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"Se nossas vidas são dominadas pela busca da felicidade, talvez poucas atividades revelem tanto a respeito da dinâmica desse anseio ...

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"Se nossas vidas são dominadas pela busca da felicidade, talvez poucas atividades revelem tanto a respeito da dinâmica desse anseio — com toda a sua empolgação e seus paradoxos — quanto o ato de viajar. Ainda que de maneira desarticulada, ele expressa um entendimento de como a vida poderia ser fora das limitações do trabalho e da luta pela sobrevivência. Mas raramente se considera que as viagens apresentem problemas filosóficos — ou seja, questões convidando à reflexão além do nível prático. Somos inundados por recomendações sobre os lugares para onde viajar, mas pouco ouvimos sobre como e por que deveríamos ir — embora a arte de viajar pareça evocar naturalmente uma série de questionamentos nem tão simples ou triviais, cuja análise poderia contribuir, de forma modesta, para uma compreensão daquilo que os filósofos gregos chamavam lindamente de eudaimonia, ou desabrochar humano".
Alain de Botton, A Arte de Viajar

Outro dia, conversando com sobrinhos que moraram em Florença por um ano (onde fizeram pós graduação), e ouvindo-os falar de viagem e todas as facilidades de hoje, (alugar carro, blogs turísticos, GPS, Google Maps, reservas antecipadas, etc), fiquei a pensar como era viajar no século passado, antes de se ter a vida digital. E assim do nada, comecei a contar estórias pitorescas e me dei conta de que eu sou um ser em extinção, e naqueles tempos, era louca e aventureira, aliás o mundo, por se lançar nos mapas, sem mapas ou quaisquer senso de orientação, não era para qualquer um, ainda mais uma!

Lembrei de quando fui a primeira vez à Europa, em 1975, para estudar Inglês em Londres. Depois de um mês, fui viajar por Paris, Estrasburgo, Zurique, Berna, Lucerna, Roma, Florença, Barcelona e Lisboa.
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Tudo isso em dois meses de voos, trens, ônibus e sonhos. Como não tínhamos roteiro pré-estabelecido (somente uma passagem aérea bem grossa em papel, travels cheques e um passaporte não válido para Cuba!), tudo era pelo mapa da intuição ou conhecimento prévio de jovens curiosos.

Não possuíamos o savoir faire de viajar, mas na precariedade da experiência, tínhamos muitas malas. Não resisti aos mercados londrinos e me enchi de túnicas indianas de espelhinhos! O companheiro de viagem, de livros de arte e pincéis e tintas e papel couché. Aprendi aí que, não se pode andar com tantas malas! Deixávamos essas benditas no aeroporto e numa malinha fazíamos as mudas para aqueles 5/6 dias nos lugares. Era inverno, então imaginem nesses tempos a aventura o que era vestir pullovers emprestados das primas, casacos que nem sempre estavam na moda, e gorros ridículos! Mas, o conforto era preciso.

Por conta dessa “operação aeroporto”, sempre chegávamos horas antes dos voos para poder trocar as mudas de roupa suja com as limpas. Sim , lavamos roupa na pia do hotel, com sabão de coco que minha mãe cuidadosamente me indicava. Uma vez, queimei um suéter lindo emprestado porque tinha colocado-o para secar no aquecedor do quarto. Cada uma! Pela falta de dinheiro, sempre escolhíamos a hora dos voos em hora de almoço ou jantar... filar a bóia era preciso. Nos voos da Panair!

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Viajar era para os fortes, e a vida toda os governos dificultavam a vida. Nessa viagem mesmo, existia uma lei que nos obrigava a depositar 12.000 Cruzeiros por um ano no banco. E depois disso, com a inflação galopante, perdíamos tudo.

As quantias eram parcas e por isso em Paris, era Crepe Suzette sempre com uma taça de vinho, nada de água ou café… Numa noite extravagante – um prato de frutos do mar com os mariscos saltitantes e uma taça de vinho branco. Éramos pobres e sabíamos!

Chegávamos na cidade, íamos à estação de ônibus (porque era onde havia hotéis mais baratos), fazíamos check-in, e, depois de ter o mapa da cidade, escolhíamos os locais de visita e imaginávamos quantos dias seriam suficientes para aquele programa. Aí vinha a operação mais complicada. Fazer as contas de quanto dinheiro iríamos precisar.
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Em tempos de Libra, Franco Francês, Suiço, Lira, Pesos e Escudos, tínhamos que entender de câmbio para não trocar demais nem de menos, ainda mais com as moedas – gastávamos as restantes no aeroporto, com chocolate, sempre com prejuízo daquelas que teimavam em não comprar nada e viravam souvenir nas gavetas.

O dinheiro era curtíssimo, e comíamos na maioria das vezes nas estações de trem. Lembro que, em Zurique, falávamos bóia dos ferroviários, um PF barato e bom. Só não usávamos os macacões. E quando passeávamos nas Strasses, a contemplar os Trams, a distinção de classe era gritante. Aquele povo chique de casacos de peles, e nós com nossas roupinhas caseiras e disformes. Mas o desejo de conhecer o mundo era tanto, que tudo parecia pouco diante da felicidade de jogar moedas na Fontana de Trevi, sentar nos Boulevards de Paris, ou saborear um éclair pelas ruelas medievais de Estrasburgo. Virávamos os lugares pelo avesso. Museus, praças, livrarias, Mercados das Pulgas (para enlouquecer), um crepe ali, uma taça acolá, uma sopa de cebola, uma oração na Catedral Westminster, um assobio em Roma, um beijo na ponte de Florença. Tudo me dilatava a pupila. Com ou sem moeda local!

Sem mapa, nem planejamento prévio, nos lançávamos no abismo do desconhecido. Na Suiça, subimos até Greendwald, nos Alpes, e por estar vestidos inadequadamente, ficamos cegos diante da luminosidade da neve; não tínhamos conhecimento cultural daquelas cidades e por vezes descartávamos programas importantes; fiquei boquiaberta diante de uma paisagem de inverno em Interlaken – Montanhas nevadas, lagos e pinheiros iguais aos calendários que mamãe pendurava na cozinha.

Em Berna, me senti um brinquedo de filme de Pinóquio; em Lisboa fui ao cabeleireiro e fiz um permanente; em Roma comprei um óculos para me parecer com Sophia Loren ; em Londres um casaco jeans comprido que me dava um ar grunge e alternativo. Nada de Galeria Lafayette; nada de marcas; nada de make up; nada de nada. Quando entrei na Harrod’s em Londres, senti-me amiga da Rainha! E saí por aquelas portas giratórias imaginando uma vida de princesa. Mas a minha terminava logo ali.

Na Ponte de Waterloo, eu olhava para a Torre de Londres e pensava em Ana Bolena. Minhas aulas de História do Lyceu de Tambiá! E de scone em scone eu seguia pelo mundo, sem lenço, sem documento, e sem nenhuma organização maior para me lançar nos espaços alhures e, quem sabe, intuir o tamanho desse mundo.

Entrei em muitas roubadas viajando no século passado. E também em estórias pitorescas: encontrei Paul & Linda McCartney nas calçadas de Bristol; dormi num quarto comunitário para caixeiros viajantes em Cuzco-Peru; meu ônibus engalhou numa ribanceira em Chichicastenango na Guatemala,
e entrei em pânico achando que iria cair das alturas: avistei um ciclone por essas mesmas estradas; tomei vinho Alsaciano em Colmar; peguei metrôs de madrugada em Londres para buscar cunhado (Sérgio Tavares) na estação de Vitória Station, e tive medo de encontrar Jack, o estripador; subi as colinas em Pisa-Peru, e andei de carona na boleia de caminhão junto às Cholitas e aquele francês lindo com um chapéu mais lindo ainda; passei um ano novo nos Alpes Suiços (Goretti & Alain Antille), tomando quentão com pão feito pelos esquiadores que, com suas tochas, anunciavam o ano gelado! Comi marmota, um bichinho peludo que tem pele luxuosa para casacos; dancei muito nas noites Londrinas nos clubbers dos anos 70 e tantas coisitas...; fiquei muda no Sena e diante do Arco do Triunfo; Place de Vosges! Os vitrais da Catedral de Chartres; as rezas das mesquitas em Istambul; o Mar Egeu das Ilhas Gregas e meu topless of my own em Mikonos – Zorba era eu! Com Moussaka e Tzazique na mesa e octopus grelhado; meu espanto nas águas do Bósphorus; minha loucura no Grand Bazaar e todas as granadas e véus – meu saruel de florzinhas! Meu passeio de burro pelas ladeirinhas abissais da Ilha de Ios, Santorini! E suas ruelas brancas e igrejinhas azuis; as cerâmicas eróticas que compramos no México – Puebla, Antígua, pirâmides e um certo anel de ônix e Lápis-lazúli.

A minha bagagem gigante sempre vinha abarrotada de cartões, mapas, souvenirs de tickets e outras lembranças das casas de escritores, quadros famosos, ou música flamenca! Um vidrinho de curry, um chá breakfast , uma matrioska de Praga e o desejo de voltar em tantas cidades divinas e maravilhosas. Cidades que eu não tinha mapa nem direção, somente o olhar, o sentir, o perder pelas ruelas de Veneza e avistar uma gôndola acolá. Anônima Veneziana eu era!

Hoje, quando vejo as viagens, excursões e tantos planejamentos, fico a lembrar, até com uma certa nostalgia, o acaso que era se lançar no mundo. Ficar sem notícias de casa, dos medos de que alguém morresse na minha ausência (e morreram muitos!), do olhar arregalado do meu pai vendo aquela menina que gostava dos países, das línguas e do des-conhecido para além de Goiana.

Ao término da conversa com meus sobrinhos Raphael, Bartyra e Samuel, fiquei viajando nas minhas memórias viajantes. Tantas!

Em 2017 fui a um show do Roberto Carlos. Planejei ir e cheguei a desistir por causa dos preços. No último minuto, incentivada por um fã a...

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Em 2017 fui a um show do Roberto Carlos. Planejei ir e cheguei a desistir por causa dos preços. No último minuto, incentivada por um fã ardoroso, comprei o ingresso. Paguei caro, mas me dei ao desfrute de ver o Rei. Sozinha, pego um Uber e o que está a tocar? Mayara e Maraísa... só para começar a noite.

Tive oportunidade de ver Roberto na minha meninice. Primeiro no Astrea, escalando muros e obrigando a minha mãe (jovem na época) a fazer o mesmo. Até hoje ela relembra: “o que não se faz por uma filha!” Mas sei que adorou a desculpa e ama Roberto Carlos até hoje.
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E quando escuta “Como é grande o meu amor por você”, diz que se lembra dos namorados das quatro filhas...

Todos esses anos, assisto ao programa Especial de Roberto Carlos na TV, em final de ano. Quase um ritual para passar a limpo aquelas músicas que fizeram a trilha da minha adolescência e que até hoje me emocionam. Gosto muito da voz de Roberto e do seu repertório. Claro que sua fase religiosa não é a minha preferida, e muitas outras músicas também não gosto. Admiro muito o tempo que se mantém como Rei, com toda sua legião de fãs que não arredam o pé. Há muitos anos que não compro um CD seu, mas a maioria das suas músicas, vivi, fiquei na fossa, me encantei, namorei e me embalei nos sonhos de uma jovem menina-moça.

Logo no início do show, Roberto nos brinda com Que vá tudo pro inferno. Li nos jornais e no blog do fã e crítico Sílvio Osias, que, devido à sua doença (TOC), ele não cantava essa música; a palavra inferno maltratava-o. Gracias a la vida, fez tratamento e já cantou na TV. Ouvir esse hit que adoro, com arranjos mais que incrementados, me passou o filme. Tinha meus 11 anos, veraneava em Areia Dourada (que chamávamos Praia do Osso), gostava de pensar na vida (sempre fui sonhadora e contemplativa ), quando ouvi essa música pela primeira vez. E desde então que fiquei tocada e tomada. A letra era transgressora. O ritmo também. E eu, uma pré-adolescente que queria mandar tudo pro inferno!
E o meu compact disc realmente furou de tanto que ouvia e dançava pela casa, ou pelo coqueiral lindo daquela casa à beira mar que meu pai comprara, e um dia tive o luxo de veranear.

O show — como já disse Silvio — é impecável. Uma qualidade que supera todo e qualquer desconforto da casa de shows. Um som! Uma qualidade! Uma orquestra de músicos inigualáveis. As cordas, os metais e a voz bela de Roberto. Profissionalismo e respeito para com os fãs. Sem falar das dezenas de rosas jogadas às mulheres enlouquecidas à beira do caminho. Digo do palco! Claro que, se pudesse, meteria a mão naquele seu cabelo e assanhava todo. Mas acho que, com a sua doença da perfeição, aquele cabelo se parece com os cachos lindos ao vento das curvas da estrada de Santos. Tudo se perdoa! Inda mais um cabelo!

Enquanto assistia a "Lady Laura", chorei com saudades de uma mãe perdida no meu inconsciente. Por que que é eu rolo na cama? – sem comentários; Detalhes , "Nós dois", Amada Amante (Ah! Quem um dia já não foi?!), e principalmente Sua estupidez – uma nostalgia for the past! — fiquei com saudades eternas dos meus namorados ou amores pela vida. Alô Alô, pessoal! Lembrei de cada um de vocês, viu!. Dos beijinhos no portão escondido. Dos amassos proibidos. Dos olhares arregalados. Dos arrepios. Dos sonhos eróticos, mas não só. De beijo mais longo. Do mais estrelado. Dos toques. Da iniciação sexual. Dos jambeiros cúmplices/silenciosos da minha casa. Do escondido. Do velado. Do sagrado. E mais ainda do profano! E das pequenas transgressões da menina. E das grandes também.


É por isso que gosto de Roberto, que hoje completa 80 anos de idade! Sua música embalava um tempo da jovem guarda, que era um tempo meu. Assistia a todos os programas de TV. Só depois viria a ser mutante, tropicalista, revolucionária e mulher de Atenas! Comprei minha calça Saint-Tropez, vesti mini-blusa, me rebolei nas matinês do Cabo Branco. E peguei na mão daquele que um dia viria a ser o meu marido. E outras também... às escondidas e às claras. Roberto fala de tudo isso. E com uma melodia que nos transborda de alegrias, saudades, nostalgia e amor.

Naquele show de 2017 fiquei feliz. Muito. Adorei ver os casais jovens dançando. E pensei: “que amor!”, dançar ao som de Roberto, ao vivo. Ao meu lado havia um casal de meia idade (não sei bem o que isso significa...) e quando Roberto cantou seu mais novo sucesso, "Sereia" (trilha da novela A força do querer), a jovem senhora de cabelos brancos agarrou selvagemente seu companheiro e tascou-lhe um beijo na boca. Beijo em pé, como dizemos! Ele carinhosamente abraçou-a e retribuiu, e daí engataram uma dança de rosto bem colado, ardentes e botando o amor em dia. Pensei: “Ai Ai, meu Deus! O amor é mesmo lindo!”. Senti muitas saudades, não somente do meu querido Juca (amor eterno), mas dos outros amores também. De todos. Dos meus antigos namorados. Nem foram tantos! Mas um bocado para o gasto das lembranças queridas e para cantarolar Roberto Carlos e os botões da blusa...

Ainda estou a cantar pelo meio da casa: Chegaste , "Sereias", Esse cara sou eu , Outra vez , Como vai você , Olha , Desabafo , Se você pensa , e Como é grande o meu amor por você . Antes era a minha mãe que chorava, hoje sou eu, com uma saudade grande dos amores da vida, que na verdade é uma saudade de mim mesma, saudade da vida. Saudade do tempo! Roberto nos resgata essa vida, e mais ainda, esse tempo.

Roberto é bárbaro!
Dedicado a Sílvio Osias e Martinho Moreira Franco

Muito antes de ver esse filme ( Sob o Sol da Toscana , 2003), já era fascinada por conhecer a Toscana. Em 1975 fui a Florença pela primeir...

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Muito antes de ver esse filme (Sob o Sol da Toscana, 2003), já era fascinada por conhecer a Toscana. Em 1975 fui a Florença pela primeira vez e em 1987 visitei Siena. Os tons ocres e os ciprestes me encantaram.

Tempos depois, fiz outro pouso em Florença. Saimos de Milão e, em pouco mais de uma hora, estávamos em frente ao Duomo — aquela catedral de mármore verde e branco —, à Santa Maria Del Fiore, ao Palácio Velho, ao Batistério de S. João e ao Campanário de Giotto, que nos deixaram surdos... para não dizer mudos, diante de tamanha beleza. Sem esquecer de um olhar mais atento às Portas do Paraíso, às ruelas, mercados, de comprar uma bolsinha de couro, e de estar em um museu a céu aberto, com a lua cheia sobre o rio Arno e a Ponte Vecchio,

Recordar: Do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração . (Eduardo Galeano) Nunca que se imaginou em viver sem abraços! Em tempos d...

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Recordar: Do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração.
(Eduardo Galeano)

Nunca que se imaginou em viver sem abraços! Em tempos de Pandemia, a distância de dois metros é o que dita a regra da saúde e da sobrevivência. Como se não bastasse o medo, a aflição, a tristeza, o tédio, a ansiedade, não temos o abraço. Principalmente aquele que acolhe e que acalma.

Nos mais de 20 anos que escrevo sobre e para as mulheres, foram tantos assuntos! Opressão feminina, domesticidade, invisibilidade das mulh...

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Nos mais de 20 anos que escrevo sobre e para as mulheres, foram tantos assuntos! Opressão feminina, domesticidade, invisibilidade das mulheres. Solidão feminina. Construção de identidades e problemas de gênero. As solteiras, as casadas, as separadas, as viúvas e todas, ou quase todas, as suas circunstâncias. Vida sexual, conquistas e tabus enfrentados. Meninas x Meninos! Menstruação e menopausa, e suas curvas de cólicas e insônias.

Mas é preciso ter força É preciso ter raça É preciso ter gana sempre Quem traz no corpo a marca Maria, Maria Mistura a dor e a alegria Ma...

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Mas é preciso ter força É preciso ter raça É preciso ter gana sempre Quem traz no corpo a marca Maria, Maria Mistura a dor e a alegria
Maria, Maria, M. Nascimento / F. Brant

Num dos sábados de carnaval de alguns anos atrás, no bloco Raparigas de Chico (Sebo Cultural), em meio a mulheres no palco que cantavam as delícias do nosso Chico Buarque, e outras tantas que, fantasiadas, dançavam no salão, eis que vi Maria.

Fantasiada de alegria dela mesma, Maria estava toda pintada e deixava o corpo nu. Pulava, cantava, com espontaneidade e alegria e força e poder, não muito comum de se ver. Quando ouço música, essa alegria e esse poder também me inundam, principalmente no Carnaval.

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Por mais expostas que as mulheres possam aparecer, a exposição genuina é rara. O que vejo comumente? Muitas vezes uma alegria estudada, uma fantasia comportada, uma cachaça contida. A cena me comoveu. Maria destoava de tudo e de todas. Com o seu ar aborígene tabajara, ela explodia. Maria Maria! A expressão que Milton Nascimento cantou e se tornou hino de uma geração de mulheres que lutavam por seus direitos. Maria Mulher! Cunhã! Do dia 8! Do mês de Março!

Emocionada com a dança de Maria, imediatamente me lembrei do livro Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés , minha bíblia dos anos 90, que tanto me elucidou e apaziguou diante de questões existenciais. Na introdução das suas análises de mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem, a autora pergunta: “O que é a Mulher Selvagem?”. E analisa:

“Do ponto de vista da psicologia arquetípica, bem como pela tradição das contadoras de histórias, ela é a alma feminina. No entanto, ela é a origem do feminino... Ela é a força da vida-morte-vida; é a incubadora... é a vidência... fluentes no linguajar dos sonhos... Ela sussurra os sonhos noturnos; ela deixa em seu rastro no terreno da alma da mulher um pêlo grosseiro e pegadas lamacentas. Esses sinais enchem as mulheres de vontade de encontrá-la, libertá-la e amá-la... Ela é ideias, sentimentos, impulsos e recordações. Ela ficou perdida e esquecida por muito tempo... Ela é o cheiro da lama boa e a perna traseira da raposa... Ela é quem se enfurece diante da injustiça. Ela é a que gira como uma roda enorme. É a criadora de ciclos. ELA É A RAIZ ESTRUMADA DE TODAS AS MULHERES”.

Maria, dançante e emplumada de colares coloridos, era a representação dessa mulher estrumada!

Conheci Maria nos anos 70. Ao lado de seu hoje ex-marido, o professor Paulo Adisse, Maria fundou a Oficina Azul em Miramar, onde construiu sua família de filhos. A Oficina era um lugar de vanguarda. Abriu portas para outros que vieram depois, como o Parahyba Café, Felipéia e a Casa FurtaCor. Mas, diferente desses outros, era um local transgressor, porque a época assim pedia. Eram os tempos da ditadura e abertura política. Estávamos todas desgrenhadas e de sovacos cabeludos.
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Lá, havia moda, bebida, happenings, danças e toda uma ebulição inquietante de frequentadores, professores universitários e funcionários. Muita doidera, muita paz e amor, mas muita política dos costumes também. Um encontro azul, de liberdades e irreverências.

Anos depois, Maria abriu o Restaurante Oca (Av. Almirante Barroso) com toda a sua mentalidade orgânica, vegetariana etc. À época, o estabelecimento não tinha ainda o status de hoje desfruta. Adorava almoçar lá quando ia fazer compras na Mesbla. Aos poucos, os funcionários caretas e conservadores das instituições ao redor — advogados e gente mais bem comportada — descobriram os sabores das bardanas e das raízes da vida. Bela Gil nem tinha nascido. Comer gergelim era preciso!

Maria se chamava Elza. De caminho em caminho, adotou o Maria. Confesso que tive e tenho dificuldades até hoje, tamanha a força do seu nome, da sua pessoa. Não sou nem nunca fui tão próxima de sua vida. Mas sempre tive muito afeto nos abraços que nos enroscamos vida afora. Admiro-a. Pela simplicidade. Pelo seu comprometimento com a vida, talvez pelo contrário do que Pinkola Estés classifica: “A mulher moderna é um borrão de atividade”. Maria trabalha duramente, mas sem borrão. É folha inteira e branca que com sua arte do existir e do fazer vai colorindo os seus parágrafos.

Comprei muito das suas roupas alternativas. Já trocamos de roupa. De pele. Quem sabe! Gersal fresco e salgadinho... também comprava. Maria foi pro mato. Voltou. Dançou a dança da chuva. Do fogo. É uma deusa. Uma mulher poderosa. Assim como os lobos, ela “tem percepção aguçada, espírito brincalhão e uma elevada capacidade para a devoção. Os lobos e as mulheres são gregários por natureza, curiosos, dotados de grande resistência e força.
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São profundamente intuitivos e têm grande preocupação para com seus filhotes, seu parceiro e sua matilha”.

Nesse carnaval de tantas mulheres nuas e bombadas e empenadas/empanadas, ver uma mulher magra, seios à mostra, corpo de quem já tem a vida tatuada nos vincos e cabelos brancos, despertou-me a dimensão — que sempre tive e tenho — sobre o poder de um corpo que não cai! Isso só embelezou ainda mais o meu pensamento e minha certeza, se é que tenho alguma nessa vida. Tombar? Tombei!

Certa vez, nos anos 80, numa Maratona de Biodança com o mestre Rolando Toro — de quem fui aluna durante alguns anos — fizemos um exercício de identidade que era assim: todos numa roda, seminus, gente de todos os tipos e formas e idades, íamos ao meio do círculo dizer o nosso nome. Na época, uma colega de mais de 50 anos (eu tinha uns 30), com os peitos bem caídos (que qualquer mulher ligada à beleza institucionalizada esconderia entre mil corpetes), o corpo bem marcado pelos anos, foi lá na frente, a passos largos e seguros, e disse de alto e bom tom: “Meu nome é Alicia!”

Fiquei tão emocionada com a força que chorei! Se já tinha uma convicção sobre beleza feminina, corpo, tempo etc (e eu era magra e jovem) saí desse exercício sentindo o poder que a vida nos dá. Também fui na roda dizer meu nome. E nunca me senti tão poderosa com meu corpo magro, seios pequenos e um viço todo meu. O grito visceral, um grito da identidade of our own, não passava somente pelas des-formas, mas avançava pelas profundezas do nosso ser sem fim. Aqueles peitos volumosos e caídos e lindos não me saíram da cabeça e nunca mais me deixaram embarcar na mercadoria do silicone do dia. Somos quem somos, com nossas rugas, marcas e circunstâncias! E nosso Poder.

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Pois os seios de Alicia, caídos, ou os de Maria, pintados, soltos e dançantes, me trouxeram à tona essa força guerreira das mulheres, que a nossa sociedade de consumo urge em destruir, nos empurrando de goela abaixo padrões magros, empinados e fabricados e falsos e mortos!

A imagem de Maria naquele carnaval me alimentou a alma e me fez celebrar minhas perguntas, minhas histórias e minha expansão. Com ela, continuo a homenagear as mulheres neste mês de março. A imagem da “mulher que mora no final do tempo" ou de “mulher que mora no fim do mundo... ela é amiga e mãe de todas as que se perderam, de todas as que precisam aprender, de todas as que têm um enigma para resolver, de todas as que estão lá fora na floresta ou no deserto, vagando e procurando”. E de onde bradamos — Nenhuma a menos!
NOTA DA AUTORA: As citações contidas no texto são do livro Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés

E viva a todas as mulheres! Hoje, ontem e todo dia. Àquelas que estão nascendo hoje — seja na maternidade, seja no desabrochar de suas des...

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E viva a todas as mulheres! Hoje, ontem e todo dia. Àquelas que estão nascendo hoje — seja na maternidade, seja no desabrochar de suas descobertas. As que hoje morrem no corpo físico e também na desesperança;

Conquanto o desejemos, podemos viver sem a felicidade. Esperamos para conquistá-la. Se a felicidade não vem, a esperança se prolonga e o c...

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Conquanto o desejemos, podemos viver sem a felicidade. Esperamos para conquistá-la. Se a felicidade não vem, a esperança se prolonga e o charme da ilusão dura o mesmo tempo que a paixão que a causa. Assim, esse estado basta a si mesmo e a inquietude que ele traz é uma espécie de alegria que suplanta a realidade, talvez melhorando-a. Pena de quem não tem nada a desejar. Ele perde tudo aquilo que possui. Gostamos menos daquilo que obtemos do que daquilo que desejamos e ficamos felizes antes de realmente nos tornarmos.
Jean Jacques Rousseau

Nas estórias em quadrinhos há sempre essa dupla e suas peculiaridades. Um que corre léguas e é sabido pra chuchu; o outro anda devagar e s...

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Nas estórias em quadrinhos há sempre essa dupla e suas peculiaridades. Um que corre léguas e é sabido pra chuchu; o outro anda devagar e sempre é cascudo e sagaz. Mas na vida nem sempre é assim. Com os humanos, vejo sempre ao meu redor dois grupos de pessoas.

“Quem não gosta caia fora, escolha os livros que vão para a casa de campo ou para a ilha deserta. Com Carnaval não se brinca. Quem gosta ...

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“Quem não gosta caia fora, escolha os livros que vão para a casa de campo ou para a ilha deserta. Com Carnaval não se brinca. Quem gosta já escolheu fantasia, escola para desfilar, ligou para os amigos do bloco, já sabe de cor o samba-enredo. Quem gosta nasceu assim, nem desgosto vai mudar."
Rosiska Darcy de Oliveira, "Carnavalescas", em A natureza do escorpião

Para Claude, minha irmã querida e companheira de viagem! Foi tudo muito rápido. E, quando nos demos conta, minha irmã Claude e eu e...

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Para Claude, minha irmã querida e companheira de viagem!

Foi tudo muito rápido. E, quando nos demos conta, minha irmã Claude e eu estávamos no voo de inauguração João Pessoa— Buenos Aires, da Gol, que abria, assim, um canal de comunicação do turismo entre as duas cidades. À época, batemos palmas para o Governo do Estado e para a PBTur, na pessoa exultante de Ruth Avelino. Lá fomos nós, inaugurando os céus. Um luxo! Para quem, há longo tempo,

Assisti, por esses dias, a um documentário sobre essa famosa peça de ir à praia: o biquíni. Não foi a primeira vez que vi a história desse...

Assisti, por esses dias, a um documentário sobre essa famosa peça de ir à praia: o biquíni. Não foi a primeira vez que vi a história desses dois pedaços de pano que as mulheres vestem nas areias.

Recordações, para Lucas e Daniel Ô menino, vá já guardar suas roupas! Será possível?! E esses brinquedos espalhados pelo chão... d...

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Recordações, para Lucas e Daniel

Ô menino, vá já guardar suas roupas! Será possível?!
E esses brinquedos espalhados pelo chão... de quem são? Hoje é dia de mandar a roupa pra lavar — custa botar no cesto? Cuecas aqui, toalhas acolá... Custa tirar o prato da mesa? Custa tirar o sapato sujo antes de entrar em casa?

Há alguns anos, tive contato com um livro que me fascinou: "O lugar do escritor", de Eder Chiodetto (ed. Cosac Naify, 2002). Um ...

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Há alguns anos, tive contato com um livro que me fascinou: "O lugar do escritor", de Eder Chiodetto (ed. Cosac Naify, 2002). Um livro de arte, com fotos lindas, sobre as casas de escritores, suas ideias e, principalmente, sobre o lugar de sua produção literária e o processo da escrita. Nele, Adélia Prado, revela:

Minha mãe nasceu em Itabuna , Bahia. E desde então a Bahia faz parte da minha vida. Daquela cidade cacaueira saiu a belíssima e exótica Mi...

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Minha mãe nasceu em Itabuna, Bahia. E desde então a Bahia faz parte da minha vida. Daquela cidade cacaueira saiu a belíssima e exótica Miss Brasil 1962, Maria Olívia Rebouças, prima minha.

Apenas nos nascimentos e nas mortes é que saímos do tempo. A terra detém sua rotação, e as trivialidades em que desperdiçamos as horas cae...

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Apenas nos nascimentos e nas mortes é que saímos do tempo. A terra detém sua rotação, e as trivialidades em que desperdiçamos as horas caem no chão feito purpurina. Quando uma criança nasce ou uma pessoa morre, o presente se parte ao meio e nos permite espiar por um instante pela fresta da verdade – monumental, ardente e impassível. Nunca nos sentimos tão autênticos quanto ao beirarmos essas fronteiras biológicas: temos a clara consciência de estarmos vivendo algo grandioso.

Vou continuar, é exatamente da minha natureza nunca me sentir ridícula, eu me aventuro sempre, entro em todos os palcos. Clarice Lispect...

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Vou continuar, é exatamente da minha natureza nunca me sentir ridícula, eu me aventuro sempre, entro em todos os palcos.
Clarice Lispector

Os textos que Clarice Lispector escrevia em jornais na década de 60, entre eles o “Correio Feminino”, chegaram à TV Globo há alguns anos.

Conheci Flávio Tavares adolescente, e começamos a namorar quando eu tinha 15 anos, já no primeiro olhar, e nos casamos, eu com 19 e ele c...

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Conheci Flávio Tavares adolescente, e começamos a namorar quando eu tinha 15 anos, já no primeiro olhar, e nos casamos, eu com 19 e ele com 23. Duas crianças. Ficava encantada ao vê-lo pintar. Surgir as cores, formas, vida. Durante 10 anos, acompanhei essa experiência sensorial/gestual/orgânica de outra pessoa. Ainda em formação da minha própria identidade intelectual, eu absorvia as coisas da imaginação, tinha espasmos de felicidade ao ver uma tela surgir e sofria ao vê-lo criar ou não criar, mergulhar no seu trabalho. Ele, muito jovem e com muitas inquietações sobre o desenho, a pintura, sua identidade, suas crises de criação, tão normais a quem vive nessa e dessa vertigem. Até hoje sou plugada nesse processo seja de qual arte for.

Na adolescência, ouvia meu pai contar que a filha de Mário Rosas, Gerusa Rosas (mais tarde minha guru do shiatsu), havia partido de navio ...

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Na adolescência, ouvia meu pai contar que a filha de Mário Rosas, Gerusa Rosas (mais tarde minha guru do shiatsu), havia partido de navio para a Tchecoslováquia *, em busca do Comunismo. Eram os tempos sombrios em que "comunista gostava de criancinhas". Fiquei impressionada com o sonho “estranho” daquela mulher desconhecida que, por muito tempo, povoou meu imaginário.

Anos depois, assisti ao filme "A insustentável Leveza do Ser" (1988), adaptação do romance homônimo do escritor tcheco-francês Milan Kundera e, mais uma vez, senti-me encantada pelo cenário de uma cidade de nome Praga. Pois bem, um dia chegou minha vez de visitar o local, por quatro dias. Não vivenciei a "primavera de Praga", pois a estação era outra: o verão.

Já nascemos com esse medo: o da finitude. E passamos a vida a escamotear o tema; fugindo dela. Talvez estejamos fugindo da vida também?...

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Já nascemos com esse medo: o da finitude. E passamos a vida a escamotear o tema; fugindo dela. Talvez estejamos fugindo da vida também? Talvez. Só sei que por volta dos 10 anos vivi minha primeira experiência da perda. O grande medo, o da perda da mãe quando criança. Morria a mãe de uma amiga de colégio — Tereza, hoje Saldanha. Chorei como se fosse a minha, que gracias a la vida ainda vive, com mais de 90. A partir daí sempre soube que "ela" existia.