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A roda-gigante ainda está lá, assim como o carrossel, o viking e outros brinquedos. O silêncio também. A cena sem movimento é um quadro do ...

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A roda-gigante ainda está lá, assim como o carrossel, o viking e outros brinquedos. O silêncio também. A cena sem movimento é um quadro do horror da solidão e do caos. Não tem os rostos horrorizados de "Guernica", de Pablo Picasso, nem o surrealismo e as imagens bizarras transportadas de telas de Salvador Dalí. Paradas em fotografias, gravadas na retina, as rodas-gigantes dos parques de diversões parecem distantes e próximas. Símbolos de acidentes distintos, tragédias humanas.

A primeira roda-gigante parou de girar no longínquo abril de 1986, a segunda há poucas semanas. Em ambas, sinais de que a força humana é potente, mas subjugável, mesmo que seja por uma arma imperceptível aos olhos.

Do primeiro cenário, ficou a imagem da roda-gigante deixada armada no meio da cidade de Pripyat, localizada na Ucrânia, que integrava à época da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), próxima a três quilômetros da central nuclear de Chernobyl. Na madrugada de 26 de abril de 86, o mundo para aquela parte do mundo explodiu em radiação. Em 27 de abril, os 75 mil vizinhos da usina tiveram que deixar tudo para trás, abandonar a cidade erguida em 1970 para abrigar os trabalhadores da usina.

O maior acidente nuclear da história jogava uma comunidade inteira aos perigos da radiação, obrigava-a a fugir às pressas. Pripyat virou uma cidade-fantasma, que ainda hoje, passados 36 anos, exibe os prédios, parques e outras construções, símbolos radioativos, abandonados como se os habitantes tivessem sido abduzidos, teletransportados sem ter tido tempo para recolher objetos simples como fotografias e outros itens de valores pessoais, emotivos.

A roda-gigante jamais foi usada. O parque seria inaugurado no dia 1o de maio, Dia do Trabalho. O brinquedo se transformou em bizarro ornamento para uma paisagem desértica e perigosa.

Nos tempos atuais, uma roda-gigante está parada. Ela me faz lembrar fotografias de Pripyat, pós-abandono. Novamente, um parque de diversão mostra a fragilidade humana. Brinquedos silenciados pela força de algo invisível e letal.

A roda-gigante do parque às margens da BR-230 em João Pessoa é um novo símbolo. As pessoas agora fogem sem precisar deixar suas casas. O abrigo é justamente as suas moradas. Ficar e se isolar fisicamente é a fuga necessária. Como em um roteiro cinematográfico, o perigo está lá fora. Um vírus está à solta e ameaça a vida. A cura é o tempo, remédio para muitos males.

Fico ali observando aquela roda-gigante que me lembra a outra, conhecida em fotografia. Pripyat, que só soube da sua existência pelas notícias, pelas imagens documentais, surge à minha frente. Crio uma Pripyat particular.

Quanta semelhança na paisagem. O silêncio sugere reflexão/inflexão. Pripyat visita a mim e a muitos nesse mundo pandêmico.

E qual cura buscamos? Qual remédio milagroso? A da radioatividade que matou, a do vírus que mata, ou será a dos loucos que empurram, de tempos em tempos, a humanidade para abismos? A humanidade não pode se comportar como a roda-gigante parada.

Que a roda-gigante volte a girar. Que o tempo passe. Ele quase sempre traz a cura.


Clóvis Roberto é jornalista e escritor

Um instante maestro. Ou será DJ!? Agora é soltar o som e curtir. Enfim, peço um minuto para quem controla a mesa de som para desfilar sauda...


Um instante maestro. Ou será DJ!? Agora é soltar o som e curtir. Enfim, peço um minuto para quem controla a mesa de som para desfilar saudações para algumas vozes da nossa terrinha amada chamada Paraíba. E terra fértil, em particular, no quesito música. É preciso reverenciar suas obras, as canções, composições, interpretações, instrumentalizações, superposições de vozes, ginga, exclamações, ruídos... e aplausos.

E é necessário dizer como é bom ouvir vozes de pessoas mortas que seguem vivas em várias formas. Sivuca e Jackson do Pandeiro, figurinhas carimbadas em conceito de genialidade. Embaixadores da nossa arte, do nosso povo, das nossas cores e amores.

E Marinês cantando a sua gente. E os sons do patoense Dadá Venceslau. E não a voz, mas os acordos produzidos pelos dedos de Francisco Soares de Araújo, filho de Princesa Isabel, o popular "Canhoto da Paraíba", virtuose do violão.

Deixaram os corpos físicos e foram tão geniais nesse plano que suas obras os fazem reviver a cada vez que são escutados, solfejados. "Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos", dizia Cora Coralina.

Dos que estão por aqui conosco em carne e osso temos a potência cósmica do sertanejo de Brejo dos Santos, Zé Ramalho, recheado de figuras mitológicas, de amor, história. Uma aventura musical. E tem a prima Elba Ramalho, cantando o Nordeste, encantando o Brasil. E ainda o nosso Chico, o César, ouro negro de Catolé do Rocha, poeta musical.

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Antônio Barros e Cecéu
São tantos os nomes... Cátia de França, Flávio José, Antônio Barros e Céceu, Genival Lacerda, Herbert Vianna, Zé Katimba, Renata Arruda, Fuba...

Ah! Mas também quero bater palmas afinadas para uma turma menos conhecida do grande público nacional, nem por isso menos talentosa. Garantia da continuidade do DNA paraibano de ser musical, de que a terrinha é jazida de onde não cessa de brotar pedras preciosas.

Parafraseando os mineiros Milton Nascimento e Fernando Brant ("Nos bailes da vida"), foi "nos bares (ou rádios) da vida" que encontrei esses criadores mágicos. “A música é o verbo do futuro", embalava Victor Hugo. E claro, é preciso citar o bom e velho Friedrich Nietzsche: "Sem a música, a vida seria um erro".

Para citar, pois não ouso cantar (seria uma nota fora do tom), aqui vão dois nomes. Como não se encantar pelo leão em que se transforma no palco, força com extrema sensibilidade, Val Donato? E ainda tem o jovem talento de voz e criação de Madu Ayá, que coloca amor e afeto nas suas letras e melodias. Sem falar nas vozes e mentes emprestadas de outras regiões do País, que radicados por aqui estão são também nossos talentos: Seu Pereira, Polyana Resende, Mira Maya e Escurinho são ótimos exemplos.

Claro, isto é só uma pequena amostra. Certamente esqueci vários nomes, imperdoáveis silêncios, como é comum acontecer com o velho cantor que sobe ao palco e se perde nas notas, tropeça nas letras. Perdoem-me!

Se hoje os discos de vinil e CDs são raros, podemos encontrar todo esse repertório musical paraibano nas plataformas de música, na internet. Uma pesquisadinha e eles surgem em imagem e, principalmente, som.

Confesso, encontrá-los desfilando vozes e cores abriu mais que os meus ouvidos, escancarou meus olhos e o coração. Oxe! Dá um orgulho danado essa página: a Paraíba musical.


Clóvis Roberto é jornalista e escritor
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De papel, couro, plástico, pano... Esfera mágica de valor inquestionável, capaz de criar e destruir sonhos, derrubar muros, fabricar sorris...


De papel, couro, plástico, pano... Esfera mágica de valor inquestionável, capaz de criar e destruir sonhos, derrubar muros, fabricar sorrisos e compor lágrimas. Objeto ímpar, dona de uma força descomunal. A bola de futebol. E não importa a precisão do seu formato, que seja até mais oval que circular, porém ainda capaz rolar, girar, viajar e conquistar o mundo.

Do inglês "foot-ball", cujo "foot" é pé e "ball" é "bola". Por que não magia, encantamento, alegria, felicidade e dezenas de outros sinônimos e antônimos também?

Paixão nacional, sonho de conquista, sobretudo pelos pés que buscam ter com ela infinidade. Desejo de pequenos corações espalhados pelos rincões. Poliglota ao falar uma única língua chamada encantamento.

E não importa o tamanho. Ao ser chutada ganha nova dimensão. Sim, o chute, o contato do matrimônio perfeito entre pé e objeto esférico. Tudo bem, a cabeça, o joelho e o calcanhar bailam quando colocados a chocar-se com força e fúria com a bola, tornam-se poesia, arte. Definitivamente não banaliza-se!

O instante da explosão do encontro entre o corpo humano e a bola é como uma recriação da existência. Deus sabe o que faz. Não é apenas um jogo, mas jamais deve se transformar em guerra.

O melhor é jogar bola. O correr e disputá-la, criar jogadas, dividi-la, escorregar em meio à lama, à poeira, na grama irregular ou tapete, campos desnivelados de várzea, com peito aberto, sem camisa, cabelo ao vento. Pés protegidos ou não pelo requinte de uma chuteira, meião e caneleira.

E ir até próximo ao gol, sentir a sensação da vitória. Pode ser a defesa memorável. Instantes gravados na memória do garoto. Infalível remédio para quem é apresentado à senhora bola desde pequeno. Sim, sentir-se um craque, incorporar o ídolo, comemorar com os companheiros de time.

Mágica sem varinha, a bola é um sonho a ser chamado de você e com intimidade colocá-la em repouso numa rede. E mais uma vez voltar a correr, pular, escorregar para dominá-la. Até o apito final, para descanso da bola.

* A ilustração é um acrílico sobre tela da violonista e artista plástica Alaurinda Padilha Romero


Clóvis Roberto é jornalista e escritor
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Para escrever em um livro de páginas azuis é preciso usar tintas imaginárias, ter em mente palavras de algodão doce, feitas do açúcar mai...


Para escrever em um livro de páginas azuis é preciso usar tintas imaginárias, ter em mente palavras de algodão doce, feitas do açúcar mais cristalino, e desejar capítulos de sonhos (o doce de padaria). A receita é infalível, uma delícia.

O lápis precisa de recarga de sorriso, de preferência de criança correndo no meio do jardim. A métrica exige a atenção dos olhos dos amantes, e que venham com suspiros e canções, para acalmar o coração acelerado. E sim, as letras sairão quando as pálpebras estiverem encobrindo a visão, isto para garantir a precisão das rimas.

O melhor momento é que a escrita seja à tarde, com o Sol um pouco antes de se dirigir e se reclinar para beijar o horizonte para desejar boa noite. Ah! À noite, nós mortais não podemos escrever no livro de páginas azuis porque dá lugar a outro, cujos espaços foram pintados por Deus com pontinhos faiscantes.

As páginas azuis do livro do dia, elevadas ao teto do universo, exalam um cheiro inconfundível de algum momento da infância. Aquele que vem à mente sem que consigamos identificá-lo, mas nos é familiar e remete aos primeiros anos de vida com os pés no chão, vento no rosto, chuva nos cabelos, calor e poeira na corrida de olho na linha que conecta a pipa (papagaio) ao céu. Quando nossos pulmões parecem incansáveis, nossas pernas as mais velozes, nossos braços os mais ágeis e fortes.

Cada letra requer caligrafia perfeita, contorno tipo nuvens "cumulus", popularmente chamadas de "nuvem carneirinho". Fico com a segunda opção, seria o cúmulo se negar a pensar nelas como novelos de lã. Recheadas de delicadeza, garantem maciez na escrita, juntas, formam palavras saborosas como brigadeiros comidos, digamos, a qualquer hora.

Ah! Nas páginas azuis registramos as histórias para serem impressas em máquinas que vão virar chuva para cultivar as terras férteis, para matar a sede, quando estiverem cheias de frases feitas de caramelos, que vão se juntando com gostosura.

Seus personagens? Sim, todos bem-amados. Prontos para misturar a espuma de barbear com a da cachoeira que mergulha do alto, depois de lá em cima tocar o azul inalcançável, apenas ultrapassável. Sim, pois as páginas se desfazem ao contato das mãos e dão lugar ao salto para fora da bolinha em que vivemos.

Ali, o escriba das letras que em fim de tarde saltam de brancas algodão para alaranjadas é feliz ao ser chamado carinhosamente de 'bobo' e até mesmo 'idiota'. Ele sabe que ter a capacidade de decifrar a grafia das páginas azuis é possível para todos, mas só poucos alcançam as páginas e conseguem redigir e acrescentar novos capítulos. Geralmente as crianças o fazem com mais desenvoltura, mas, geralmente, perdem a capacidade a medida que ganham altura e, teoricamente, se aproximam das folhas de azul celestial. Quanta ironia!

E no livro de páginas azuis o final, o "The End", será sempre sinônimo de recomeço, de reviver, de reescrever. Garantia de volta do algodão doce acompanhado de um sorriso. Apenas um hiato para mais uma aventura, nunca um desfecho, porém um salto para mais alto, um afastamento para um abraço.


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Abril viaja pela sua metade. Já é outono, mas o Sol castiga como se ainda fora verão, coisa típica dos trópicos. As chuvas costumam vis...


Abril viaja pela sua metade. Já é outono, mas o Sol castiga como se ainda fora verão, coisa típica dos trópicos. As chuvas costumam visitar a região litorânea em pancadas noturnas, rápidas e fortes, enquanto a invernada já chegou desde janeiro ao Sertão para alegrias e festas dos corações, fazendo o verde ressurgir como o renascimento/ressurreição de um Domingo de Páscoa. Mas abril sempre teve das suas tempestades. 

E este em que (sobre)vivemos é um novo "Abril Despedaçado" (citando o filme do diretor Walter Salles, baseado no romance "Prilli i Thyler" do albanês Ismail Kadaré). Sem armas de fogo ou facas, mas com matança em muitos lugares, abril de um inimigo que avança perigoso, e quebra o silêncio com lágrimas e falas desconexas, que tem alguns humanos como aliados improváveis, já que também são vítimas inescapáveis. 

Eis que surge abril que se anunciava em janeiro. Como um vírus perturbador das almas inconsoláveis, até mesmo com um aviso libertador para os espíritos elevados. 

Abril tem dessas coisas. Mês de encerramentos, transições abruptas, rupturas. A história mostra isso, mesmo que tenham por esperteza "criado" um 31 de março escapar do 1 de abril, o Dia da Mentira. A vida pessoal idem, quando surge com trovoadas e raios e barra de nuvens escuras no horizonte. Em abril inacabado, quando se deixa uma "impressão" sempre é possível encontrar uma nova, mesmo que digital.

Mas se abril é de mudanças inesperadas, eis que, por tabela, é tempo de (re)aberturas. Se é término de estrada, por que não ser um reinício de jornada? Aí abril que se despedaçou terá colado mais à frente suas partes, reunidas em outro formato. Não necessariamente nesse mesmo abril, talvez em mês algum de igual nome, talvez se chame junho, outubro ou um dezembro natalino. 

Fundamental é seguir o rio, absorver a força da tempestade. E aí "the soft rain of april are over" (as leves chuvas de abril terminaram), pois que as tempestades se tornam mais leves após ir embora ou até a natureza em fúria explodir novamente. 

E assim será quando abril fechar sua passagem.

Clóvis Roberto é jornalista (João Pessoa-PB). cclovisroberto@gmail.com