Mostrando postagens com marcador Chico Viana. Mostrar todas as postagens

Tenho um amigo que é sedentário por natureza e convicção, por isso fiquei surpreso quando o vi, recentemente, fazendo caminhadas perto de ...

ambiente de leitura carlos romero cronica chico viana caminhada saude vaidade grupo encontro exibicionismo
Tenho um amigo que é sedentário por natureza e convicção, por isso fiquei surpreso quando o vi, recentemente, fazendo caminhadas perto de casa. Numa dessas ocasiões conversamos longamente sobre essa compulsão moderna de andar, que vem se incorporando à vida não só do pessoense, ou do brasileiro, mas do homem globalizado. Ele me disse que fazia isso muito pouco e de má vontade. Chegou a ponderar, filosoficamente, que andar não é próprio do ser humano.

Aristóteles foi um dos primeiros a destacar o poder curativo das palavras. Através delas, é possível liberar tensões mentais. O próp...

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana chico viana mitologia tragedia grega literatura autoajuda
Aristóteles foi um dos primeiros a destacar o poder curativo das palavras. Através delas, é possível liberar tensões mentais. O próprio processo de verbalização já constitui um alívio, pois muitas vezes sofremos por não conseguir expressar o que nos atormenta. E quando, falando ou escrevendo, atinamos com o motivo da angústia, às vezes percebemos que ele não é tão grave assim. Não justificava tanto sofrimento.

O estagirita ressaltou a função catártica do verbo. A catarse, termo que ele tomou emprestado à Medicina, decorria do temor e da comiseração que o espectador experimentava ao assistir a uma encenação trágica. Era, como ele chamou, o efeito moral da tragédia. Vendo por exemplo o sofrimento de Édipo, que foi levado pelo destino a matar o pai, o espectador se horrorizava e, ao mesmo tempo, tinha piedade do rei tebano. Obtinha com isso um alívio para seus próprios infortúnios. Cito a tragédia de Sófocles porque nela se representa um padecimento universal. Édipo, conforme luminosamente percebeu Freud, é todo o mundo.

Da tragédia para o que se chama literatura de autoajuda, transcorreram vinte e poucos séculos. Se há alguma coisa de comum entre ambas, é o apelo ao poder que as palavras têm de curar. No mais, distinguem-se tanto quanto um bom suco, feito com fruta natural, se distingue de um refresco industrializado. Na tragédia há personagens que se defrontam com situações-limite e expõem o que há em si de demoníaco e divino. Encurralados pela Falta que cometeram, eles sabem que não lhes resta outra saída a não ser a morte ou a loucura.

Na autoajuda fala-se do indivíduo comum, incapaz de outro heroísmo senão o de sobreviver numa sociedade violenta e desigual como a nossa. Nela os temores são banais e cotidianos, ligados à expectativa de ser assaltado, adoecer, ficar pobre. Sobretudo ficar pobre e ser exilado do paraíso do consumo. E são tantos os frutos a tentar esse Adão moderno! Não apenas a maçã, mas todo um pomar. O paraíso tem até sua serpente, que se chama promoção. Eva é que continua a mesma da versão bíblica.

No caso da tragédia, procede-se a uma dolorosa sangria; no da autoajuda, ministra-se um placebo. Mas em ambos ocorre a intermediação da palavra, que faz uma espécie de ponte entre nossos temores inconscientes e o Logos redentor. Escolhe-se a tragédia ou a autoajuda de acordo com o que se pode suportar, vale dizer, com a coragem de cada um para enfrentar a verdade. Tem gente que se contenta com placebos, e deles hoje o mercado anda cheio.

Sei que há sempre um risco em falar sobre os livros de autoajuda, pois geralmente quem os critica não os lê. O problema é que quem os lê não os critica. Ficam então essas obras numa espécie de limbo, a depender do juízo ressentido dos intelectuais ou da empolgação ingênua dos fanáticos. Tento opinar sem ressentimento, à luz do que pude aprender sobre o ser humano em criações como a tragédia grega.

Segundo os aficionados, há na literatura de autoajuda sabedoria suficiente para garantir confiança nesta vida e esperança na outra (e ninguém precisa de mais do que isso para trabalhar em paz e ganhar o seu dinheiro, que é enfim o que conta). Para que perder tempo com grandes indagações sobre o sentido da existência? Para que cultivar dúvidas sobre o Universo ou a natureza da verdade? Dúvidas não saldam dívidas, e todos precisamos estar com a cabeça fria para bolar estratégias que nos livrem do cheque especial, dos agiotas, das financeiras... Que venham então esses compêndios de narcóticas obviedades.

* (os derradeiros momentos de Augusto dos Anjos) A febre não passava. Vinha com calafrios, tosse, dores nas costas. Bem que não deveria ...

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana chico viana augusto dos anjos encontro com morte poesia funebre tamarindo tema mort
* (os derradeiros momentos de Augusto dos Anjos)

A febre não passava. Vinha com calafrios, tosse, dores nas costas. Bem que não deveria ter comparecido ao enterro de João Lourenço Ferreira de Lacerda. Chovia muito, e ele já estava gripado. Ester o prevenira de que poderia contrair pneumonia ou coisa pior. Ele tinha consciência de que se arriscava, mas não poderia deixar de prestigiar a memória de um patriarca de Leopoldina, cidade que o havia recebido como a um filho. Se não fosse, sentiria remorsos (a velha culpa o espreitava a propósito de tudo!). Soaria como ingratidão, que sempre lhe pareceu o pior dos sentimentos humanos. Fora ao enterro e voltara febril. Nesse estado, também contra os conselhos da mulher, deu aulas à tarde e à noite. Não poderia faltar, pois sempre teve em alta conta o cumprimento do dever. O resultado fora mesmo uma pneumonia, conforme diagnosticou o Dr. Custódio Junqueira, que cuidava dele em companhia de três colegas e do farmacêutico João de Moura.

Esse é o título do livro em que James Geary, editor na Europa da revista Time, faz um abrangente estudo sobre os aforismos. Ele mostra a e...

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana chico viana aforismos james geary o mundo em uma frase poder da frase
Esse é o título do livro em que James Geary, editor na Europa da revista Time, faz um abrangente estudo sobre os aforismos. Ele mostra a evolução desse gênero desde o tempo em que era praticado por sábios e profetas até os dias de hoje.

– Papai, o que é idiossincrasia? – “Índio” o quê? – Não é “índio”, é “idio”. ...

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana chico viana dialogo pai e filho idiossincrasia

– Papai, o que é idiossincrasia?

– “Índio” o quê?

– Não é “índio”, é “idio”.


O pai hesita, pensa um pouco.

– Onde você viu essa palavra?

– Não interessa. Quero saber o que ela quer dizer.

– Aposto que foi na internet, em um desses saites suspeitos. Você está me escondendo alguma coisa...

Na obra de Carlos Drummond de Andrade , melancolia e ironia se alternam ou se confundem, concorrendo para traduzir com desencanto e humor ...

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana chico viana ironia melaconlia carlos drummond de andrade poema jardim da praca da liberdade
Na obra de Carlos Drummond de Andrade, melancolia e ironia se alternam ou se confundem, concorrendo para traduzir com desencanto e humor o percurso existencial do eu lírico. Desde o primeiro livro, "Alguma poesia" (1930), Drummond se utiliza de procedimentos estilísticos em que se destaca o enlace entre a representação melancólica e o contraponto irônico. A própria autoatribuição de

Autor de um livro também intitulado “Eu”, o português Alfredo Pimenta está entre os autores que teriam influenciado Augusto dos Anjos. Con...

ambiente de leitura carlos romero chico viana cronica literatura paraibana brasileira portuguesa augusto dos anjos alfredo pimenta eu estilo sentimentos decadencia morte
Autor de um livro também intitulado “Eu”, o português Alfredo Pimenta está entre os autores que teriam influenciado Augusto dos Anjos. Confrontando o livro do português com o do paraibano, deparamo-nos, de fato, com algumas curiosas coincidências. Mas tanto no espírito, quanto na forma, há uma enorme diferença entre os dois.

Por exemplo: ambos fizeram versos à dor e à mágoa. Mas, enquanto Augusto dos Anjos identifica na mágoa um travo maiúsculo e definitivo, de ressonâncias metafísicas, o qual se constitui em marca da falta (mácula) humana –
Alfredo Pimenta enaltece, preponderantemente, a mágoa na mulher. A mulher que chora (a mulher magoada) aparece em sua lírica como uma imagem de obsessivo apelo emocional.

Assim é que, no primeiro dos sonetos nomeados de “Santificação da mágoa”, ele refere a certa altura:


"Tudo em ti me revela uma tristeza Filha da grande dor da natureza, Bendita e santa irmã da humana dor!” (p. 14).

E, no segundo deles, remata o terceto final com estes versos:


“Que a tua dor, Mulher, seja infinita! Pois quanto mais sofreres, maior serás!”

Em Augusto dos Anjos, a dor merece um hino. É tratada, segundo a perspectiva cristã, como um ganho espiritual e, sobretudo, como um instrumento de ascese, conforme se pode constatar nos versos com que ele inicia o seu “Hino à dor”:

ambiente de leitura carlos romero chico viana cronica literatura paraibana brasileira portuguesa augusto dos anjos alfredo pimenta eu estilo sentimentos decadencia morte

“Dor, saúde dos seres que se fanam, Riqueza da alma, psíquico tesouro, Alegria das glândulas do choro De onde todas as lágrimas emanam...”

E nestes outros, que aparecem pouco adiante:


“E, assim, sem convulsão que me alvoroce, Minha maior ventura é estar de posse De tuas claridades absolutas!”

São comuns aos dois poetas o panteísmo e a representação da Natureza. Ambos fizeram versos à pedra, à montanha, conferindo à superfície dura e inóspita desses elementos um recorte dramático. Confrontemos, quanto a esse aspecto, os versos de cada um deles. Em certa passagem, Alfredo Pimenta se refere à “... maldição que ouvimos/ Sair da boca duma pedra/ Quando com outra às vezes a ferimos!” Se comparamos o dramatismo dessa imagem com a representação que Augusto dos Anjos faz no primeiro dos sonetos “As montanhas”, de novo percebemos a significativa diferença que separa um do outro — quer pelo uso da linguagem, quer pela integração, diríamos, dialética, entre o elemento plástico, exterior, e o componente anímico e subjetivo.

Eis os versos do paraibano:


“Quem não vê nas graníticas entranhas A subjevidade ascensional Paralisada e estrangulada, mal Quis erguer-se a cumíadas tamanhas?! Ah! Nesse anelo trágico de altura Não serão as montanhas, porventura, Estacionadas, íngremes, assim, Por um abortamento de mecânica A representação ainda inorgânica De tudo aquilo que parou em mim?!” (352).

No trecho de Pimenta, o que se tem é a sumária indicação de um conflito, própria somente para figurar o sentimento, ou melhor, o ressentimento que acomete a substância bruta quando agredida. Augusto, por sua vez, alude a um combate que se constitui em leit motiv da sua obra, representado pelas contradições entre instinto e alma, matéria e espírito. Sendo um “abortamento de mecânica”, um resíduo inorgânico, a montanha alegoriza a própria morte como pulsão, que se contrapõe aos anseios eróticos, vitais, e se constitui em sombrio e permanente aceno para o homem.

Há em ambos os poetas o mesmo fundo mórbido, a mesma perplexidade ante a voragem contraditória de sentimentos e conceitos que marcaram o final do século XIX. Tanto Alfredo Pimenta quanto Augusto dos Anjos vivenciaram intensamente esse clima, marcado pela sensação de decadência e pela expectativa de um fim iminente, do qual emergiria uma nova ordem.

ambiente de leitura carlos romero chico viana cronica literatura paraibana brasileira portuguesa augusto dos anjos alfredo pimenta eu estilo sentimentos decadencia morte

Mas cada qual espera ou propõe o novo à sua maneira. Pimenta chega a sonhar com a revolução social, concebida romanticamente; Augusto deseja a redenção espiritual do homem. E se um, a despeito dos ideais progressistas, permanece formalmente preso ao passado — o outro inova em termos formais, utilizando-se de recursos (o coloquialismo, por exemplo) que o incluiriam na modernidade literária brasileira.


Chico Viana é doutor em teoria literária, professor e escritor

Alice desistiu de procurar a Rainha, mas não estava nada satisfeita com as mudanças de tamanho. Era muito doloroso não saber como ia acord...

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia poema narrativa pauta cultural literatura paraibana chico viana alice no pais das maravilhas egocentrismo imaginario narrativa ficticia fantasia infantil
Alice desistiu de procurar a Rainha, mas não estava nada satisfeita com as mudanças de tamanho. Era muito doloroso não saber como ia acordar no dia seguinte. Caminhava pelo bosque com esses pensamentos tristes, quando viu ao lado da trilha um homem sentado diante de uma mesa sobre a qual havia um papel em branco. Era o Escritor. Resolveu lhe falar:

Cansada de aumentar e diminuir de tamanho, Alice resolveu procurar a Rainha. Marchava firmemente em direção ao palácio (dessa firmeza qu...

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana chico viana dia das criancas alica no pais das maravilhas escolher palavras certas virtude da paciencia

Cansada de aumentar e diminuir de tamanho, Alice resolveu procurar a Rainha. Marchava firmemente em direção ao palácio (dessa firmeza que a gente tem nos primeiros momentos em que toma uma decisão), quando viu embaixo de uma árvore um Bicho esquisito. O Bicho acenou, rindo, e como é difícil resistir a quem nos acena rindo, ela se aproximou.

– Eu soube que você tem lido muito. É verdade? – É verdade, sim. Quero decifrar o enigma da vida. – Como aquele rei tebano... Qual é me...

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana chico viana papo imaginario nietzsche freud edipo satira

– Eu soube que você tem lido muito. É verdade?

– É verdade, sim. Quero decifrar o enigma da vida.

– Como aquele rei tebano... Qual é mesmo o nome dele?

O mito da mulher perfeita foi criado pelos trovadores. Como a sociedade feudal era extremamente machista, e lá a figura feminina não decid...


O mito da mulher perfeita foi criado pelos trovadores. Como a sociedade feudal era extremamente machista, e lá a figura feminina não decidia nada (a não ser, por exemplo, com que plantas aromáticas iria lavar os pés do marido), era necessário compensar essa inferioridade dando a ela contornos ideais. Nas cantigas, a mulher não é a escrava do cotidiano – é a senhora, ou a “mia senhor”. Esse tipo de culto se limitava ao plano da arte, claro; no dia a dia, a discriminação continuava a mesma.

“A árvore da Serra” é um dos sonetos mais populares de Augusto dos Anjos . Comumente o vemos recitado em aulas, festas, saraus literários e ...

ambiente de leitura carlos romero cronica poesia literatura paraibana chico viana religiosidade augusto dos anjos a arvore da serra animismo ecologia na poesia amor as plantas
“A árvore da Serra” é um dos sonetos mais populares de Augusto dos Anjos. Comumente o vemos recitado em aulas, festas, saraus literários e demais reuniões em que se declama o poeta. A atração que exerce sobre o público vem em grande parte da sua carga dramática. Eis a composição:

As palavras, como as pessoas, nascem e morrem. A diferença entre elas e nós é que podem ressuscitar. Um dia, quando menos esperamos, depara...

ambiente de leitura carlos romero cronica poesia literatura paraibana chico viana termos palavreado antigo giria antigamente

As palavras, como as pessoas, nascem e morrem. A diferença entre elas e nós é que podem ressuscitar. Um dia, quando menos esperamos, deparamo-nos com um arcaísmo que nos faz voltar à infância (esse “deparamo-nos”, com o pronome enclítico, não seria um?).

As redes sociais são uma espécie de imprensa informal. Nelas se encontra, de maneira menos elaborada, tudo que aparece nos jornais: notícia...

ambiente de leitura carlos romero chico viana alerta exibicionismo exposicao intimidade publicar rede facebook instagram uso redes sociais

As redes sociais são uma espécie de imprensa informal. Nelas se encontra, de maneira menos elaborada, tudo que aparece nos jornais: notícia, colunismo mundano, consultório sentimental e breves juízos que lembram as colunas de opinião. Têm além disso a confissão e o desabafo, o que constitui uma vantagem em relação à imprensa. Ninguém encontra no jornal relatos de doenças, malogros econômicos, fracassos amorosos e de outras ocorrências que infernizam a vida do ser humano. Como diz a letra da música, “a dor da gente não sai no jornal”.

Estavam bem velhinhos, ela já doente, ele lhe fazendo companhia. Tudo que tinham eram as lembranças dos velhos tempos, que pareciam cada ve...

ambiente de leitura carlos romero chico viana cronica literatura paraibana saudosismo recordacoes lembrancas nostalgia da idade parque diversoes

Estavam bem velhinhos, ela já doente, ele lhe fazendo companhia. Tudo que tinham eram as lembranças dos velhos tempos, que pareciam cada vez mais indistintas. Como não tinham tido filhos, encheram a vida com passeios, viagens e uma rotina silenciosa. Pareciam se entender sobre quase tudo e sentiam pouca necessidade de falar um com o outro.

Nosso propósito era deixar Roma cedo e seguir o mais rápido possível para Florença. Não pudemos fazer isso, pois uma família que fazia part...

ambiente de leitura carlos romero cronica chico viana viagem turismo italia florenca toscana

Nosso propósito era deixar Roma cedo e seguir o mais rápido possível para Florença. Não pudemos fazer isso, pois uma família que fazia parte do grupo fora assaltada na porta do hotel. Quando já estávamos de saída, a mulher entrou no ônibus, lívida e chorosa, dizendo que lhe haviam levado a bolsa com tudo que havia dentro: dinheiro, passaporte, documentos (e até uma carteira de motorista que o marido, ninguém sabia por quê, trouxera do Brasil; talvez por ter mais medo dos nossos ladrões).

Fala-se da melancolia como um novo mal do século, mas ela é tão antiga quanto o próprio homem. Pode-se dizer que o que nos inaugura, em ter...

ambiente de leitura carlos romero chico viana narciso mitologia melancolia tristeza interior

Fala-se da melancolia como um novo mal do século, mas ela é tão antiga quanto o próprio homem. Pode-se dizer que o que nos inaugura, em termos simbólicos, é a tristeza consequente à “primeira transgressão”. Essa tristeza nos estrutura e nos reinventa.

Sucumbimos ao apetite pelo fruto proibido e em troca ganhamos o arrependimento, o selo de nostalgia que nos faz encarar continuamente a face do abismo, o outro lado de nós mesmos, a sombra da morte (contra a qual se recorta a vida em seu provisório esplendor).

ambiente de leitura carlos romero chico viana narciso mitologia melancolia tristeza interior
Perder é o nosso destino e em nenhum momento nos alheamos disso. Vestimos os disfarces da alegria mas somos substancialmente tristes, herdeiros de Belerofonte, o patrono da grei dos melancólicos na cultura ocidental. Ele teve a ousadia de desafiar os deuses e acabou ficando sozinho, “cantando sobre os ossos do caminho/ a poesia de tudo quanto é morto” – conforme dirá séculos depois Augusto dos Anjos.

Aristóteles destacou o refinamento perceptivo do melancólico, que teria mais aptidão do que os outros homens para as atividades do pensamento e da arte. O que o acomete é um desequilíbrio humoral (discrasia); nele o humor negro (melaina kole) prepondera sobre os outros humores. Mas, para o estagirita, ser dosadamente triste é vantajoso.

Foram os românticos que descobriram (e valorizaram) o charme da melancolia. Com eles a tristeza e o tédio viraram pose e se transformaram numa escolha de vida (e também de morte). Divinizavam a mulher para colocá-la fora do seu alcance. Embora dessem a entender o contrário, eles fugiam do prazer erótico, ao qual se associava a angústia decorrente do sentimento de culpa. O amor romântico era uma maldisfarçada vitória de Tânatos.

Veio a modernidade e, com ela, Freud. Entre as muitas intuições que teve o mestre vienense, destaca-se a de que o melancólico está de luto. Tão simples, mas só ele viu.

ambiente de leitura carlos romero chico viana narciso mitologia melancolia tristeza interior
Ou, se outros também viram, foi ele quem melhor formulou a ideia da melancolia como resultante de um luto por si mesmo (uma defecção do ser, como diz Julia Kristeva em “Sol negro”).

O mecanismo é distinto do que ocorre no luto normal: ao perder o objeto (que pode ser uma pessoa, um ideal, um valor), o sujeito se identifica com ele. E passa a tratar a si mesmo com o ressentimento que deveria ser destinado a quem o abandonou. Desprezado, o sujeito julga que não merece o afeto ou o interesse de ninguém. Perde a autoestima e se abisma numa tristeza que pode culminar no suicídio – uma forma de matar, enfim, esse outro cuja sombra caiu sobre ele.

Seja na perspectiva da teologia, seja na da filosofia ou na da psicanálise, que vê o melancólico como vítima de um jogo de forças no qual o objeto triunfa sobre o eu, ressalta-se a concepção da melancolia como uma crise do indivíduo, da subjetividade, enfim, do próprio ser. Mas é ela que orienta a nossa busca para um absoluto que desejamos, fantasiamos, e que também está em nós. Para além da triste máscara de Narciso.


Chico Viana é doutor em teoria literária, professor e escritor

Vejo uma reportagem na TV sobre compulsão. A repórter entrevista alguns compulsivos, que falam sem pudor de suas manias. Uma mulher só se s...

ambiente de leitura carlos romero chico viana compulsao impuslo consumismo medo da morte impulsivo

Vejo uma reportagem na TV sobre compulsão. A repórter entrevista alguns compulsivos, que falam sem pudor de suas manias. Uma mulher só se sente feliz quando faz compras. Mostra no guarda-roupa uma porção de vestidos, blusas, sapatos que jamais vai usar.

Li há algum tempo que o Projeto Genoma conseguiu mapear mais de 98% do código genético humano. Trata-se de um feito semelhante à invenção d...

ambiente de leitura carlos romero chico viana codigo genetico dna contra corrupcao mario de andrade macunaima prevencao corrupcao genoma

Li há algum tempo que o Projeto Genoma conseguiu mapear mais de 98% do código genético humano. Trata-se de um feito semelhante à invenção do telescópio, que permitiu a Galileu perceber que a Terra não é o centro do Universo, e está no mesmo nível da descoberta da evolução (Darwin) ou do inconsciente (Freud).

Sou o que se pode chamar de frutófilo desde a infância. Muito antes de a ciência enfatizar que fruta é bom para a saúde e pode ser consumid...

ambiente de leitura carlos romero chico viana frutas amor as frutas sabor gosto peculiaridades

Sou o que se pode chamar de frutófilo desde a infância. Muito antes de a ciência enfatizar que fruta é bom para a saúde e pode ser consumida à vontade, eu já era um consumidor voraz de mangas, sapotis, laranjas e que tais. Comia-as ou chupava-as não por dever, mas pelo gosto de saboreá-las. Hoje me ocorreu indagar se não haveria algum tipo de correlação entre a preferência por certo tipo de fruta e a personalidade do indivíduo.