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Em toda primeira manhã do ano, nos vem uma recorrente sensação de mesmice. A impressão de que nada mudou, de que a notória euforia pautada...

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Em toda primeira manhã do ano, nos vem uma recorrente sensação de mesmice. A impressão de que nada mudou, de que a notória euforia pautada na esperança da mudança é tão grande quanto a ilusão. Nada mais verdadeiro, uma vez que as referências numéricas, calendas, dia disso, dia daquilo, é tudo invencionice.

Hoje é dia de Reis… será que foi mesmo no sexto dia do primeiro mês do ano "zero" que os magos do oriente se dirigiram até Jesus, guiados pela sintonia com o grande acontecimento, para prestar-lhe a sagrada reverência? Bem, segundo o mestre em Mitologia, Milton Marques Júnior, janeiro nem é, originalmente, o primeiro mês do ano, e sim março, se não me falha a memória nada grega.

Hoje é dia de Reis… data em que o nosso amado pai, Carlos Romero, rompeu o casulo para voltar a voar. Um voo merecido, já esperado, com as generosas asas que até hoje abençoam nossa gratidão. Nunca esquecemos o dia em que, a umas duas semanas de seu desenlace, a amiga Suely Cavalcanti Dias, em visita ao hospital para ver papai e lhe aplicar uns passes magnéticos - que tão bem escorrem de sua aura luminosa - ao sair do quarto, me disse no corredor: “Prepare-se. Ele já está tecendo o casulo. Em breve alça voo”. O que mais impressionava era a serena suavidade das palavras, que, com a mesma serenidade se transferiam de seu olhar ao meu coração. Era dezembro… mês 10 ou 12, hein, Milton?

E o dito foi feito. No seguinte dia de Reis, como hoje, o espírito dele se desatou do corpo que já não lhe dava prazer às emoções, que já não condizia com sua alegria de viver, de criar, de pensar e realizar o bem com que pautou toda a encarnação. Bem dito dia de Reis, do rei, do nosso rei, eterno rei…

Cinco anos se passaram. E a gente quase nem sente, com ele tão presente, onipresente. É mais um dia, mais um ano, igual a todos. Cheio do mesmo amor, tão iluminado e tranquilo como as manhãs de todo ano novo. Sempre as mesmas.

Que diferença faz, se foi no dia 6, de Reis, de Iemanjá, de Natal? Nenhuma. Quando desço as escadas pelas manhãs que nem mais conto e me deparo com o seu retrato iluminado de sorriso, na parede da sala, é sempre um novo dia, repleto de amor, de gratidão, de boas lembranças, de tudo isso que vence as barreiras do tempo, do espaço, coisa criada por nossa mente inventiva.

Que diferença faz se há dois anos ele partiu, se nunca partiu? Se foi mas ficou, desafiando o tempo que faz voltar toda vez que com ele sintonizamos? Nenhuma. Um ano a mais, um ano a menos, nunca será mais, nem menos, para quem continua mais vivo do que nunca, como costuma dizer nossa querida amiga Ângela Bezerra de Castro.

Hoje é dia de Reis… Viva os Reis Magos!

De uma chuva o prelúdio terminou virando música. Do céu de Valldemossa, nas janelas de Maiorca, no Mar das Baleares, ou mesmo da Po...

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De uma chuva o prelúdio terminou virando música. Do céu de Valldemossa, nas janelas de Maiorca, no Mar das Baleares, ou mesmo da Polônia, em Zelazowa Wola, onde antes renasceu, foi colhido o lampejo para tal composição. Imaginem que beleza!

Difícil imaginar um pai perder sua única filha, vítima de doença súbita com apenas 5 anos de idade, logo após ser sentenciado com endocard...

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Difícil imaginar um pai perder sua única filha, vítima de doença súbita com apenas 5 anos de idade, logo após ser sentenciado com endocardite incurável e, mesmo diante de tamanha fatalidade, escrever o seguinte:

Foi só no que pensei... A surpresa era imensa, pois sequer imaginava-o doente… Doente do corpo, claro, porque da mente dificilmente seria.

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Foi só no que pensei... A surpresa era imensa, pois sequer imaginava-o doente… Doente do corpo, claro, porque da mente dificilmente seria.

O planeta inteiro apenas para os dois irmãos povoarem! Um coordenaria e outro executaria o ousado projeto. Tal como uma tela em branco, pe...

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O planeta inteiro apenas para os dois irmãos povoarem! Um coordenaria e outro executaria o ousado projeto. Tal como uma tela em branco, perante a qual o pintor se depara sob prévia inspiração, foram incumbidos de moldar inúmeras formas de vida sobre aquele paraíso nada morto. Não havia limites. Toda criatividade era permitida, obviamente para resultados ao nível do berço em que brotariam privilegiados seres.

Vamos à sessão de despedida. Ou melhor, de desapego! Não é sessão de “descarrego”, alto lá, que pode até ser assunto de outro texto.

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Vamos à sessão de despedida. Ou melhor, de desapego! Não é sessão de “descarrego”, alto lá, que pode até ser assunto de outro texto.

Protestos em favor das massas, contra a histórica exploração do povo pelo poder absoluto, mantenedor de gritantes desigualdades em regimes...

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Protestos em favor das massas, contra a histórica exploração do povo pelo poder absoluto, mantenedor de gritantes desigualdades em regimes políticos ditatoriais, também estiveram presentes na música erudita. Na popular atingiu de forma mais abrangente as classes sociais, sobretudo em eras com mais liberdade. No Brasil, Chico Buarque e Geraldo Vandré talvez representem as icônicas bandeiras que tremularam por justiça, principalmente no período de repressão dos anos 60.

A história de mártires emblemáticos que lutaram em defesa dos oprimidos inspirou compositores clássicos em extraordinárias produções, como a trajetória do cossaco que liderou uma rebelião contra a nobreza aristocrática e os tsares do sul da Rússia. De origem camponesa, o ruteno Stenka Razin empreendeu, no século 17, longo trajeto pelas margens do Volga, influenciando o povo das estepes a se unir contra a tirania, expulsando cobradores de impostos, atacando a aristocracia, dominando cidades e destronando líderes do império tsarista.

O movimento empunhado por Razin eclodiu e transcendeu a diferenças inimagináveis a ponto de lograr convergência ideológica tanto de muçulmanos como de cristãos ortodoxos, cossacos e eslavos, inclusive de Moscou.

O poder imperial, no entanto, sufocou o plano de ação, que não chegou a 4 anos, e Stenka Razin terminou esquartejado em praça pública. O líder passou a ter sua saga inserida na lírica de respeitáveis poetas, músicos clássicos, no cancioneiro popular e transformou-se em símbolo da resistência contra a tirania do império durante séculos. Entre outras homenagens, após 238 anos de sua morte, uma estátua sua foi erguida a mando de Lênin, no dia do trabalhador, na cidade de Rostov-on-Don, sul da Rússia, próximo de onde nasceu.

Um dos maiores músicos do século XX, Dmitri Shostakovich, nascido em São Petersburgo, 1906, compôs uma sinfonia suntuosa inteiramente dedicada à memória de Stenka Razin. Ilustrada com poemas do notável poeta siberiano revolucionário,
Yevgeny Yevtushenko, a obra-prima também ficou conhecida como “Babi Yar” (um dos poemas), que se refere à área ucraniana, um vale imenso, onde foram executados milhares de judeus, na segunda grande guerra, em 1941.

Yevtushenko ganhou notabilidade por pautar sua criação poética na denúncia explícita contra o anti-semitismo, à qual Shostakovich, que serviu ao Soviete Supremo, moldou sua 13ª sinfonia. Concebida em caráter recitativo, é tida como grande cantata para orquestra, voz (baixo) e coral masculino, mas bem que poderia ser encenada como uma magnífica ópera. O resultado foi estupendo. São cinco movimentos que duram uma hora de pura simbiose artística entre história, arte, drama, música e literatura.

O perfil declamativo marca toda a obra. As narrativas letradas (coro e solista) são melodramáticas e dialogam constante e intrinsecamente com a orquestra, o que faz a eloquência romântica preponderar. O incisivo caráter de protesto, às vezes marcial, emerge pontualmente com o texto envolvido pela majestade sinfônica, entrelaçados com a música sob total integridade harmônica. Contém passagens e cenários que vão do jocoso ao trágico, durante os quais toques de sino estão sempre a lembrar o ambiente inquisitório em que se desenvolve a brava sagacidade de Stenka Razin.


No primeiro movimento, “Babi Yar”, Shostakovich manifesta-se em tom de hino contra o massacre na região próxima a Kiev, em 1941. O contorno teatral sugere episódios dramáticos da vida de Razin, com alusões à hipocrisia dos poderosos que se dizem “protetores do povo”. É uma ampla denúncia oral-musical contra a repressão, contra o destino do personagem principal, em estrutura operística, interlúdios, com referências a obras como o “Caso Dreyfus”, o “pogrom de Białystok“ e a história de Anne Frank. Mas a trajetória do protagonista, que concedeu o nome mais importante à sinfonia – “A execução de Stenka Razin” – é o cerne temático desenhado com todo o suspense e emoção que o heroismo descrito requer, como mostra o trecho a seguir (em tradução informal):


“Em Moscou, capital de paredes brancas, um ladrão desce rua abaixo com um pão de semente de papoula. Ele não teme ser linchado. Não há tempo para pães Estão trazendo Stenka Razin! O czar abre um vinho de Malvasia, Diante do espelho sueco, espreme uma espinha, experimenta um anel de esmeralda e olha para a praça … Estão trazendo Stenka Razin!”

Na segunda parte, chamada “Humor”, predominam o clima burlesco, o deboche e a sátira popular, virtudes das massas que os tiranos frequentemente tentaram sufocar. Com intenção de zombaria, o autor cita um poema escrito pelo escocês Robert Burns,
da época de Razin, sobre um fora-da-lei que na véspera de ser executado escreve um bem-humorado lamento.

O terceiro movimento é um adagio rito-litúrgico que ressalta a carestia sofrida pelo operariado, com limitação de acesso a bens materiais. Basicamente composto de bonitas e lamentosas canções, bem ritmadas, acompanhadas por cordas graves e trompas, entoadas em alternância entre o coro e o baixo. que caminham para o auge da dramaticidade, com a orquestra se sobrepondo a tudo num explosivo crescente, reforçado pelo grande coro, no ápice em forma de desabafo.

Profundamente sombrio e misterioso inicia-se o 4º movimento, um Largo nomeado como “Medo”, todo cantado com o texto de Yevtushenko, que a crítica costuma citar como um das mais ousadas orquestrações de Shostakovich. Há nele maior veemência no clamor contra a repressão soviética, enfatizada por furiosos arroubos que se alternam com suavidade musical, sempre em tom de suspense. Algumas dissonâncias propositais anunciam a coragem dos que marcham pela revolta, quando é declamado o excitante trecho (em tradução informal):


"Os medos estão morrendo na Rússia. Não temos medo de obras em nevascas Ou de entrar em uma batalha Sob o fogo de granadas. Corajosamente, camaradas, marquemos nosso passo”

Sucede-se a tensão rumo à apoteose sinfônica estonteante a prenunciar o desfecho com os derradeiros lamentos do cantor.

A última parte inicia-se suavizada pela melodia delicadamente emoldurada por sopros, sugerindo cores de esperança em ritmos saltitantes que se mesclam à festiva conversa entre o cantor e o coral. É um doce final, mais lírico, mais romântico, embora a sátira se faça pontualmente presente, como o compositor ousou surpreender na finalização inusitada de outras sinfonias. Conclui-se que haja neste último movimento um sentimento reconfortado de missão cumprida. Tanto de Stenka Razin, o herói, como do autor, igualmente laureado pela concepção de tão magnânimo trabalho.

A beleza criativa desta sinfonia, que reúne poesia, realidade e música grandiosamente lapidada pelas posições políticas e dons artísticos de Shostakovich, até hoje encoraja ativistas e idealistas que se empenham por um mundo melhor. O que nos faz desejar que a Arte continue a refletir os anseios de justiça e liberdade, em todas as formas de expressão, seja clássica ou popular.

Enquanto olhávamos pela janela o interior do pequeno chalé à beira do fiorde, em Bergen (Noruega), e o cenário que de lá se avista, a músi...

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Enquanto olhávamos pela janela o interior do pequeno chalé à beira do fiorde, em Bergen (Noruega), e o cenário que de lá se avista, a música de Edvard Grieg de pronto ecoou na paisagem.

Compositores, poetas, artistas plásticos, escritores que engrandecem a História inspiraram-se nos traços de sua terra, de seu povo, mitos, lendas, literatura, virtudes, nacionalismo, rendendo-lhes homenagens transpostas magistralmente do real ou imaginário para a linguagem em que se expressaram.

Um pouco afastado do gracioso sobrado onde viveu, ainda existe o pequeno chalé que Grieg usava para escrever música. Um piano de parede, um sofá e uma estante com livros compõem a modesta e aconchegante decoração. Nada mais seria preciso ao enlevo criador, pois a visão que dali se descortina é estonteante. As noites de lua que cintilaram naquelas águas estão nitidamente refletidas no adagio de seu único concerto para piano e orquestra.

Poemas, sinfônicos ou literários, sinfonias, aberturas, óperas, balés, pinturas, epopéias, tragédias, dramas, comédias e tantas outras formas de arte foram admiráveis em narrar, homenagear, glorificar e retratar o assunto com magnífica amplitude e fidelidade. Romances, biografias, cenários paradisíacos, épicos ou dramáticos, sagas, lendas, sátiras, tudo deu origem a bem lapidada criatividade.

“Love in Bath”, de Haendel, “O ouro do Reno”, de Wagner, a “Sinfonia Alpina,” de Richard Strauss, “Prometheu”, de Scriabin, “A Pastoral”, de Beethoven, “As metamorfoses de Ovídio”, de Dittersdorf, a Sinfonia Fantástica de Berlioz, “Peer Gynt”, de Grieg, são exemplos de música incidental, descritiva ou programática, que desenham com excepcional nitidez os sentimentos que as produziram.

A “Sinfonia Kullervo”, de Sibelius, é um conjunto de 5 poemas sinfônicos que faz jus à forma e descreve com autenticidade impressionante a história trágica de um personagem da mitologia finlandesa que inspirou o médico e linguista Elias Lönnrot a compilar o épico poema “Katevala”, em 1835, a partir de canções fínicas antigas – “rúnicas” – impregnadas de feitiço e magia.


Para certos historiadores, a obra reflete o imaginário nacional do país nórdico. São 50 “cantos” com narrações que abrangem a criação do mundo, guerras, tragédia, paixões e heróis com poderes mágicos, até o prenúncio da chegada de um novo deus, supostamente o Cristo.

Nesta obra, Sibelius constrói a trajetória do desafortunado personagem que descobre que a família foi assassinada pela tribo que o acolheu após massacrar seu clã. Ainda criança, ele é vendido como escravo, sofre muito e consegue fugir ao ficar sabendo de que há familiares sobreviventes. Acaba por seduzir uma garota sem saber que é a própria irmã, julgada morta. Quando ela descobre, horroriza-se e comete suicídio afogando-se no rio.
Kullervo enlouquece e a vingança ganha força capaz de fazê-lo voltar à tribo que o criou para, com seus poderes, exterminá-la. Sendo a desforra o propósito que o cegou, após satisfazê-lo, morre lançando-se sobre a própria espada.

Os cinco movimentos desta sinfonia relatam fielmente a parte do poema épico “Kalevala”, que se refere particularmente à saga do herói nativo, personagem marcado por vingança e sarcasmo que impressionaram Sibelius. Uma história que, 124 anos depois, inspiraria o escritor britânico J.R.R. Tolkien a criar, segundo os críticos, “o mais sombrio e trágico de todos os seus personagens” (A História de Kullervo, 2016).

Na introdução, delineia-se o caráter da inevitável fatalidade, poder e bravura presentes no drama a ser narrado. O talento de Sibelius para a sinfonia romântica logo se evidencia na tessitura grandiosa e eclética capaz de mesclar orquestração brilhante e filigranas que remontam às canções rúnicas finlandesas.

O segundo movimento refere-se à juventude de Kullervo, vigoroso, livre da infância escravizada, esboçada no sombrio sentimento inicial. A seguir, a sensação de liberdade e novas descobertas se desenvolvem com grande entusiasmo. As marcas do destino, contudo, são inevitáveis, e eclodem veementes na parte central. O destemido espírito das tribos também é caracterizado em ritmos contagiantes.

O terceiro andamento, tido como a espinha dorsal da sinfonia, é dedicado a Kullervo e sua irmã. Começa de forma lírica, com alegria e plenitude pela nova fase da vida dele, coroada pela primeira aparição do vibrante coral masculino – uma ode ao novo espírito livre e vigoroso do escravo liberto. Tudo gira em torno do fatídico romance com a variedade que a narrativa requer: as aventuras amorosas precedentes, o reencontro, o anonimato inocente, em aparições diversificadas e ecléticas. Duetos do casal, entremeados de coral, rompantes orquestrais, esfuziantes temas e alegorias compõem o mais extenso movimento, em que abundam textos do Kalevala.

O fervor dramático explode várias vezes, descrevendo a gravidade dos acontecimentos e do ambiente tribalístico. A consagração do amor pela irmã, os colóquios ardentes, a decepcionada supresa ao tomar conhecimento do inglório parentesco, a desgraça de ambos, o suspense que antecede o suicídio dela jogando-se no rio, o grito de tristeza dele, a revolta, a supremacia do desejo de vingança são temas que emergem nos ápices sinfônicos apaixonados e na delicadeza de canções doídas que precedem a tragédia. Sozinha na floresta, consternada, prestes a se despedir da vida, ouvindo os pássaros, ela faz ecoar o seu lamento.

Um instante de profusa dramaticidade descreve a sua angústia, sucedido pela revolta esbravejante do irmão diante da crueldade do destino. Mas, eis que prepondera sua índole vingativa ao se decidir por manter o plano premeditado.
Sucede-se o quarto, a batalha! Inteiramente emoldurado com o caráter bélico da obstinação ansiada pelo irado protagonista. Aqui Sibelius transcreve musicalmente a essência textual: “Partiu para a guerra, alegrando-se com a batalha”. Ostensivamente feérico, este movimento vai se encorpando lentamente em crescente premonição. Tudo se desenvolve no mesmo clima até o fim da contenda em que, com poderes sobrenaturais, Kullervo consegue exterminar toda a tribo que vitimou sua família no passado. Sua morte é descrita com a força gritante de golpes sonoros a invocar a própria destruição, e bem lembram o diálogo do coro entre ele e a espada:

— “Agradaria a esta lâmina comer carne culpada e beber sangue pecaminoso?

— “Por que não me agradaria comer carne culpada e beber sangue pecaminoso? Já que eu como a carne e bebo o sangue dos inocentes?”

E ele atira-se morrendo pela própria espada, sob os brados do coro com fúria brutal:

— “Assim foi a morte do jovem, o fim do herói, a morte do malfadado”.

O final da sinfonia é concluído com o que se pode chamar de uma apoteótica missa de réquiem, com todas as características pomposas e litúrgicas. O sentimento de consternação e desventura inicial vai crescendo paulatinamente e cede lugar aos traços de um heroísmo tão imponente que o ouvinte já não sabe se é o autor,
o herói ou a música que triunfa com tamanha grandiosidade.

A epopéia nórdica inspirou Jean Sibelius desde que a leu, ainda muito jovem, para outras peças, como as que compõem a suíte "Quatro Lendas de Kalevala" (Opus 22), em que se incluem o “Cisne de Tuonela”, “Lemminkäinen e as Ninfas da Ilha”, "Lemminkäinen em Tuonela", "O Retorno de Lemminkäinen". Além de "Tapiola" (Opus 112), seu último poema sinfônico. Para a crítica, entretanto, Kullervo é obra-prima monstruosa que extrapola todos os limites de sua época. Sua imponente brutalidade infunde medo e respeito, mas, na essência, é uma peça romântica. Para o escritor e compositor finlandês, Karl Flodin, “nunca mais Sibelius criaria algo tão descaradamente megalomaníaco”.

Apreciando esta colossal concepção para grande orquestra, coro masculino, barítono e mezzo-soprano, que resume todos os aspectos dramáticos do lendário personagem, é possível avaliar o poder inspirador para elaborar música erudita que se abraça com a fantasia, com o enredo mitológico e as raízes de um povo. Uma força que pode se originar tanto da leitura de epopeia compilada com canções bálticas, de 3 milênios de idade, como da contemplação de uma bucólica paisagem avistada da janela de um chalé no fiorde de Bergen.


Germano Romero é arquiteto e bacharel em música

Ele queria medir o mundo. Com as mãos ou com as ideias. O mundo e vários outros que cabiam na imaginação fértil, na mente encantada das cr...

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Ele queria medir o mundo. Com as mãos ou com as ideias. O mundo e vários outros que cabiam na imaginação fértil, na mente encantada das crianças.

Havia se afastado dos adultos, decerto sorrateiramente ou mesmo sem se aperceber. Atraído pela penumbra da rua perpendicular à praça, ambiente mais propício a libertar o imaginário, engrandeceu-se no sossego da solidão.


Ali, à certa distância dos familiares, bem entretidos no banco da praça iluminada e dominicalmente festiva, ele se sentia livre, jamais só. É admirável a capacidade das crianças em construir e interagir num mundo próprio, com infinidade de sonhos e personagens. Naquele instante, na calçada que beirava o muro alto e comprido, era imenso o universo do garoto simples, de uns 6 ou 7 anos.

Com o pedacinho de uma régua ou trena velha que deveria ter achado no chão, ele media o muro meticulosamente, palmo a palmo. Completamente absorto na cuidadosa e importante tarefa, não se importava com quem passava na rua. Talvez não mais lembrasse de que dia era, nem dos pais que não notaram sua ausência. Era tudo o que ele queria. Medir o muro. As gangorras e balanços que se movimentavam alegremente na praça cheia de gente não o atraíam tanto quanto o trabalho de aferição métrica.

Com as mãozinhas pequenas, levantadas acima dos olhos, palmilhava os pedaços de parede chapiscada, que a desgastada tira de trena permitia. Corpo e mente imersos, silenciosamente caminhavam juntos, a passos miúdos, nos centímetros que se multiplicavam ao longo da rua.

Qual seria a expectativa da relevante medição, do levantamento que ora requereria precisão tão atenciosa do dedicado topógrafo? Sabe Deus. São imponderáveis os encantos que habitam a mente pura da infância. Nem o olhar revela.

Somente a ele importava. Quem sabe estaria medindo sonhos de ser um futuro pedreiro, um mestre de obras, construtor, arquiteto? Quem sabe media a distância entre realidade e imaginação? Ou mesmo o tamanho dos limites impostos por sua condição...

Não, ele ainda não ligava para isso. Não tinha noção da dimensão das injustiças inerentes ao tecido social em que se inseriu desde que nasceu. Nem imaginava que eram muito maiores do que aquele muro, cuja extensão devagarzinho tentava aquilatar.

Antes que concluísse a esmerada tarefa, já perto da esquina, misteriosamente iluminada pelo poste, ouve o chamado da mãe:

— “Vem simbora, menino, que danado tás fazendo aí nesse escuro, ôxe?!!

E tudo desabou na seca realidade, que agora podia ser medida. Ainda bem. Melhor que ele não concluísse a sonhada medição. Assim se preservaria e guardaria, sem limites, os sonhos que aferia, dos quais jamais alguém saberia. Nem eu, nem você, leitor. Já saímos deste mundo, chamado por Jesus de Reino dos Céus...


Germano Romero é arquiteto e bacharel em música

Ela era princesa, filha de reis de um antigo império rico e exuberante. O reino vivia tempos de glória. Fortuna e beleza física eram motiv...

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Ela era princesa, filha de reis de um antigo império rico e exuberante. O reino vivia tempos de glória. Fortuna e beleza física eram motivos de cobiça, inveja, e a vaidosa rainha orgulhava-se ostensivamente de sua própria formosura.

“O senhor tem uma casa para alugar em Mussumago?”… Se não conhecesse o nome do bairro, pensaria em algum lugar distante, além-mar… ou mesm...

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“O senhor tem uma casa para alugar em Mussumago?”…

Se não conhecesse o nome do bairro, pensaria em algum lugar distante, além-mar… ou mesmo em um engano. Mas já não é tempo de trotes telefônicos. A identificação visualizável de qualquer chamada os afugentou. Ademais, o tom de voz parecia sincero.

Conta-se que no século XVIII um certo credor alemão, ao receber como pagamento informal um pacote com algumas partituras, espantou-se ao ab...

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Conta-se que no século XVIII um certo credor alemão, ao receber como pagamento informal um pacote com algumas partituras, espantou-se ao abri-lo. Familiarizado com a linguagem musical, foi capaz de ouvir a orquestra inteira no que viu ali escrito, de forma sublime. Como seria possível que obras tão belas estivessem sendo assim perdidas, trocadas como moeda comum, sem atribuição nem relevância?

Na sua feição artística, seja poética, dramatúrgica, romanesca, operística, coreográfica ou sinfônica, a tragédia consagrou-se ao long...

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Na sua feição artística, seja poética, dramatúrgica, romanesca, operística, coreográfica ou sinfônica, a tragédia consagrou-se ao longo de séculos como monumentais espetáculos concebidos pelo homem.

Na ciência sempre houve polarização ideológica. Na filosofia, na religião, idem. Em outras correntes do pensamento a polarização adquire r...

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Na ciência sempre houve polarização ideológica. Na filosofia, na religião, idem. Em outras correntes do pensamento a polarização adquire raízes desde que suas ideias brotam e fazem a humanidade refletir.

A convocação para a guerra era esperada e inevitável. Imagine a preocupação da família… Mas, ele não. Estava pronto e às ordens. Nunca es...

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A convocação para a guerra era esperada e inevitável. Imagine a preocupação da família… Mas, ele não. Estava pronto e às ordens.

Nunca esqueceu a visão de despedida que teve pela janela do trem, na estação ferroviária de João Pessoa, dos pais e da irmã caçula com uns 10 anos de idade. A garotinha tinha uma mão segurada pela mãe e a outra solta no adeus. O semblante tríplice era de cortar coração. O caçula dos homens estava indo para a guerra!

Estava decidido. Após a visão que experimentou diante daquela cena, sua jornada se tornara imprescindível. Contrataria um barqueiro na manhã...

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Estava decidido. Após a visão que experimentou diante daquela cena, sua jornada se tornara imprescindível. Contrataria um barqueiro na manhã seguinte. E lançaram-se ao mar. O tempo sombrio convidava-os ao silêncio. A circunspecção de Rachmaninoff não lhe permitia palavra alguma. A visão que o motivara à travessia não saía de sua imaginação. Desde o dia em que viu a tela de Arnold Böckling, a “Ilha” se entranhou ao seu imaginário.

Uma paisagem nunca foi tão decantada pela arte como “A Ilha dos Mortos". Inspirado na visão de Pontikonisi, o belo conjunto de rochedos...

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Uma paisagem nunca foi tão decantada pela arte como “A Ilha dos Mortos". Inspirado na visão de Pontikonisi, o belo conjunto de rochedos que emerge do Mar Mediterrâneo, perto de Corfu, na Grécia, o pintor suíço Arnold Böcklin criou-lhe 5 versões, ao longo de 6 anos, no final do século 19. As pinturas impressionaram o mundo artístico, entre especialistas, empresários e colecionadores. A última criação foi encomendada em 1886 pelo Museu de Belas Artes de Leipzig, onde ainda se encontra.

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A Ilha dos Mortos também influenciou outros pintores, como Salvador Dalí, notadamente em seu trabalho “Lado Oeste da Ilha dos Mortos”. E o alemão Michael Sowa pintou o que seria a “sexta versão", de Böcklin, uma espécie de paródia. Outros se sucederam e até o final do século XX surgem mais duas versões: A do arquiteto, pintor e cenógrafo Fabrizio Clerici, uma tela de mesmo nome (1974) e outra chamada "Homenagem a Böcklin", em 1977, concebida por seu conterrâneo, Hans Giger.

A Ilha continuou a produzir inspirações. No teatro, a peça "The Ghost Sonata" (August Strindberg ,1907), foi concluída com a singular paisagem. No cinema, o produtor Val Lewton usou-a em cenários dos filmes “I Walked with a Zombie”
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e “Isle of the Dead" (1945). Além de outras produções cinematográficas, a tela esteve presente até na TV, em um dos episódios da série “Pretty Little Liars”, escrita por Sara Shepard.

Na literatura, versões da pintura emergiram em romances como “O Mundo de Cristal” de J. G. Ballard, “Port Matarre”, de Roger Zelazny, e “The Warlord Chronicles”, de Bernard Cornwell.

Foi na Música que A Ilha dos Mortos se glorificou em belos poemas sinfônicos. Primeiramente com o romântico Heinrich Schülz-Beuthen celebrando-a em composição homônima. Em seguida, vieram o romeno-sueco Andreas Hallén, com "Die Toteninsel", em 1898, e Dezso d'Antalffy, músico húngaro, com mais um poema, de mesmo título, em 1907.

Em Rachmaninoff, a criação de Böcklin definitivamente se consagra no mais grandioso poema: A Ilha dos Mortos, Opus 29, de 1909, no qual está transcrita visionária travessia em direção ao monumento no meio do mar.


A morte encontrou nas artes plásticas um paraíso de estética e harmonia. As cinco versões de Böcklin, influenciadas pelas paisagens bordadas de rochas entre túmulos e ciprestes que resplandecem no Mediterrâneo, estão longe de remontar a qualquer ideia de sofrimento. A ilha é de tal formosura que os mistérios de sua primeira versão, em preto-e-branco, encantaram profundamente o músico Rachmaninoff.

Compositores célebres moldaram contornos de extrema beleza no que interpretaram como o fim da vida.
Pensar ser possível haver beleza na morte não parece algo simpático. Mas há no fenômeno inexorável, destino de todos, inevitavelmente imbuído de conotações dramáticas, um lado a ser visto e refletido a exemplo do fabuloso rastro de luz que uma estrela deixa fulgurar até nossos olhos, mesmo depois de morta, há milhões de anos...

Ainda que seja biologicamente natural, a extinção da vida corpórea não é encarada com a alegria e a ternura que emocionam o “vir a mundo” de um novo ser. Muito menos quando se parte de forma “precoce”, uma vez que nem todas filosofias explicam o motivo da vida material ser tão curta até mesmo em recém-nascidos…

No entanto, a inspiração humana não encontrou limites para extravasar seu sonho em torno da morte por meio da arte ao longo da história. Decerto poeta algum conteve-se diante da crisálida ou do casulo que abriga a transformação da lagarta para voar em nova vida.
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Nenhum fenômeno representa tão bem os ciclos de renovação vital da existência como a metamorfose protagonizada por mariposas e borboletas.

Na poesia, na literatura, na música, na pintura, a morte foi recriada e decantada sob múltipla expressividade. Com tristeza, emoção, dramaticidade, júbilo ou desolação houve notável eloquência em torno do ocaso nas obras de muitos artistas e escritores. Embora tenha pintado a morte com devassa e feérica alegoria, a beleza da construção literária no “Eu” de Augusto dos Anjos, por exemplo, emerge do velado sentido de transcendência à matéria inevitavelmente fadada a se decompor. O que nos faz entender que havia mais fé do que desesperança à sombra do tamarindo...

Talvez na música a morte haja obtido o seu mais abrangente espaço. Compositores célebres não pouparam a imaginação e a criatividade para moldar contornos de extrema beleza no que interpretaram como o fim da vida. Ravel colocou tanta poesia na “Pavana para uma infanta defunta” que a obra soa mais como ode do que elegia. Nos réquiens, composições baseadas na liturgia do funeral, Mozart e Fauré imprimiram momentos de rara delicadeza romântica. Verdi, Berlioz e Brahms impuseram perfil mais solene, envolvendo suas missas com grandiloquente beleza. Já Duruflé foi capaz de mesclar os traços antigos do canto gregoriano com romantismo e majestade em seu formoso réquiem.


Esta forma musical destinada a enriquecer o ritual fúnebre evoluiu durante séculos, celebrando a morte com música, prece, escrituras sagradas, na intenção de que através do enlevo melódico as almas fossem merecidamente recebidas no paraíso. Também serviram para homenagear os mortos e datas relativas à sua memória. Até se libertarem da liturgia estruturando-se entre os textos em latim e poemas contra a guerra, como no Réquiem de Britten, que se configura, para alguns, como funeral à insensatez humana.

Em muitas outras composições eruditas a morte teve seu canto de beleza. Foram missas, marchas fúnebres, sinfonias, cantatas, poemas sinfônicos e outras maneiras de representar o sentimento que ecoa com mais profundidade nos âmagos da razão. Na sinfonia “Eroica”, Beethoven deu ao segundo movimento um caráter de exéquias, decerto dirigidas ao fim de sua admiração por Napoleão, com quem tristemente se decepcionou. Chopin inseriu na segunda sonata para piano a marcha fúnebre que se tornou a mais conhecida entre tantas outras peças que nos motivam a ver beleza na morte.

Felizmente, temos com que aliviar os receios diante de uma “viagem” que foi retratada com excelência capaz de nos fazer acreditar que há algo de belo em sua essência.


Germano Romero é arquiteto e bacharel em música

A política rotulada historicamente como de “esquerda” se fortaleceu desde a célebre reunião da Assembleia Nacional Constituinte francesa, n...

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A política rotulada historicamente como de “esquerda” se fortaleceu desde a célebre reunião da Assembleia Nacional Constituinte francesa, na Revolução de 1789, sob nobres e irrefutáveis princípios ideológicos e humanísticos.

Ao chamar uma sinfonia inteira de "Poema Divino" o autor demonstra a que veio. E, logo no início, os graves metais já lançam a id...

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Ao chamar uma sinfonia inteira de "Poema Divino" o autor demonstra a que veio. E, logo no início, os graves metais já lançam a ideia de Divindade que o formidável moscovita desenhou em toda a sua obra, numa encarnação de apenas 43 anos. Assim, Alexander Scriabin classificou a 3ª de suas 5 sinfonias. À quarta e à quinta também deu títulos de poemas sinfônicos. “O Poema do Êxtase” e “Prometheu: O Poema do Fogo”.

Imprimir a ideia poética em obras sinfônicas foi comum a outros compositores clássicos. Em Scriabin, porém, é notória a influência do lado místico, aprofundado por seus conhecimentos teosóficos.


Na 3ª sinfonia, há uma peculiar “Introdução” que dura apenas um minuto. O bastante para expor a célula mater que expressará a “voz de Deus”, presente em todo o Poema. A seguir, o 1º movimento se inicia com brincadeira alegre e dançante rodopiando pelas cordas, contrapondo-se ao tom solene da abertura.

O caráter jocoso se desenrola até aparecerem os primeiros sinais de romantismo, esboçado em clamores insinuantes das cordas, na intenção de acolher a paixão como sentimento igualmente divino. Em seguida, o som dos metais volta a imprimir seriedade ao assunto, logo amaciado pelo novo tema que surge ritmado, concluindo o andamento com lirismo comovente.

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Na parte seguinte (minuto 4º), surge um trecho ao sabor de “baile”, arrematado com o retorno da grave introdução, que esmaece conectando-se com a alegre brincadeira do início, agora enriquecida de outros naipes. Aos poucos, ouvem-se sinais que prenunciam a tragédia como parte da Existência.

De súbito, o desabrochar de flores, borboletas e outras miudezas bucólicas da manhã surgem delicadamente em estrofes que voltam a revelar a personalidade divina, intensa, sob a qual se estabelece o significado do Poema. Entremeado das nuances já descritas, o movimento se desenvolve, fazendo-as desfilar em vários planos e registros permitindo as ideias se abraçarem amigavelmente com notável unidade harmônica. Alternando ritmos em períodos curtos e mais extensos, vem nova alusão ao “baile” já citado.

Assim consolida-se a bem lapidada diversidade de frases que adornam a ideia do Divino, entre aparições da Voz anunciada pelos metais no tema da introdução. Estas citações se reelaboram num colorido encantador, trocando de roupagem sonora em trechos que se dão as mãos como na “dança” de Matisse.

E o fim do primeiro movimento já se anuncia em clima crepuscular, mesclado às sensações iniciais, renovando-se com a delicadeza das flautas e flautins que assobiam como passarinhos voejando por copas verdejantes. O epílogo deste movimento é muito bem marcado por ritmo galopante de fragmentos temáticos com toda a orquestra, concluídos com a mesma Voz solene dos trompetes que abrem a peça, que logo se evapora aveludada pelas harpas a concluir a parte que Scriabin intitulou como “Lutas trágicas e misteriosas”.

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No segundo movimento, uma verdadeira prece é declamada. Confissões, introspecções, reflexões, íntimas e externas, emolduradas pela ternura do instante, são debulhadas até o êxtase central em que a angústia existencial das dúvidas, incertezas e sortilégios deblateram em crescente explosão preparada pelas harpas. O conjunto vai se fundindo aos arpejos que soam como filetes luminosos de conexão com os anjos. Há, porém, lampejos de resignação perante o destino, com olhar para as branduras da Fé. E a alma volta ao corpo confiante dos benefícios auferidos, fortalecida pela consolidação temática que se ampara em novas aparições da Voz.
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Esta “voz” tem uma elevada significância em toda a obra, mas se evidencia com mais ênfase no último movimento, que começa bucólico e dançante, e logo se exibe nos trompetes. Ela soa durante todo o Poema, mas agora é frequente e expressa nitidamente na pequena frase composta por “um sol e três mis bemóis”. É a célular mater que, como foi dito, simbolizaria a voz de Deus e diz claramente: “Confie em mim!” (sol - mi♭- mi♭ - mi♭).

A concepção desta parte final é burilada nos mesmos moldes de toda sinfonia. Riqueza de cores, timbres, ritmos, cavalgadas, bailes, gorjeios primaveris, tudo recitado em temas e subtemas que, embora diversificados, se estruturam em uma admirável atmosfera poética, única e coesa na firme intenção: retratar a sublimidade do Divino.

Nos três últimos minutos, a extraordinária composição assume grandiosidade espetacular. Concentra maciçamente a essência da linguagem pretendida ao juntar todas as forças da expressão musical na triunfal e extasiante exposição do tema conclusivo.

Unindo-se à introdução, a Voz clama, antes do último acorde, e se eterniza divinamente: “Confie em mim!”


Germano Romero é arquiteto e bacharel em música

A linha tênue, ainda obscurecida pela noite, vai, aos poucos, clareando e se torna mais nítida no horizonte sobre o mar. O silêncio da ampl...

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A linha tênue, ainda obscurecida pela noite, vai, aos poucos, clareando e se torna mais nítida no horizonte sobre o mar. O silêncio da amplitude se representa na sonoridade do suave pedal que se inicia com base nas cordas e trompas, quase pianíssimo. Assim Alexander Scriabin estreia a primeira de suas cinco grandiosas sinfonias, há exatos 120 anos.