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Todo pessoense deveria visitar a região central da cidade pelo menos uma vez durante um dia de domingo. E isso com tempo, sem a pressa diár...

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Todo pessoense deveria visitar a região central da cidade pelo menos uma vez durante um dia de domingo. E isso com tempo, sem a pressa diária da semana, a pressão dos ponteiros do relógio, das buzinas dos carros, das vozes indistintas que cruzam calçadas e ruas. Apenas na companhia do silêncio e do vazio de gente. Esse encontro com João Pessoa seria mais que compromisso, mas um passeio prazeroso.

Vagava pela madrugada... Conhecia bem a cidade escura, as sombras ao caminhar pelas calçadas que cruzavam na direção contrária, os olhos ac...

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Vagava pela madrugada... Conhecia bem a cidade escura, as sombras ao caminhar pelas calçadas que cruzavam na direção contrária, os olhos acesos dos carros perdidos a esmo, a busca de companhia pelas avenidas e ruas, as janelas por onde pedaços de luzes piscavam meias vidas, verdades incompletas. Vultos deitados em marquises lhe soavam naturais, faziam-lhe temer menos que corpos apressados desmascarados que andam livremente nas noites de céu claro e quente.

Era possível reconhecer nas letras uma certa impressão digital de cada pessoa. Um registro individual, a identidade de cada remetente nas c...

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Era possível reconhecer nas letras uma certa impressão digital de cada pessoa. Um registro individual, a identidade de cada remetente nas curvas e traços da escrita. As cartas manuscritas e toda uma série de sentimentos. Da expectativa de sua chegada, nem sempre prevista, ao desvendar dos seus "segredos" contidos em palavras. A passagem do carteiro era uma festa. Os dias da chegada desse visitante ilustre sabia-se de cabeça.

As bandeirolas Paleta de cores estendida no varal que junho enfeita e anuncia o arraial

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As bandeirolas

Paleta de cores
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Quero unir as forças invisíveis e intocáveis de todos recantos do globo em forma de ventos, que formem um poderoso martelo de sopros feroze...

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Quero unir as forças invisíveis e intocáveis de todos recantos do globo em forma de ventos, que formem um poderoso martelo de sopros ferozes ou uma suave brisa. Deuses e infernais, vindos do coração da terra e das águas, das montanhas ou planícies, viajantes dos desertos e mares, companheiros e inimigos dos navegadores aéreos, náuticos ou terrenos.

E na hora sufocante a garganta seca, os dedos tornam-se insensíveis, o olhar embaça. No meio da noite, do deserto, a agonia indecifrável a...


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E na hora sufocante a garganta seca, os dedos tornam-se insensíveis, o olhar embaça. No meio da noite, do deserto, a agonia indecifrável a remoer versos das entranhas, a vomitar palavras do estômago, desnudar-se das vestes e encarar o espelho de si, autorretrato, ser o seu próprio "Dorian Grey". 


O espetáculo é contínuo. Sempre há uma luz diferente, um mar rejuvenescido, uma poesia que voa com a paisagem. Rimas nas palhas dos coqueir...

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O espetáculo é contínuo. Sempre há uma luz diferente, um mar rejuvenescido, uma poesia que voa com a paisagem. Rimas nas palhas dos coqueiros, raios que tocam e acariciam com tons dourados a barreira tão sofrida pela dança das marés e dos ventos e pelas agressões dos homens, o verde que surge e resiste ainda como um lençol de abrigo por trás do concreto represado graças à lei inteligente. Dos mais belos recantos de João Pessoa, a praia do Cabo Branco é um presente para cada morador e visitante da cidade.

Rabiscos de junho Lápis de traço torto é junho desenha nuvens, chuvas, rios em pretos, brancos, invernos na curva perdida de u...

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Rabiscos de junho


Lápis de traço torto é junho

desenha nuvens, chuvas, rios

em pretos, brancos, invernos



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na curva perdida de um rosto

rabisca reflexos entre fogos

Nem tanto mais imponente, mas desafiante do esquecimento que a persegue nas últimas décadas. Para olhos atentos, ela fornece pinturas, em m...

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Nem tanto mais imponente, mas desafiante do esquecimento que a persegue nas últimas décadas. Para olhos atentos, ela fornece pinturas, em meio à chuva, no rasgar do sol matinal, na penumbra vespertina. Muitas vezes se transforma em ouro ao deixar-se tocar pelos raios das primeiras e últimas horas do dia.

Dos grãos da Rua da Areia , solidificada na Praça da Pedra , a cidade repousa suas histórias. De onde já existiu a Rua Direita , segue suas...

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Dos grãos da Rua da Areia, solidificada na Praça da Pedra, a cidade repousa suas histórias. De onde já existiu a Rua Direita, segue suas lutas para a Trincheiras, é também nação Tabajara. Em João Pessoa, a velha Parahyba, temos sim história, natureza e cultura marcadas em seus logradouros.

É bonito encontrar ruas que se chamam Adriático, Bering, Mar Vermelho e Oceano Pacífico
E não é só do núcleo histórico central que as ruas seguem trajetos com nomes sem nomes e homenageiam cores, formas, conceitos e flores, viajam por cidades, estados e países. Assim surge um bairro inteiro, com Maranhão, Acre, Rio de Janeiro, Bahia, Amazonas e demais unidades da federação. E tem Avenida Guarabira, que também não é no Brejo.

A Capital tem ainda uma reserva florestal batizando avenidas e ruas. De onde primeiro desapareceram as árvores, o tempo vai destruindo as casas e erguendo prédios. O Anatólia, não da Ásia Menor, da República da Turquia, mas o encravado nos Bancários, tem Baraúnas, Imburanas, Eucaliptos, Ipês, Flamboyants, Castanholas e até Pinheiros. No caso, foram-se as árvores, ficaram os nomes. Melhor que de homens, restou a poesia a batizar o concreto.

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Na zona Oeste da cidade também brotam ruas de flores e frutos. Lírios, Pau D´Arco, Jambeiros, Buritis e Algarobas ajudam a transformar a cidade num jardim. Na mesma região do Bairro das Indústrias, o Distrito Industrial, nada mais coerente que a busca pelo desenvolvimento fizesse surgir ruas ligadas ao local. Sim, mesmo com a economia sofrida é possível percorrer Progresso, Importação, Exportação e Criatividade. E encontrar Trabalho. Eu vivi por muitos anos na Prosperidade. Sou testemunha que elas existem já há bastante tempo.

E que tal mergulhar em diversos mares? Ok, é Cabedelo, Intermares, mas vale a referência. É bonito encontrar ruas que se chamam Adriático, Bering, Mar Vermelho e Oceano Pacífico. Em tempos próximos, no inverno, ali as chuvas e a falta de infraestrutura faziam com que os nomes ficassem bem próximos da realidade. Quanta ironia dos gestores cabedelenses.

Bonito mesmo é encontrar em Gramame convivendo próximas as ruas do Coração, História de Amor e Lei. Que, então, de fato, reine a paz.

E dou o devido crédito. O texto surgiu ao ouvir o genial percurso musical de Alceu Valença. Eis que a fonte de inspiração/transpiração/respiração sobre os nomes de ruas. Em "Pelas ruas que andei" o cantor e compositor pernambucano percorre logradouros históricos e de nomes poéticos existentes na velha Recife. E lá vai Alceu cantando: "Na Madalena revi teu nome/ Na Boa Vista quis te encontrar/ Rua do Sol, da Boa Hora/ Rua da Aurora, vou caminhar/ Rua das Ninfas, Matriz, Saudade/ Da Soledade de quem passou/Rua Benfica, Boa Viagem/ Na Piedade tanta dor/ Pelas ruas que andei, procurei/ Procurei, procurei te encontrar..."

As avenidas, ruas e praças precisam ter alma, poética de preferência. Pena não achar no mapa de João Pessoa uma rua dos Sonhos ou da Poesia. Quem sabe um dia...

P.S. Se pensarem em colocar um dia meu nome numa rua, por favor, repensem e a batizem de algo mais natural, que soe melhor, tipo uma árvore, uma flor ou um amor.


Clóvis Roberto é jornalista e cronista

De mansinho, os primeiros pingos descem dos colchões de espuma que manhosamente caminham pelo céu. A presença espaçada de flocos de algodão...


De mansinho, os primeiros pingos descem dos colchões de espuma que manhosamente caminham pelo céu. A presença espaçada de flocos de algodão super brancos muda e o teto da Terra ganha tons cinza-azul escuro, contornos de cinza completo, ou um negro tempestuoso em belas barras viajantes no vento leste/sudeste.

A música das primeiras gotículas tímidas, em rápidas visitas noturnas, constância comum do abril, amplifica a melodia. Os sons se tornam agora mais frequentes durante as horas diurnas, molhando parques, folhas e flores, o asfalto, os corpos que se arriscam em tempos de reclusão.

...
Estamos na temporada da "primavera das chuvas", quando se abrem nas cabeças humanas as flores alegóricas de guarda-chuvas e sobrinhas multicoloridas. De abre-alas, outro espetáculo, o arco-íris. 


Maio já vai pela metade e a cada semana a sinfonia chuvosa é presença com maior intensidade. Menos receosa, senhora da sua força, permanece no palco por horas. E chama a atenção da plateia lacrimejando as janelas, tamborilando os telhados e cobertas das garagens.


Outono partido ao meio vê avançar a chuva pelos quarteirões da cidade como uma banda marcial, cadência perfeita, engolindo num grande abraço as residências.


Eu corro a recepcioná-la com os olhos, mãos, sorrisos. Raramente num abraço de corpo inteiro, exceto ao ser surpreendido no meio da rua. Quando criança era festa, precipitação plena, livre para o contato com o aguaceiro ao desfazer-se do céu. A mente livre e brincante de Millor Fernandes foi capaz de traduzir o sentido da brincadeira: "Olha, entre um pingo e outro a chuva não molha!".


Não mergulhar no encantamento da chuva é algo impensável. Diria uma temporada contemplativa, não triste
E o tempo junino se aproxima. Gosto de imaginar que foi em um dia assim que cheguei por aqui. Milhões de pingos em saltos sem para-quedas para banhar a vida milhares de metros abaixo de seus colchões voadores movidos a vento. 


Serão dias inteiros de invernada, com a terra penetrada, possuída pela enxurrada, gesto de amor natural. Junto ao chamado friozinho invernal. Será possível abrir a boca e deixar a língua provar da fonte, ter os cabelos molhados, o líquido pela face, escorregando entre os dedos. Ou apenas manter os olhos em algum ponto além da janela para pintar quadros com molduras de tijolos. 


Não mergulhar no encantamento da chuva é algo impensável. Diria uma temporada contemplativa, não triste. Hora de beber de si mesmo em outros tempos, outras fontes, perceber as gotas saltitando no retrovisor da vida, em meio à chuvarada iluminada por uma luz de um poste, de outro farol, de um par de olhos. 


Soltar a mente das nuvens, ser como a chuva que se faz e refaz, que após tocar o solo e beijar a terra inicia um novo ciclo, vaporiza-se para tornar-se uma nova chuva. E se do pó há o retorno ao pó, com a chuva, pensemos em barro, tijolo, (re) construção.


Clóvis Roberto é jornalista e cronista

A trajetória de estudante é algo inesquecível. Mais que as lições escritas pelos mestres nos quadros negros (ou lousas), ou ditadas para te...

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A trajetória de estudante é algo inesquecível. Mais que as lições escritas pelos mestres nos quadros negros (ou lousas), ou ditadas para testar a habilidade auditiva e de concentração dos jovens, o ambiente escolar na infância/adolescência fica indelével na memória. Às vezes embaçado, outras com nitidez assustadora. Em todas, uma saborosa saudade.

Beijo de metal Da faca que divide a tarde da noite que ilumina a lâmina e corta o Sol quero o toque da navalha na face em um beijo de ...

jornalista clovis roberto

Beijo de metal

Da faca que divide a tarde da noite
que ilumina a lâmina e corta o Sol
quero o toque da navalha na face
em um beijo de metal, com língua de sal

Logo após o desembarque, os dedos pequeninos encontram o carinho da mão maior, que estará por perto e a postos ao longo de sua existência. ...


Logo após o desembarque, os dedos pequeninos encontram o carinho da mão maior, que estará por perto e a postos ao longo de sua existência. E aqueles dedinhos tornam-se um novo sentido para aquela vida que o esperava, mudam rota, reviram planos. Meses antes, planejado ou não, a mãozinha é realidade, fantasia, sonho, amor, espera, gestação.

Que tela mais singela, viva e verdadeira que não seja a própria terra, ou um canto de calçada, um pedaço de tábua? E que pincel ou lápis ma...


Que tela mais singela, viva e verdadeira que não seja a própria terra, ou um canto de calçada, um pedaço de tábua? E que pincel ou lápis mais intenso, talvez mais insano, e, ao mesmo tempo, tão emotivo que um caco de telha, uma ponta de pedra, um graveto, até mesmo o próprio dedo?

Vida pandêmica Via sem vida o silêncio respira única tentativa na pandêmica loucura detidos na própria casa em horas cíclicas o hom...


Vida pandêmica

Via sem vida
o silêncio respira
única tentativa
na pandêmica loucura
detidos na própria casa
em horas cíclicas
o homem já não reina
encolhe e murmura
e o inimigo espreita
invisível malícia
veneno da biologia
errante, na foice viaja
e a arma que resta
é a clausura forçada
a vista restrita
a espera agoniada



Da chuva 


...
Pela janela pingos soltam de para-quedas
pulam no precipício do metal cinza
abraçam e rolam pela biqueira
busca fria pelo beijo da quimera
e se o concreto é um engano que acoberta
manta sobre a amada que deita
eles hão de ter nova tentativa
último voo para ter a pele tocada,
caricia em forma de chuva
e a terra suspira, desejada



Fome no prato

...
Desfile pelo prato
raso ou fundo
um pouco de tudo
da boca, o gosto
da língua, o meio do beijo
do sal do corpo, alimento

o peito, o olho
coma a pele, mastigue o gozo
nutra a alma,
um último esforço



Em silêncio
E qual tortas letras devo juntar?
unir instantes, pura matemática
para girar a chave correta
em solução, as palavras

vejo desafio em tons, as escolhas
desesperos do peito que deságua
e vai na corrente que acorrenta a alma
e até o silêncio, foi-se a fala


Clóvis Roberto é jornalista e cronista

São pequenos feixes de luz em castanho, negro, verde, azul, caramelo, mel. São misteriosos avisos para serem desvendados, clamam por terem ...


São pequenos feixes de luz em castanho, negro, verde, azul, caramelo, mel. São misteriosos avisos para serem desvendados, clamam por terem os segredos revelados. Incansáveis percebem qualquer movimento, capturam sombras e sonhos ainda no ar. Sentinelas da guarda permanente da alma, vigilantes da insana ânsia por descobrir. São faróis no oceano infinito, percorrem pegadas deixadas pelo luar no mar em rastro prateado

À noite, mais ainda, são como armadilhas lançadas de catapultas para captura de outros seres, iscas faceiras recheadas de malícia para conquistar outras luzes. São fatais quando misturados a um bom vinho. São puro desejo à meia luz, ao luar. Formam cenários pinçados de páginas de romances clássicos e banais, folhetins espalhados embaixo das marquises do Ponto de Cem Réis em tempos idos.

eyes power look power
Poderosos, têm o dom de penetrar o corpo, gelar a espinha, mergulhar no desfiladeiro do íntimo d'outros seres postos à sua frente. E sem tocar conseguem tirar-lhes a roupa, acariciar-lhes a pele, desnudar-lhes o sorriso tímido, jogá-los à lona ou à cama.

São ameaçadores se lhes for negada a chave do coração, largados fora da caixa de batimentos. Se trancados atrás de grades ou amordaçados com lenços, ficam atônitos. Sim, são cachoeiras por vezes de tristezas ou alegrias, ou por coisa pouca, um cisco permanente chamado saudade. Lubrificados brilham mais, ganham novos contornos, tons diferentes, como final de tarde na linha do horizonte.

São sábios. Sabem obter as respostas das profundezas, torturam sem deixar cicatrizes, só as invisíveis. Se emoldurados percebem mais, ou saem do foco. Desastre in loco, cabeça virada ou mesmo sobre o nariz, eis que são lentes sem consenso.

Quando piscam são apaixonantes e buscam o reflexo dos pares, a carta perfumada do vento no rosto, a magia de algo novo. Conquistados e conquistadores, avançam quase antropofágicos para saborear o outro. E mastigam sem dentes a essência da desconstrução de outrem.

Por vezes são loucos. Lançam indagações crônicas, torturantes, desarmônicas, aos montes. Às vezes, são vermelhos, seja por transformação ou pelas nuvens da fumaça ao seu redor. Zumbis da madrugada ou da manhã da noite varrida e errante, que desemboca na manhã da extrema luz, são quase extrema-unção.

São perdidos ao se fecharem na última olhada, o fim de tudo ou o do quase nada, apenas piscadela ao passar por um novo túnel de uma longa estrada. Quem sabe, eis o momento do encontro...


Clóvis Roberto é jornalista e cronista

A roda-gigante ainda está lá, assim como o carrossel, o viking e outros brinquedos. O silêncio também. A cena sem movimento é um quadro do ...

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A roda-gigante ainda está lá, assim como o carrossel, o viking e outros brinquedos. O silêncio também. A cena sem movimento é um quadro do horror da solidão e do caos. Não tem os rostos horrorizados de "Guernica", de Pablo Picasso, nem o surrealismo e as imagens bizarras transportadas de telas de Salvador Dalí. Paradas em fotografias, gravadas na retina, as rodas-gigantes dos parques de diversões parecem distantes e próximas. Símbolos de acidentes distintos, tragédias humanas.

A primeira roda-gigante parou de girar no longínquo abril de 1986, a segunda há poucas semanas. Em ambas, sinais de que a força humana é potente, mas subjugável, mesmo que seja por uma arma imperceptível aos olhos.

Do primeiro cenário, ficou a imagem da roda-gigante deixada armada no meio da cidade de Pripyat, localizada na Ucrânia, que integrava à época da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), próxima a três quilômetros da central nuclear de Chernobyl. Na madrugada de 26 de abril de 86, o mundo para aquela parte do mundo explodiu em radiação. Em 27 de abril, os 75 mil vizinhos da usina tiveram que deixar tudo para trás, abandonar a cidade erguida em 1970 para abrigar os trabalhadores da usina.

O maior acidente nuclear da história jogava uma comunidade inteira aos perigos da radiação, obrigava-a a fugir às pressas. Pripyat virou uma cidade-fantasma, que ainda hoje, passados 36 anos, exibe os prédios, parques e outras construções, símbolos radioativos, abandonados como se os habitantes tivessem sido abduzidos, teletransportados sem ter tido tempo para recolher objetos simples como fotografias e outros itens de valores pessoais, emotivos.

A roda-gigante jamais foi usada. O parque seria inaugurado no dia 1o de maio, Dia do Trabalho. O brinquedo se transformou em bizarro ornamento para uma paisagem desértica e perigosa.

Nos tempos atuais, uma roda-gigante está parada. Ela me faz lembrar fotografias de Pripyat, pós-abandono. Novamente, um parque de diversão mostra a fragilidade humana. Brinquedos silenciados pela força de algo invisível e letal.

A roda-gigante do parque às margens da BR-230 em João Pessoa é um novo símbolo. As pessoas agora fogem sem precisar deixar suas casas. O abrigo é justamente as suas moradas. Ficar e se isolar fisicamente é a fuga necessária. Como em um roteiro cinematográfico, o perigo está lá fora. Um vírus está à solta e ameaça a vida. A cura é o tempo, remédio para muitos males.

Fico ali observando aquela roda-gigante que me lembra a outra, conhecida em fotografia. Pripyat, que só soube da sua existência pelas notícias, pelas imagens documentais, surge à minha frente. Crio uma Pripyat particular.

Quanta semelhança na paisagem. O silêncio sugere reflexão/inflexão. Pripyat visita a mim e a muitos nesse mundo pandêmico.

E qual cura buscamos? Qual remédio milagroso? A da radioatividade que matou, a do vírus que mata, ou será a dos loucos que empurram, de tempos em tempos, a humanidade para abismos? A humanidade não pode se comportar como a roda-gigante parada.

Que a roda-gigante volte a girar. Que o tempo passe. Ele quase sempre traz a cura.


Clóvis Roberto é jornalista e escritor

Um instante maestro. Ou será DJ!? Agora é soltar o som e curtir. Enfim, peço um minuto para quem controla a mesa de som para desfilar sauda...


Um instante maestro. Ou será DJ!? Agora é soltar o som e curtir. Enfim, peço um minuto para quem controla a mesa de som para desfilar saudações para algumas vozes da nossa terrinha amada chamada Paraíba. E terra fértil, em particular, no quesito música. É preciso reverenciar suas obras, as canções, composições, interpretações, instrumentalizações, superposições de vozes, ginga, exclamações, ruídos... e aplausos.

E é necessário dizer como é bom ouvir vozes de pessoas mortas que seguem vivas em várias formas. Sivuca e Jackson do Pandeiro, figurinhas carimbadas em conceito de genialidade. Embaixadores da nossa arte, do nosso povo, das nossas cores e amores.

E Marinês cantando a sua gente. E os sons do patoense Dadá Venceslau. E não a voz, mas os acordos produzidos pelos dedos de Francisco Soares de Araújo, filho de Princesa Isabel, o popular "Canhoto da Paraíba", virtuose do violão.

Deixaram os corpos físicos e foram tão geniais nesse plano que suas obras os fazem reviver a cada vez que são escutados, solfejados. "Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos", dizia Cora Coralina.

Dos que estão por aqui conosco em carne e osso temos a potência cósmica do sertanejo de Brejo dos Santos, Zé Ramalho, recheado de figuras mitológicas, de amor, história. Uma aventura musical. E tem a prima Elba Ramalho, cantando o Nordeste, encantando o Brasil. E ainda o nosso Chico, o César, ouro negro de Catolé do Rocha, poeta musical.

antonio barros ceceu musicos paraiba
Antônio Barros e Cecéu
São tantos os nomes... Cátia de França, Flávio José, Antônio Barros e Céceu, Genival Lacerda, Herbert Vianna, Zé Katimba, Renata Arruda, Fuba...

Ah! Mas também quero bater palmas afinadas para uma turma menos conhecida do grande público nacional, nem por isso menos talentosa. Garantia da continuidade do DNA paraibano de ser musical, de que a terrinha é jazida de onde não cessa de brotar pedras preciosas.

Parafraseando os mineiros Milton Nascimento e Fernando Brant ("Nos bailes da vida"), foi "nos bares (ou rádios) da vida" que encontrei esses criadores mágicos. “A música é o verbo do futuro", embalava Victor Hugo. E claro, é preciso citar o bom e velho Friedrich Nietzsche: "Sem a música, a vida seria um erro".

Para citar, pois não ouso cantar (seria uma nota fora do tom), aqui vão dois nomes. Como não se encantar pelo leão em que se transforma no palco, força com extrema sensibilidade, Val Donato? E ainda tem o jovem talento de voz e criação de Madu Ayá, que coloca amor e afeto nas suas letras e melodias. Sem falar nas vozes e mentes emprestadas de outras regiões do País, que radicados por aqui estão são também nossos talentos: Seu Pereira, Polyana Resende, Mira Maya e Escurinho são ótimos exemplos.

Claro, isto é só uma pequena amostra. Certamente esqueci vários nomes, imperdoáveis silêncios, como é comum acontecer com o velho cantor que sobe ao palco e se perde nas notas, tropeça nas letras. Perdoem-me!

Se hoje os discos de vinil e CDs são raros, podemos encontrar todo esse repertório musical paraibano nas plataformas de música, na internet. Uma pesquisadinha e eles surgem em imagem e, principalmente, som.

Confesso, encontrá-los desfilando vozes e cores abriu mais que os meus ouvidos, escancarou meus olhos e o coração. Oxe! Dá um orgulho danado essa página: a Paraíba musical.


Clóvis Roberto é jornalista e escritor
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De papel, couro, plástico, pano... Esfera mágica de valor inquestionável, capaz de criar e destruir sonhos, derrubar muros, fabricar sorris...


De papel, couro, plástico, pano... Esfera mágica de valor inquestionável, capaz de criar e destruir sonhos, derrubar muros, fabricar sorrisos e compor lágrimas. Objeto ímpar, dona de uma força descomunal. A bola de futebol. E não importa a precisão do seu formato, que seja até mais oval que circular, porém ainda capaz rolar, girar, viajar e conquistar o mundo.

Do inglês "foot-ball", cujo "foot" é pé e "ball" é "bola". Por que não magia, encantamento, alegria, felicidade e dezenas de outros sinônimos e antônimos também?

Paixão nacional, sonho de conquista, sobretudo pelos pés que buscam ter com ela infinidade. Desejo de pequenos corações espalhados pelos rincões. Poliglota ao falar uma única língua chamada encantamento.

E não importa o tamanho. Ao ser chutada ganha nova dimensão. Sim, o chute, o contato do matrimônio perfeito entre pé e objeto esférico. Tudo bem, a cabeça, o joelho e o calcanhar bailam quando colocados a chocar-se com força e fúria com a bola, tornam-se poesia, arte. Definitivamente não banaliza-se!

O instante da explosão do encontro entre o corpo humano e a bola é como uma recriação da existência. Deus sabe o que faz. Não é apenas um jogo, mas jamais deve se transformar em guerra.

O melhor é jogar bola. O correr e disputá-la, criar jogadas, dividi-la, escorregar em meio à lama, à poeira, na grama irregular ou tapete, campos desnivelados de várzea, com peito aberto, sem camisa, cabelo ao vento. Pés protegidos ou não pelo requinte de uma chuteira, meião e caneleira.

E ir até próximo ao gol, sentir a sensação da vitória. Pode ser a defesa memorável. Instantes gravados na memória do garoto. Infalível remédio para quem é apresentado à senhora bola desde pequeno. Sim, sentir-se um craque, incorporar o ídolo, comemorar com os companheiros de time.

Mágica sem varinha, a bola é um sonho a ser chamado de você e com intimidade colocá-la em repouso numa rede. E mais uma vez voltar a correr, pular, escorregar para dominá-la. Até o apito final, para descanso da bola.

* A ilustração é um acrílico sobre tela da violonista e artista plástica Alaurinda Padilha Romero


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