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Recordar: Do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração . (Eduardo Galeano) Nunca que se imaginou em viver sem abraços! Em tempos d...

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Recordar: Do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração.
(Eduardo Galeano)

Nunca que se imaginou em viver sem abraços! Em tempos de Pandemia, a distância de dois metros é o que dita a regra da saúde e da sobrevivência. Como se não bastasse o medo, a aflição, a tristeza, o tédio, a ansiedade, não temos o abraço. Principalmente aquele que acolhe e que acalma.

Nos mais de 20 anos que escrevo sobre e para as mulheres, foram tantos assuntos! Opressão feminina, domesticidade, invisibilidade das mulh...

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Nos mais de 20 anos que escrevo sobre e para as mulheres, foram tantos assuntos! Opressão feminina, domesticidade, invisibilidade das mulheres. Solidão feminina. Construção de identidades e problemas de gênero. As solteiras, as casadas, as separadas, as viúvas e todas, ou quase todas, as suas circunstâncias. Vida sexual, conquistas e tabus enfrentados. Meninas x Meninos! Menstruação e menopausa, e suas curvas de cólicas e insônias.

Mas é preciso ter força É preciso ter raça É preciso ter gana sempre Quem traz no corpo a marca Maria, Maria Mistura a dor e a alegria Ma...

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Mas é preciso ter força É preciso ter raça É preciso ter gana sempre Quem traz no corpo a marca Maria, Maria Mistura a dor e a alegria
Maria, Maria, M. Nascimento / F. Brant

Num dos sábados de carnaval de alguns anos atrás, no bloco Raparigas de Chico (Sebo Cultural), em meio a mulheres no palco que cantavam as delícias do nosso Chico Buarque, e outras tantas que, fantasiadas, dançavam no salão, eis que vi Maria.

Fantasiada de alegria dela mesma, Maria estava toda pintada e deixava o corpo nu. Pulava, cantava, com espontaneidade e alegria e força e poder, não muito comum de se ver. Quando ouço música, essa alegria e esse poder também me inundam, principalmente no Carnaval.

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Por mais expostas que as mulheres possam aparecer, a exposição genuina é rara. O que vejo comumente? Muitas vezes uma alegria estudada, uma fantasia comportada, uma cachaça contida. A cena me comoveu. Maria destoava de tudo e de todas. Com o seu ar aborígene tabajara, ela explodia. Maria Maria! A expressão que Milton Nascimento cantou e se tornou hino de uma geração de mulheres que lutavam por seus direitos. Maria Mulher! Cunhã! Do dia 8! Do mês de Março!

Emocionada com a dança de Maria, imediatamente me lembrei do livro Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés , minha bíblia dos anos 90, que tanto me elucidou e apaziguou diante de questões existenciais. Na introdução das suas análises de mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem, a autora pergunta: “O que é a Mulher Selvagem?”. E analisa:

“Do ponto de vista da psicologia arquetípica, bem como pela tradição das contadoras de histórias, ela é a alma feminina. No entanto, ela é a origem do feminino... Ela é a força da vida-morte-vida; é a incubadora... é a vidência... fluentes no linguajar dos sonhos... Ela sussurra os sonhos noturnos; ela deixa em seu rastro no terreno da alma da mulher um pêlo grosseiro e pegadas lamacentas. Esses sinais enchem as mulheres de vontade de encontrá-la, libertá-la e amá-la... Ela é ideias, sentimentos, impulsos e recordações. Ela ficou perdida e esquecida por muito tempo... Ela é o cheiro da lama boa e a perna traseira da raposa... Ela é quem se enfurece diante da injustiça. Ela é a que gira como uma roda enorme. É a criadora de ciclos. ELA É A RAIZ ESTRUMADA DE TODAS AS MULHERES”.

Maria, dançante e emplumada de colares coloridos, era a representação dessa mulher estrumada!

Conheci Maria nos anos 70. Ao lado de seu hoje ex-marido, o professor Paulo Adisse, Maria fundou a Oficina Azul em Miramar, onde construiu sua família de filhos. A Oficina era um lugar de vanguarda. Abriu portas para outros que vieram depois, como o Parahyba Café, Felipéia e a Casa FurtaCor. Mas, diferente desses outros, era um local transgressor, porque a época assim pedia. Eram os tempos da ditadura e abertura política. Estávamos todas desgrenhadas e de sovacos cabeludos.
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Lá, havia moda, bebida, happenings, danças e toda uma ebulição inquietante de frequentadores, professores universitários e funcionários. Muita doidera, muita paz e amor, mas muita política dos costumes também. Um encontro azul, de liberdades e irreverências.

Anos depois, Maria abriu o Restaurante Oca (Av. Almirante Barroso) com toda a sua mentalidade orgânica, vegetariana etc. À época, o estabelecimento não tinha ainda o status de hoje desfruta. Adorava almoçar lá quando ia fazer compras na Mesbla. Aos poucos, os funcionários caretas e conservadores das instituições ao redor — advogados e gente mais bem comportada — descobriram os sabores das bardanas e das raízes da vida. Bela Gil nem tinha nascido. Comer gergelim era preciso!

Maria se chamava Elza. De caminho em caminho, adotou o Maria. Confesso que tive e tenho dificuldades até hoje, tamanha a força do seu nome, da sua pessoa. Não sou nem nunca fui tão próxima de sua vida. Mas sempre tive muito afeto nos abraços que nos enroscamos vida afora. Admiro-a. Pela simplicidade. Pelo seu comprometimento com a vida, talvez pelo contrário do que Pinkola Estés classifica: “A mulher moderna é um borrão de atividade”. Maria trabalha duramente, mas sem borrão. É folha inteira e branca que com sua arte do existir e do fazer vai colorindo os seus parágrafos.

Comprei muito das suas roupas alternativas. Já trocamos de roupa. De pele. Quem sabe! Gersal fresco e salgadinho... também comprava. Maria foi pro mato. Voltou. Dançou a dança da chuva. Do fogo. É uma deusa. Uma mulher poderosa. Assim como os lobos, ela “tem percepção aguçada, espírito brincalhão e uma elevada capacidade para a devoção. Os lobos e as mulheres são gregários por natureza, curiosos, dotados de grande resistência e força.
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São profundamente intuitivos e têm grande preocupação para com seus filhotes, seu parceiro e sua matilha”.

Nesse carnaval de tantas mulheres nuas e bombadas e empenadas/empanadas, ver uma mulher magra, seios à mostra, corpo de quem já tem a vida tatuada nos vincos e cabelos brancos, despertou-me a dimensão — que sempre tive e tenho — sobre o poder de um corpo que não cai! Isso só embelezou ainda mais o meu pensamento e minha certeza, se é que tenho alguma nessa vida. Tombar? Tombei!

Certa vez, nos anos 80, numa Maratona de Biodança com o mestre Rolando Toro — de quem fui aluna durante alguns anos — fizemos um exercício de identidade que era assim: todos numa roda, seminus, gente de todos os tipos e formas e idades, íamos ao meio do círculo dizer o nosso nome. Na época, uma colega de mais de 50 anos (eu tinha uns 30), com os peitos bem caídos (que qualquer mulher ligada à beleza institucionalizada esconderia entre mil corpetes), o corpo bem marcado pelos anos, foi lá na frente, a passos largos e seguros, e disse de alto e bom tom: “Meu nome é Alicia!”

Fiquei tão emocionada com a força que chorei! Se já tinha uma convicção sobre beleza feminina, corpo, tempo etc (e eu era magra e jovem) saí desse exercício sentindo o poder que a vida nos dá. Também fui na roda dizer meu nome. E nunca me senti tão poderosa com meu corpo magro, seios pequenos e um viço todo meu. O grito visceral, um grito da identidade of our own, não passava somente pelas des-formas, mas avançava pelas profundezas do nosso ser sem fim. Aqueles peitos volumosos e caídos e lindos não me saíram da cabeça e nunca mais me deixaram embarcar na mercadoria do silicone do dia. Somos quem somos, com nossas rugas, marcas e circunstâncias! E nosso Poder.

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Pois os seios de Alicia, caídos, ou os de Maria, pintados, soltos e dançantes, me trouxeram à tona essa força guerreira das mulheres, que a nossa sociedade de consumo urge em destruir, nos empurrando de goela abaixo padrões magros, empinados e fabricados e falsos e mortos!

A imagem de Maria naquele carnaval me alimentou a alma e me fez celebrar minhas perguntas, minhas histórias e minha expansão. Com ela, continuo a homenagear as mulheres neste mês de março. A imagem da “mulher que mora no final do tempo" ou de “mulher que mora no fim do mundo... ela é amiga e mãe de todas as que se perderam, de todas as que precisam aprender, de todas as que têm um enigma para resolver, de todas as que estão lá fora na floresta ou no deserto, vagando e procurando”. E de onde bradamos — Nenhuma a menos!
NOTA DA AUTORA: As citações contidas no texto são do livro Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés

E viva a todas as mulheres! Hoje, ontem e todo dia. Àquelas que estão nascendo hoje — seja na maternidade, seja no desabrochar de suas des...

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E viva a todas as mulheres! Hoje, ontem e todo dia. Àquelas que estão nascendo hoje — seja na maternidade, seja no desabrochar de suas descobertas. As que hoje morrem no corpo físico e também na desesperança;

Conquanto o desejemos, podemos viver sem a felicidade. Esperamos para conquistá-la. Se a felicidade não vem, a esperança se prolonga e o c...

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Conquanto o desejemos, podemos viver sem a felicidade. Esperamos para conquistá-la. Se a felicidade não vem, a esperança se prolonga e o charme da ilusão dura o mesmo tempo que a paixão que a causa. Assim, esse estado basta a si mesmo e a inquietude que ele traz é uma espécie de alegria que suplanta a realidade, talvez melhorando-a. Pena de quem não tem nada a desejar. Ele perde tudo aquilo que possui. Gostamos menos daquilo que obtemos do que daquilo que desejamos e ficamos felizes antes de realmente nos tornarmos.
Jean Jacques Rousseau

Nas estórias em quadrinhos há sempre essa dupla e suas peculiaridades. Um que corre léguas e é sabido pra chuchu; o outro anda devagar e s...

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Nas estórias em quadrinhos há sempre essa dupla e suas peculiaridades. Um que corre léguas e é sabido pra chuchu; o outro anda devagar e sempre é cascudo e sagaz. Mas na vida nem sempre é assim. Com os humanos, vejo sempre ao meu redor dois grupos de pessoas.

“Quem não gosta caia fora, escolha os livros que vão para a casa de campo ou para a ilha deserta. Com Carnaval não se brinca. Quem gosta ...

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“Quem não gosta caia fora, escolha os livros que vão para a casa de campo ou para a ilha deserta. Com Carnaval não se brinca. Quem gosta já escolheu fantasia, escola para desfilar, ligou para os amigos do bloco, já sabe de cor o samba-enredo. Quem gosta nasceu assim, nem desgosto vai mudar."
Rosiska Darcy de Oliveira, "Carnavalescas", em A natureza do escorpião

Para Claude, minha irmã querida e companheira de viagem! Foi tudo muito rápido. E, quando nos demos conta, minha irmã Claude e eu e...

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Para Claude, minha irmã querida e companheira de viagem!

Foi tudo muito rápido. E, quando nos demos conta, minha irmã Claude e eu estávamos no voo de inauguração João Pessoa— Buenos Aires, da Gol, que abria, assim, um canal de comunicação do turismo entre as duas cidades. À época, batemos palmas para o Governo do Estado e para a PBTur, na pessoa exultante de Ruth Avelino. Lá fomos nós, inaugurando os céus. Um luxo! Para quem, há longo tempo,

Assisti, por esses dias, a um documentário sobre essa famosa peça de ir à praia: o biquíni. Não foi a primeira vez que vi a história desse...

Assisti, por esses dias, a um documentário sobre essa famosa peça de ir à praia: o biquíni. Não foi a primeira vez que vi a história desses dois pedaços de pano que as mulheres vestem nas areias.

Recordações, para Lucas e Daniel Ô menino, vá já guardar suas roupas! Será possível?! E esses brinquedos espalhados pelo chão... d...

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Recordações, para Lucas e Daniel

Ô menino, vá já guardar suas roupas! Será possível?!
E esses brinquedos espalhados pelo chão... de quem são? Hoje é dia de mandar a roupa pra lavar — custa botar no cesto? Cuecas aqui, toalhas acolá... Custa tirar o prato da mesa? Custa tirar o sapato sujo antes de entrar em casa?

Há alguns anos, tive contato com um livro que me fascinou: "O lugar do escritor", de Eder Chiodetto (ed. Cosac Naify, 2002). Um ...

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Há alguns anos, tive contato com um livro que me fascinou: "O lugar do escritor", de Eder Chiodetto (ed. Cosac Naify, 2002). Um livro de arte, com fotos lindas, sobre as casas de escritores, suas ideias e, principalmente, sobre o lugar de sua produção literária e o processo da escrita. Nele, Adélia Prado, revela:

Minha mãe nasceu em Itabuna , Bahia. E desde então a Bahia faz parte da minha vida. Daquela cidade cacaueira saiu a belíssima e exótica Mi...

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Minha mãe nasceu em Itabuna, Bahia. E desde então a Bahia faz parte da minha vida. Daquela cidade cacaueira saiu a belíssima e exótica Miss Brasil 1962, Maria Olívia Rebouças, prima minha.

Apenas nos nascimentos e nas mortes é que saímos do tempo. A terra detém sua rotação, e as trivialidades em que desperdiçamos as horas cae...

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Apenas nos nascimentos e nas mortes é que saímos do tempo. A terra detém sua rotação, e as trivialidades em que desperdiçamos as horas caem no chão feito purpurina. Quando uma criança nasce ou uma pessoa morre, o presente se parte ao meio e nos permite espiar por um instante pela fresta da verdade – monumental, ardente e impassível. Nunca nos sentimos tão autênticos quanto ao beirarmos essas fronteiras biológicas: temos a clara consciência de estarmos vivendo algo grandioso.

Vou continuar, é exatamente da minha natureza nunca me sentir ridícula, eu me aventuro sempre, entro em todos os palcos. Clarice Lispect...

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Vou continuar, é exatamente da minha natureza nunca me sentir ridícula, eu me aventuro sempre, entro em todos os palcos.
Clarice Lispector

Os textos que Clarice Lispector escrevia em jornais na década de 60, entre eles o “Correio Feminino”, chegaram à TV Globo há alguns anos.

Conheci Flávio Tavares adolescente, e começamos a namorar quando eu tinha 15 anos, já no primeiro olhar, e nos casamos, eu com 19 e ele c...

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Conheci Flávio Tavares adolescente, e começamos a namorar quando eu tinha 15 anos, já no primeiro olhar, e nos casamos, eu com 19 e ele com 23. Duas crianças. Ficava encantada ao vê-lo pintar. Surgir as cores, formas, vida. Durante 10 anos, acompanhei essa experiência sensorial/gestual/orgânica de outra pessoa. Ainda em formação da minha própria identidade intelectual, eu absorvia as coisas da imaginação, tinha espasmos de felicidade ao ver uma tela surgir e sofria ao vê-lo criar ou não criar, mergulhar no seu trabalho. Ele, muito jovem e com muitas inquietações sobre o desenho, a pintura, sua identidade, suas crises de criação, tão normais a quem vive nessa e dessa vertigem. Até hoje sou plugada nesse processo seja de qual arte for.

Na adolescência, ouvia meu pai contar que a filha de Mário Rosas, Gerusa Rosas (mais tarde minha guru do shiatsu), havia partido de navio ...

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Na adolescência, ouvia meu pai contar que a filha de Mário Rosas, Gerusa Rosas (mais tarde minha guru do shiatsu), havia partido de navio para a Tchecoslováquia *, em busca do Comunismo. Eram os tempos sombrios em que "comunista gostava de criancinhas". Fiquei impressionada com o sonho “estranho” daquela mulher desconhecida que, por muito tempo, povoou meu imaginário.

Anos depois, assisti ao filme "A insustentável Leveza do Ser" (1988), adaptação do romance homônimo do escritor tcheco-francês Milan Kundera e, mais uma vez, senti-me encantada pelo cenário de uma cidade de nome Praga. Pois bem, um dia chegou minha vez de visitar o local, por quatro dias. Não vivenciei a "primavera de Praga", pois a estação era outra: o verão.

Já nascemos com esse medo: o da finitude. E passamos a vida a escamotear o tema; fugindo dela. Talvez estejamos fugindo da vida também?...

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Já nascemos com esse medo: o da finitude. E passamos a vida a escamotear o tema; fugindo dela. Talvez estejamos fugindo da vida também? Talvez. Só sei que por volta dos 10 anos vivi minha primeira experiência da perda. O grande medo, o da perda da mãe quando criança. Morria a mãe de uma amiga de colégio — Tereza, hoje Saldanha. Chorei como se fosse a minha, que gracias a la vida ainda vive, com mais de 90. A partir daí sempre soube que "ela" existia.

Durante esta campanha eleitoral tenho dito: nem todo mundo é Patrícia Pilar. Refiro-me à sua disponibilidade de se entregar à campanha do ...

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Durante esta campanha eleitoral tenho dito: nem todo mundo é Patrícia Pilar. Refiro-me à sua disponibilidade de se entregar à campanha do marido com unhas e dentes, como o fez na campanha do seu então marido, Ciro Gomes. Admirável! E palmas para ela.

“Escavação e transmutação são ingredientes fundamentais da minha produção e se fundem a interesses por temas como corpo, passado, memória...

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“Escavação e transmutação são ingredientes fundamentais da minha produção e se fundem a interesses por temas como corpo, passado, memória, saudade, morte, relação público-privado e oprimido-opressor... Cada obra resgatada assume aqui a tarefa de complementar outra para compor um corpo só, um arquivo quimérico ou uma corda do tempo feita de fios de várias idades e diferentes matérias.”
José Rufino

Há dois anos, José Rufino, artista plástico paraibano, escritor, professor de Artes da UFPB e UFPE, autor do livro "Afagos" — ou geólogo, paleontólogo, jardineiro — ou artista simplesmente, e tantas outras coisas —, participou da 5ª edição dos Debates Psicanalíticos "Arte e Trauma". Fui assistir-lhe e sou grata por ter mergulhado nessa noite do saber.

Rufino, professor que é, preparou uma palestra irretocável e eloquente sobre o mistério da criação, sobre a linguagem, enfocando o seu próprio processo criativo. Para tanto, mergulhou em assuntos diversos, como o papel do artista pesquisador, sua família, infância, estudos, formação, interesses, vida em Recife, referências a outros artistas, vida política dos familiares, mágoas, tabus, rastros, engenhos, pegadas, eurekas e epifanias. Concluiu a exposição com o seu trabalho sobre os Desaparecidos Políticos, acreditando ele que isto remeteria ao passado, quando, na verdade, infeliz e ironicamente, seria falar do presente.

“O artista trabalha para a linguagem, para estabelecer paradigmas!”. Com slides, percorremos as artes rupestres, Stonehenge, paisagens bíblicas, até chegarmos em Van Gogh, Antônio Dias, a fotografia, o cinema e outras artes contemporâneas que não mais desejam representar a realidade, mas um conjunto de novas experiências/fragmentos e relações... no lugar da obra em si. O artista e o coletivo: o ateliê, o crítico, o mercado (que agora terá que entender, provocar e se adaptar) e toda a cadeia, a visão sistêmica do criador x observador, que se contrapõe ao artista isolado.

Logo foi exibida "A Fonte", de Duchamp, transgredindo todos os conceitos... até hoje! O deslocamento do objeto, do olhar, do óbvio para a sensualidade de um outro corpo. Uma bicicleta que gira fora de um guidão, mas agora num busto. O busto do desvio. Uma coisa que é outra coisa, e mais um monte de ressignificados.

E Rufino lançou o susto: “A criação artística é livre?”. Como formular isso tendo em vista a tradição e a ruptura?. A questão da autoria; a pulsão da criação é livre? — “A ideia torna-se uma máquina de fazer arte” — citou Sol LeWitt. "Será que a Arte perdeu a sua capacidade de criar? Provocar?" — instigou o palestrante.

O artista quer ser revolucionário. Mas também quer ser assimilado. Eis a questão! Essa revolução vai ampliar o simbólico e o mercado vai à reboque. Exemplos como o Projeto Coca-Cola de Cildo Meireles, a calça Jeans e o caminho que percorreu (desde os operários americanos até os dias de vitrine de hoje) ilustram algumas das ideias discutidas.

A artista/performer feminista cubana Ana Mendieta unia seu corpo com a terra para tornar-se uma extensão da natureza. Rufino utiliza a "criação e a cura", o "eu lírico", o "poético" para falar de assunto que sangra. Frida Kahlo utilizou o corpo para falar das suas dores. E seguimos interessados naquele caminho sem fôlego.

Enquanto o artista falava das cartas familiares e todo o seu trabalho ruminante de escavações literárias/simbólicas/poéticas, fiquei a pensar na instalação "Intolerância" de Siron Franco, que visitara em São Paulo, alguns anos antes, trabalho que me marcou muito. Aconteceu no Memorial da Liberdade (antigas salas do DOI-CODI). Uma amiga — que viveu os tempos da ditadura em São Paulo, tendo sido presa e torturada — ficou incomodada com o título. “Como tortura é intolerância? Isso é minimizar! Intolerância é algo menor do que se viveu nas galerias desse lugar sangrento” – exclamava ela com todas as suas razões. Hoje, olhando em perspectiva, até acho forte o termo "intolerância", pois é nele que tudo se inicia.

Fiquei transtornada ao me deparar com uma montanha de sapatos des-encontrados. Gastos. Maltrapilhos. E mais uma outra de bonecos do tamanho de gente, vestidos como se gente fossem. Os "corpos" amontoados, jogados em valas, tenebrosos. Quase tive ânsias, de tão fortes esses corpos me pareciam; esgotados e no mais sub-humano que os humanos podem estar; subjugados por seus algozes. "Tortura Nunca Mais!" — pensei naquele momento. Hoje, esse slogan se perde nas fake news! Um horror que se anuncia sorrateira e agressivamente.

Rufino seguia a falar dos seus métodos, processos, persistências, listas, arquivos, desafios, obras inimigas e riscos. Pensei, então, na complexidade dos seres humanos. Observei o artista inquieto, que trabalha com o passado, com a memória e com o esquecimento, com o corpo e o espírito, a opulência e as faltas. Sua arte já vem nas profundezas das Terra. Uma carta não é mais uma carta! E a arte ressignifica sim.
É uma única forma de se viver a catarse e redimensionar um trauma. No filme Desejo e Reparação (2007), só a literatura salva tanta mentira irreversível quando se tem a morte. A artista francesa Sophie Calle também tomou emprestado uma carta do companheiro que rompia o amor, e criou uma instalação: "Cuide de Você". Exorcizando sua dor em público e assim, quem, sabe, superando-a. Calle, Duchamp, Rufino, assim, refazem dores, fontes, mágoas, lágrimas, rancores, para poderem transcender significados anteriores e lançarem outros olhares e leituras de um fato, de um desejo, da morte e principalmente da vida.

"Plasmatio" foi uma das exposições na Bienal de São Paulo que deu foco à palestra. Recentemente, tivemos a oportunidade de ver uma outra exposição: "Limbo", resultado de um processo de resgate de obras que estavam guardadas, perdidas, esquecidas, desprezadas, inconclusas ou apenas à espera de uma chance para aflorar pelas brechas. É também repleta de caminhos, peças, cronologias e perdições, talvez daquilo que tem nesse espaço suspenso: o limbo de nossa existência.

Em 30 anos de trabalhos fortes, enigmáticos, com rasgos de vida na frente e no verso, percebi que conhecia quase nada daquele artista escavador, tão diverso, perfeccionista e determinado, conforme as minhas impressões. Um pesquisador da alma, dos rastros de sua família, não só da família autobiográfica (que ele se transveste pelo nome do avô (para ter ainda mais legitimidade dessa escavação do passado), mas da família ampla da humanidade. Um pesquisador de um período histórico, como neste tempo em particular, da Ditadura Brasileira.

Rufino encerrou dizendo: ”Artistas são como bola de soprar! Podem estourar!" — Fiquei de olhos bem abertos durante quase três horas ouvindo-o discorrer com tanta propriedade sobre seu trabalho, sobre Arte, sobre História e sobre os enigmas dos processos criativos... dele e de outros.

Aplausos sempre!




Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura, professora e escritora

Em viagem, sou sempre mais seduzida pelos pequenos lugares. Claro que ninguém resiste a uma metrópole, mas um lugarzinho incrustado em alg...

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Em viagem, sou sempre mais seduzida pelos pequenos lugares. Claro que ninguém resiste a uma metrópole, mas um lugarzinho incrustado em alguma curva na beira do rio é sempre tentador, por proporcionar passeios mais lúdicos.

Gostaria de pontuar alguns desses recantos que visitei e me fizeram dormir feliz, imaginando que minha cota de turismo estava plena:

Túnel sob o rio Severn
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Bath
Fomos de trem de Cardiff para Bath. Passada uma hora de viagem, de repente tudo ficou escuro. Percebi que havíamos entrado num túnel. Respirei fundo para não deixar minha claustrofobia me sufocar. Quando olhei para os lados, enxerguei uma parede colada à janela e nada do túnel terminar. Que montanha grande, exclamei! Que montanha que nada! Descobri, em seguida, que havíamos atravessado o imenso estuário do rio Severn, por debaixo d'água. Ai minha claustrofobia! Foram 15 ou 20 minutos de escuridão.

Bath é uma das mais lindas cidades inglesas, toda pincelada por resquícios dos romanos, que lá deixaram maravilhas, como: os Thermae Bath Spas; o Walcot Parade, do período georgiano, com arquitetura imponente e outras relíquias; a Bath Abbey, catedral de estilo gótico; jardins majestosos; a ponte Pulteney, de 1770, que cruza o rio Avon (sim, o mesmo rio de Stratford-Upon-Avon, a cidade de Shakespeare); muitos cafés lotados; lojas de fudges, antiques, cornish bakehouses e ruelas floridas para nos perdermos e nos acharmos a toda hora, como nos orienta o arquiteto Legorreta.

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Bath, Inglaterra Pedro Szekely
Encontrei a loja onde, há 11 anos, tinha comprado cartões de Virginia Woolf, Oscar Wilde, Isadora Duncan em que se lia: "Qualquer mulher inteligente que leia o contrato do casamento, e mesmo assim se casa, merece todas as consequências" (Any intelligent woman who reads the marriage contract, and then goes tinto it, deserves all the consequences). Ainda bem que os tempos mudaram desde as danças sensuais da dama descalça. Desta vez, comprei um cartão menos tenebroso, da musa do cinema do artista Hermano José, Greta Garbo, com a frase: "Será que tem alguma coisa melhor do que almejar por algo que se possa alcançar?" (Is there anything better than to be longing for something, when you know it is within reach?). Pois fiquei feliz em ter alcançado a felicidade desse sonho de um dia de verão.

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Sally Lunn's Eating House NH53
O almoço aconteceu em um café francês, onde trabalhavam três garçons brasileiros que organizam um forró para inglês ver. Fazia um sol frio, com céu azul e uma atmosfera de alegria por aquele dia tão lindo. Mais tarde, tomamos o chá das 5 na casa mais antiga de Bath (1482), o lugar em que é servido o famoso pão de Sally Lunn. Saboreamos a receita de um tempo antes mesmo que Vasco da Gama houvesse descoberto o caminho das Índias. A arquitetura da loja é ponto de visita também, com suas paredes grossas, tetos rebaixados, quinas retorcidas e janelas típicas.

O pão realmente merece a fama, sem falar da geléia, do chá preto fumegante e do prazer de pisar naquele solo de assoalho com som abafado. Senti-me uma Tess of the d'Urbervilles, e cheguei a visualizar uma charrete na porta, e um destino (fate) não aprisionador e estóico, mas um destino como possibilidade de rememorar um passado fantasioso. Fizemos uma visita ao Jane Austen Centre, onde há uma exposição permanente com objetos que contam as experiências da escritora das ironias e das razões & sensibilidades em Bath. Lembrei da minha amiga Genilda e seus estudos sobre essa escritora tão perspicaz da sociedade Vitoriana e das angústias femininas. Fechei os olhos para visualizar as cenas de Emma, Mansfield Park, e Orgulho & Preconceito. No museu, rendas, livros, filmes, e a história dos costumes e dos enredos de Persuasão.

Narberth
cidadezinha que é considerada o coração rural da região de Pembrokeshire, na parte oeste do País de Gales. Ruas estreitas, lojinhas de bijuterias, antiguidades, artcraf, pequenas galerias, loja indiana (tem henna vermelha?), um café bacana, um pub tradicional e uma delicatessen com prateleiras de azeite extra virgem do chão ao teto. A pequenina cidade é conhecida pelo seu talento gourmet. Almocei uma salada deliciosa de queijo de cabra (hum hum!!!). Cabaceiras precisa aprender a receita!

Tenby
Uma praia com a cara da Cornualha, também na região de Pembrokeshire, famosa pelo porto cheio de barcos e suas casas em estilo Georgiano. O domingo estava frio, cinzento, mas, mesmo assim, havia muita gente na rua. Fomos passeando a esmo e demos de cara com uma casinha com uma placa: George Eliot (pseudônimo da escritora Mary Ann Evans) escreveu aqui seu primeiro romance. Uma foto – click! Ventava, e nas fotos estamos todas com o cabelo arrepiado – As garotas dos Morros Uivantes! Provamos crocs (sapato de borracha, tipo alemão/holandês Beirkenstock) de todas as cores, mas saímos de mãos vazias – milagre! Ali perto, uma galeria/papelaria de arte. Cartões dessa paisagem dos filmes ingleses de romance do século XIX. Na volta para casa, um curry "para viagem". Tudo apimentado. Tudo delícia.

Southerndown
Fica na região leste de Gales. Uma praia do patrimônio de Glamorgan, que tem a segunda maior maré do mundo, ou seja uma beira-mar imensa, com suas nervuras na areia, coberta de seixos (pebbles) cinzas aveludados. Trouxe um balde deles para misturar com os objetos de arte popular da minha sala.
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Southerndown, País de Gales Carl Jorgensen
Sempre que eu olhar aquelas pedras macias, vou me sentir novamente A filha de Ryan. A beleza da enseada também se faz pelos penhascos, pelas trilhas e pelas ruínas de castelos. Passear nessa praia, onde já fui outras vezes, proporciona a sensação de esta em um cenário de filme. Cheguei a ver a mulher do tenente francês toda de preto sob uma chuva fina, e com um guarda chuva preto, com seus olhos fixos para o outro lado da margem, à espera de um amor que nunca chegava. Almoçamos num pub antigo, daqueles com o telhado de palha (thatched cottage), onde me deliciei com um típico sanduíche de bacon crocante, salsichas da casa, vinho tinto, morangos frescos e um café expresso. No jantar, uma guloseima feita com o carinho de irmã: couscous marroquino com verduras/legumes assados (erva doce, abobrinha, alho poró, mandioquinha). Um rosé gelado e um spounge de laranja. A felicidade até que existe!

Cowbridge
Localizada no Vale de Glamorgan, que parece nome das estórias de Harry Porter... ou talvez das Brumas de Avalon?. Fui a primeira vez nessa linda cidadezinha pitoresca, no sul do País de Gales, há mais de 34 anos. Encantei-me com as lojinhas sofisticadas (comprei uma bolsa de oncinha, antes de virar fashion, com a qual tenho ido às festas, desde casamentos aos desfiles do bloco Cafuçu). Admirei os wine bars e as balaustradas floridas de suas casas tão típicas, tão britânicas. Dessa vez, fomos numa ruela, a mesma de anos atrás, e tirei uma foto no mesmo lugar. Gosto de fazer isso – Repetição com Diferença! Lembro que, em 1975, visitando Londres pela primeira vez, estive na feira de antiguidades de Portobello, em Notting Hill, e lá tirei uma foto com um rapaz deficiente visual, que tocava sanfona. Dez anos mais tarde, por ocasião de uma outra visita, também no domingo, lá estava ele, na mesma esquina, com a mesma sanfona, mas com seus cabelos já brancos e encardidos. Apresentei-me e disse-lhe de onde vinha, e que o conhecia por meio dos meus álbuns de fotografias. Emocionado, ele me abraçou, tirou outra foto e tocou uma música só para mim. Já acreditava em acaso e aí fiquei perplexa com os encontros & desencontros dessa vida das não-coincidências.

Brecon
Um lugarejo escondido nas montanhas (Brecon Beacons) e à beira do rio Usk. No caminho um castelo erguido num penhasco, corredeiras e cheiro de mato. Fomos de carro e, assim, pudemos apreciar a paisagem, com um guia turístico particular, minha irmã Teca, que nos mostrava cada palmo por onde corria nas maratonas de que é adepta. Nesse cenário bucólico, avistei novamente Meryl Streep e seu personagem da Mulher do Tenente Francês, dessa vez, sentada no bosque a desmanchar os cabelos para o personagem de Jeremy Irons, que enlouquecia de desejo, já não sabendo mais distinguir a bruma tênue das fronteiras do que fosse ficção e realidade.

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Brecon Jazz Festival Chris Hodgkins
Acontecia em Brecon, naquele sábado de agosto, o Festival Anual de Jazz, com concertos ao ar livre e em tendas espalhadas na cidade. Uma espécie de FLIP da música. Entrávamos e saíamos das tendas, dançando ou cantarolando, estalando os dedos aqui e ali... Fazia calor, um sol forte, as pessoas animadas com suas canecas de chope e, pelas ruas, como é de praxe, aconteciam shows paralelos e alternativos. Um parque imenso com quiosques de hot-dogs, goulash, comida chinesa, indiana, e pessoas esparramadas em seus piqueniques, ao som de gaitas, de blues ou de uma nota qualquer. De repente um desfile, uma paradam um gingado. Barraquinhas com roupas e acessórios, camisetas do evento e uma outra casa coberta de ramas cor de vinho (seria o outono que já se anunciava?)…

Voltamos à noitinha. Quando chegamos em casa, meu cunhado estava a cantarolar música brasileira, enquanto cozinhava lentilhas com especiarias e servia mais um vinho tinto, com velas na mesa. Acho que o coletor de resíduos deve ter ficado curioso com aquela casa, onde todas as noites havia sempre uma garrafa de vinho seca no portão...

E de vinho em vinho, de palmo em palmo, de esquina em esquina, de chá em chá, de quiche em quiche, de paisagem em paisagem, de susto em susto, de desejo em desejo e de lugares em lugares, naquela noite fui percorrendo meu mapa, minhas (des)orientações e minhas chegadas e partidas.


Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura, professora e escritora