierzchowski
Qual minha surpresa? Lendo a crônica “Mazal Tov”, de Letícia Wierzchowski, escritora e roteirista, autora de "A casa das sete mulheres", me deparo com seu texto sobre a sorte.

Letícia fala do ano novo, do espírito de renovação, das suas listas (me identifiquei, porque também faço as minhas, com possíveis e inimagináveis desejos) e do seu papo com um rabino de Porto Alegre, onde mora. A conversa foi sobre um dos pilares da religião judaica, a circuncisão, que é feita nos meninos sempre no seu oitavo dia de vida. Nesse momento o menino recebe os votos do rabino de boa sorte, que em hebraico, é Mazal Tov. E o rabino explica o que significa a palavra e a sorte, na crônica de Letícia:

“Mazal é um acróstico de outras três palavras: uma delas quer dizer local. A sorte, portanto, depende do lugar onde você está. A segunda palavra do acróstico quer dizer Tempo. A sorte depende do tempo no qual você vive. E, por fim, a terceira palavra que compões mazal é estudo.

Então, a sorte ensejada na religião judaica não e aleatória nem trivial. Ela depende da conjunção desses três fatores para se realizar. Local, tempo e preparação. É uma sorte na qual atuamos também, e não apenas o divino....E sim, precisamos estar preparados para os nossos sonhos, precisamos estar prontos para os nossos desejos, alinhados com o nosso projeto, de gavetas arrumadas para as mudanças que almejamos realizar. Temos um papel importante dentro do imponderável, um papel fundamental e não podemos nos furtar a ele.”

Compartilho com Letícia quando diz: “É tão fácil reclamar que a gente está com azar… Mas estamos preparados para tudo que desejamos? Fazemos a nossa parte, esse um terço do mazal tov?”

Portanto, as amigas citadas e mais outro tanto de exemplos que temos nos arredores da vida, de pessoas que têm sorte, também têm lugar, tempo, circunstâncias e aprendizado, se organizam em uma teia de possibilidades e disponibilidades para que as coisas e a vida aconteçam. E aí muita atenção para, toda vez que dissermos: “Aquele/a tem tanta sorte!”, que a gente pense no local, tempo e sabedoria que essa pessoa e suas circunstâncias tiveram que atuar, brigar e principalmente escolher, para que a sorte se instalasse.

No final, cada um de nós temos sim, a possibilidade da escolha. Estamos a escolher a cada minuto das nossas vidas. Fazemos isso tanto inconsciente como atenta e deliberadamente. Quero ficar ainda mais de olhos bem abertos, para correr como Lola!; escolher o caminho de Robert Frost; a Melinda de Woody Allen; e pular sim, nos abismos que fazem parte do meu latifúndio.

Eu só queria ter a capacidade de reconhecer e montar sempre o cavalo do meu destino. Construí-lo, ser sua dona, ou pelo menos sua protagonista e sujeito das minhas escolhas, saber reconhecer esse vulto que me assobia da janela, e ter sempre a consciência de, como disse Ortega Y Gasset: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”, também.

No dia do meu aniversário, sempre recomeçando o signo de Aquário, me desejo Mazal Tov! E a vocês também, que assim como disse Letícia, para começar um ano bom, desejo , de um verão iluminado, essa palavrinha hebraica para todos.

Mazal Tov!
“A prontidão é tudo!” (Shakespeare em Hamlet)


Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura, professora e escritora

Chegar em Londres para mim é uma experiência mais afetiva que geográfica. Reporto-me aos tempos dos meus doze anos de idade e da Cultura I...



Chegar em Londres para mim é uma experiência mais afetiva que geográfica. Reporto-me aos tempos dos meus doze anos de idade e da Cultura Inglesa (a primeira, uma casinha na Av. D. Pedro I), quando e onde comecei a estudar Inglês, com Mr. Barlow e D. Nair. Como não re-viver a primeira vez que vim, ver e falar de perto, a língua que aprendia nos livros e com os Beatles nos anos 60! E já foram tantas vezes! E a vez maior, quando morei na Universidade de Warwick em 1986/87. Naquela experiência, tantos sentimentos contraditórios. Uma parte de mim, cosmopolita e querendo conhecer os mundos. Outra parte, tendo que lidar com as escolhas! O difícil caminho das mulheres e das mães. Eu fiz as minhas. E assumi as consequências. As saudades também. Chegar em Londres é sempre um susto. Uma sensação de dejá vù . De outros tempos da juventude, agonias e felicidades tantas.

Perguntaram-me o que dessa vez, eu queria ver em Londres? Nem eu sabia. Nunca quero muito. Simplesmente estar nessa cidade. Queria perambular. E foi o que fiz: Almoçar no Borough Market, ouvindo aquele Senhor com um sotaque esquisito vendendo morangos frescos, no meio daqueles tons ocres do mercado, que parecia cenário de filme, e/ou dos romances de Charles Dickens. Depois caminhar pelo Bankside, avistando a Torre de Londres de um lado, a paisagem cinzenta (não seria Londres se assim não o fosse). Passar em frente do Globe Theatre, me lembrar de Vitória Lima e as aulas sobre Shakespeare. Seguir, por entre pubs, turistas, até chegar a Tate Modern. Esse, meu lugar favorito das artes. Uma exposição especial de Picasso (The EY Exhibition Picasso 1932 - Love Fame Tragedy), e ficar deslumbrada novamente com sua obra e esse ano específico chamado de “ Year of Wonders”. Vi montes de crianças pintando pessoas com olhos dis-formes. Criança que visita museu, com certeza terá outros olhares/ângulos quando adulto. Penso. Do sexto andar, do café, a vista do Tâmisa. E aquele cenário de uma Londres futurista com seus novos prédios gigantes: O Shard (em forma de pirâmide), o Gerky (em forma de ovo), e o Walkie Talkie (um tijolo!). O novo se contemporizando com a tradição da arquitetura gótica de Westminster e das Houses of Parliament.

Atravessei a Millenium Bridge. A ventania quase leva minha sombrinha com as cores da bandeira inglesa, que havia comprado na London Eye, por entre turistas outros. Uma moça cantarolava com sua voz delicada. Mais ventania. Mas como resistir ao Tâmisa? Seguia, e numa das pontes, um latino tocava “Despacito” na sua sanfona. O eco daquela música, varreu de mim qualquer preconceito. Parei. Ouvi. Dei-lhe uma moeda. E me emocionei. Quase dancei! Depois, ao longo do Queen´s Walk avistava o London Pride e os barcos naquelas águas caudalosas. Quase pude ver uma tela de Turner e seus mares escuros. O Big Ben em reforma estava vestido, se escondia de mim, mas a ponte de Westminster, com seus Double Decks circulando, tudo me remetia aos sonhos de menina e a Cultura Inglesa. No meio do caminho vi uma estatua de Sir Lawrence Olivier, um edifício da London School, com o nome de Virginia Woolf, e as aulas de literatura Inglesa também vinham pelo caminho. Mrs Dalloway passeava!

Mas sou fascinada por mercados. E Londres é a cidade dos mercados: Notting Hill/Portobelo, Peticoat, Broadway Market, Borrough Market, Camden Town e tantos outros. Gosto de circular por esses lugares no meio da rua. Saborear comidas exóticas. Provar roupas diferentes. Broches. Chapéus. Echarpes. E mais, aquela multidão diversa de todos os lugares do mundo. Essa é a magia.

Portobelo Road no Sábado. Aquela cerejeira em flor branca me esperava. Tantas lojas, brincos, prata, âmbar. De novo ficava zonza. Não sabia o que comprar. Tantos anos indo ali. Julia Roberts era eu! E escutava Charles Aznavour cantando She. Sentei num dos banco típico. Tomei café com Brownie. E entrei na livraria do filme esperando encontrar Hugh Grant...

Seguimos para desbravar Shoreditch, o bairro descolado da cidade. Nova área revitalizada. Grafites. Bansky pelas paredes. Chuva. Mind the Gap. Comprei o cartão Oyster para poder rodar nos undergrounds. Viajar é para os fortes. Léguas de andanças. Muitas escadas para ir num Roof Terrace (levada pela minha sobrinha Natália), – baladas de sábado à tarde! Domingo foi em Brick Lane. Chove Chuva, mas mesmo assim, mercados de comida, vestidos e flores.

Oxford Street é decadente? Talvez. Para mim, ver os Double-decks é uma volta aqueles livros da língua Inglesa. Uma cena de cartão postal. Assim como Carnaby Street, a loja Liberty, Totterham Court Road (estação que serviu de abrigo nos tempos da Guerra), Regent Street. Passear pelas lojas, entrar e sair pelas grandes Department Stores.

Em Covent Garden gosto de tomar um chá. Ouvir os artistas de rua. Comprar cartões, souvenirs, ouvir um moço cantando ópera, ir até a Neal´s Yard e ficar embriagada com o cheiros de lavanda, lima da Pérsia, hortelã e bergamota. As cores daquela esquina, me lembram da exuberância de Frida Khalo: vermelho, verde e roxo! Todos se sentam na pracinha para contemplar o exagero daquela encruzilhada perdida naqueles tons de cinza da cidade. Na esquina do tube station, os motoristas do tuk tuk sorriem. Mais flores lhe dão as boas vindas à esse mercado que um dia já foi para cavalos. A Crabtree & Evelyn me convida para aromas de abacate e laranja. Não resisto. E aquele moço de smoking e chapéu coco, me vende uma bolsinha vintage feita por ele. Conversamos sobre corte e costura! Logo eu, que não sei dá um ponto. Sem nó!

Uma amiga de infância, Silvia Helena, me convidou para um Gin and T, num outro Roof Terrace com vista para a St. Paul´s Cathedral. E de lá, vi Londres aos meus pés. A felicidade existe ! falou Mrs. Dalloway! Em As Horas!

Da estação de Paddignton segui (como nos filmes), para Cardiff, para encontrar meu refúgio em Penarth (no Vale de Glamorgan, endereço de fadas e duendes), na casa da minha irmã, Teca, que tem cheiro de alfazema e cartões de boas vindas. A cozinha com aromas outros, gulodices (mirtilos e Pavlova; samosas e espinafres frescos; mais Gin and T!). Beleza, placidez, aconchego, palm tree, e um pé de louro no quintal (trouxe umas folhas na mala para por no meu feijão). Até retalhos da calçada de Copacabana tem no seu oitão, quadros de Flávio Tavares e Isa do Amparo, para que ela sinta um pedaço do Brasil iá iá.

A vizinhança? um silêncio só! Fazia frio, galhos secos de fim de inverno. Lojas de caridade, Café Number One! cheio de poemas de Eliot e Byron. Uma Senhor lê o jornal e toma seu chá. O Brasil pegando fogo com notícias tristes e eu, tão longe, vendo aspargos frescos, soldadinhos de chumbo e ruas de Oliver Twist. Flanando por essas ruas de casas com bay windows. Tudo tão plácido! Lixo reciclado. Pessoas que falam baixo. Lampiões acesos em plena luz do dia e um sol fraco que não esquentava. Tinha a sensação que estava morando ali, tamanha era a distancia da minha casa.

Cenas da natureza tem o poder de nos sugerir certos valores – os carvalhos, dignidade; os pinheiros, resolução; os lagos, calma – e, de maneira discreta, podem agir como inspirações de virtude. ( pensamentos de William Wordsworth em A Arte de Viajar, Alain de Botton).

Fiz passeios por Cowbridge, Ogmore-by-Sea e Southerndown, ali eu era a Filha de Ryan ou A mulher do Tenente Francês. Thatched houses, ruínas castelos, penhascos, daisies, daffodils, ventos, névoas, brumas, céus, seixos, gaivotas, hills, horizontes infinitos, mares gelados e uma sombra marrom do lado de lá – a Inglaterra !.Ovelhas no countryside, e, aos sons cortantes das gaivotas, me reportava para outros tempos.

Viajamos pela região de Cotswolds, (cenário do filme O amor não tira férias , 2006, com Jude Law e Kate Winslet). Cidadesinhas medievais; um mercado do ano de 1.100. Uma cottage chamada de Horse and Groom, com lareira e paredes centenárias . Lugarejos com nomes compostos: Bourton-on-the-Water, Stow-on-the-Wold, Burford, Moreton Marsh, Chipping Camden…. Riachos, ruelas, recreios! Não sabia mais para onde focar a beleza. Nenhuma máquina seria capaz de captar as lojinhas, as ovelhas, os trecos nas portas das casas, os casais fazendo trecking pelas trilhas, as tea houses. E tantas outras belezas e iguarias. Pensei em Harry Porter ou nas histórias de Jane Austen. Os recantos Britânicos são indescritíveis. Os verdes, os cinzas, e os horizontes perdidos nas estradinhas fora dos circuitos das motor ways.

Pensei no filme Thelma & Louise, Teca e eu, naquele seu carrinho branco e preto, livres por entre as lanes, as off roads, por entre as florzinhas amarelas dos campos de canola....uma felicidade. Sem tempo , mas com direção. E sem a violência do filme, claro! Voltaríamos logo para casa. O pub nos esperava. E quem sabe outras aventuras, espantos e diários.

Viajar é bom. Voltar também. Registrar, re-contar, e fazer diários, para mim. Somente.


Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura e escritora.

Sempre fui apaixonada por Londres. Por ter estudado Inglês desde sempre; por adorar os Beatles; Outras tantas referências dos anos 70. Já ...



Sempre fui apaixonada por Londres. Por ter estudado Inglês desde sempre; por adorar os Beatles; Outras tantas referências dos anos 70. Já fui lá algumas tantas vezes, continuo apaixonada, tenho irmã que mora no País de Gales há mais de 30 anos e agora dois sobrinhos morando e trabalhando em Londres. Fora alguns amigos, poucos. Mas bons.

O meu sonho? sempre foi morar em Londres algum momento da vida. Mas a vida toma rumos por vezes fora do nosso controle e o máximo que consegui foi morar um ano na University of Warwick. Foi tudo tão intenso que, vivi tudo que sonhava: estudar, fazer amigos, bibliotecas e livrarias e principalmente as estações do ano e o countryside Britânico, que amo de paixão.

Agora, com o Brexit, chorei ao acompanhar essa vitória nacionalista que vai de encontro a tudo que é moderno e sem fronteiras dos mundos de hoje. E eu que ainda tinha planos de passar tempos da 3a idade por lá! Agora nem a passeio, com a Libra a quase 6 reais, ficou difícil.

Acho que em outras vidas, morei numa daquelas cottagesinhas, em Cotswolds ou na Cornualha! Tomando G&T, ou chá de bergamota com muffins...

O livro "A ridícula ideia de nunca mais te ver" - de Rosa Montero, escritora espanhola que adoro (A Louca da Casa), sentiu que a h...


O livro "A ridícula ideia de nunca mais te ver" - de Rosa Montero, escritora espanhola que adoro (A Louca da Casa), sentiu que a história de Marie Curie dialogava com a sua própria. Livro a respeito também da morte, mas sobretudo dos laços que nos unem ao extremo da vida.

Acrescentei a minha vida também a essas belas e originais histórias de mulheres sábias e poderosas. E que, antes e dolorosamente, também perderam seus maridos, sofreram, falaram sobre isso, e seguiram.

Sim, é preciso fazer algo com a morte. É preciso fazer algo com os mortos. Depositar flores. Falar com eles. Dizer que você os ama e que sempre os amou…

Gritar para o mundo. Escrever num livro… "que pena ter esquecido que você podia morrer, que eu podia te perder". Se tivesse essa consciência, eu teria te amado não mais, mas melhor.....

O luto é algo estranho… Mesmo que o tempo passe, a dor da perda, nos momentos em que surge, continua parecendo igualmente intensa. A dor é disparada com menos frequência e você pode lembrar seu morto sem sofrer. Mas quando a tristeza surge, e você não sabe muito bem por que surge, é a mesma dilaceração, a mesma brasa…

Quem sabe com o tempo a mordida amenize, ou não. Isso é algo de que ninguém fala; talvez seja um daqueles segredos que todos guardamos…

Talvez nós, viúvos, nos sintamos estranhos ou péssimos viúvos por continuarmos sentindo a mesma dor aguda depois de tanto tempo. Talvez tenhamos vergonha e pensemos que não soubemos nos "recuperar".

Mas já vou dizendo que não existe recuperação: não é possível voltar a ser quem você era. Existe a reinvenção, e não é algo ruim. Com sorte, pode ser que consiga se reinventar melhor do que antes.

Afinal de contas, agora você sabe mais…