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A capital paraibana já se tornara um destino para o qual convergia, aos poucos, toda a família. Primeiro veio um filho. Depois trouxe a mã...

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A capital paraibana já se tornara um destino para o qual convergia, aos poucos, toda a família. Primeiro veio um filho. Depois trouxe a mãe, Maria Antério, uma mulher abençoada, heroína que deu conta de criar os sete filhos com a maior das conquistas: o amor familiar.

Em seguida vieram as filhas, alguns netos e o caçula que se estabeleceu em Campina Grande. São de Patos, sertão bom, de gente boa. Faltavam Dennes, o “guerreiro”, o mais velho, que passou muitos anos trabalhando no Norte, e outro, em Santa Catarina, depois de morarem em vários estados.

E a vida foi passando… como tudo neste mundo. Com natais, reveillons e tantos encontros memoráveis de família que se ama. Após uma década, Maria adoece e alça voo. Mas foi e não foi, porque vive em todos, ainda hoje, que a têm como mãe que nunca se deixa nem deixa ninguém.

No último Natal, Dennes, o mais velho, mudou-se para cá. Sonho maturado, esperado, mesmo com a ausência da mãe que não foi… Brincalhão, jeitão de menino, símbolo inaugural de uma ninhada de amor, unida, amiga, de mais seis irmãos. Recém aposentado, com muitos anos de Amazonas, o derradeiro desejo foi vir para onde estava a família. Juntar-se aos seus e às praias queridas, com os amados irmãos, amigos-irmãos. O mundo para ele era todo irmão.

E assim chegou, no último Dezembro. Mesmo sem contar com o clima que sua vinda merecia, por causa da doença que assombra o planeta, encheu o coração de alegria. Pedalou, jogou, passeou, viu o mar, matou saudades de tantas saudades. Até de Maria.

Mas, quem diria?… Só o destino, que não se pondera, que não se prevê. Às vezes confuso, injusto ou cruel, aos olhos pequenos, mas tão soberano perante o Divino.

Quem diria que apenas seria um breve adeus?… Nem esquentou o lugar que pousou. Mal chegou e assim nos deixou. Culpar a doença, a pandemia? Não. Não há culpa no destino. Do caminho que é traçado por alguma razão. E por alguma razão há razão no destino.

O guerreiro não disse estar só de passagem. Que o sonho era lá, juntinho de Maria. Aqui flanou, nadou, caminhou, viu e reviu o que tanto queria. Mas não encontrou a paz esperada, aquela dos tempos de sua Maria. Do jeito que veio, largou sua roupa no mesmo lugar que ela deixou. Ali no Parque, que dizem de acácias, em busca de outro, do parque sublime, ao lado daquela que nunca se foi nem nunca irá.

Assim estará também o guerreiro, vindo e revendo sem nunca ter ido. No meio de todos que amam e se amam, em torno de todos, agora de todos.

Dennes chegou e já se mandou. Ah, seu guerreiro, amado e querido, segue brincando, eterno garoto!

Aqui ficaremos, ainda um tanto. Quem sabe o quanto, mas nunca em pranto, porque lembraremos de tua alegria, agora maior que todos os sonhos que é de abraçar a nossa Maria.

Vem por aqui, sempre que der. Aprende com ela o mesmo caminho. Ou venham abraçados, do jeito que estão, brincando ao léu no mundo do céu. Serás um ausente mais que presente. Presente de todos que te conheceram e que te admiram, hoje até mais. Pois aqui estarás e sempre serás o nosso guerreiro.

Muito já se disse, muito já se escreveu e muito se sabe sobre o senador José Maranhão. Sobre suas qualidades políticas, parlamentares, adm...

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Muito já se disse, muito já se escreveu e muito se sabe sobre o senador José Maranhão. Sobre suas qualidades políticas, parlamentares, administrativas, profissionais, empreendedoras e até pessoais como de bom piloto, fazendeiro, pecuarista. E olhe que gente de valor e saber literário como Ângela Bezerra de Castro e Gonzaga Rodrigues se dispôs a escrever sobre ele com o merecido título “Uma vida de coerência".

Imperceptível ou mesmo que negado seja, há nos íntimos recônditos da nossa consciência um traço, uma intuição, algo que nos sussurra um so...

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Imperceptível ou mesmo que negado seja, há nos íntimos recônditos da nossa consciência um traço, uma intuição, algo que nos sussurra um sopro divino diante do existir. É difícil não sentir, ainda que ínfima, uma ponta de entusiasmo, de emoção, ao contemplar o mundo, o céu, o mar, a vida, flores, estrelas, animais, plantas, e tudo o que existe.

“Estamos brincando de Deus” – foi o que nos disse, recentemente, um cientista da histopatologia, amigo nosso, ao se referir às incertezas ...

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“Estamos brincando de Deus” – foi o que nos disse, recentemente, um cientista da histopatologia, amigo nosso, ao se referir às incertezas e consequências das vacinas produzidas para nos imunizar contra o vírus corona. Em sua advertida colocação, ele leva em conta os riscos de um experimento que não dispôs do tempo necessário para mais testes de segurança, a exemplo de outros imunizantes historicamente utilizados.

No meio de uma das extensas escadas rolantes do secular metrô do centro de Londres, muito profundo em certas estações, um grupo de garotas...

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No meio de uma das extensas escadas rolantes do secular metrô do centro de Londres, muito profundo em certas estações, um grupo de garotas, entre jovens e adolescentes, entoava eternas canções. Não pareciam se incomodar em ser vistas, admiradas, ouvidas, encobertas pela aura de alegria e espontaneidade com que cantavam. Afinal, a autenticidade dá brilho às manifestações nas quais o entusiasmo ofusca qualquer indício ou resquício de timidez.
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Era início da noite de sexta-feira, em um outono de Londres, e quem sabe aquela empolgação se houvera acrescida ao término de um dia de escola, de olho no fim de semana…

A cena perpassou da observação ao encanto em todos nós, surpresos ao ver que, após 50 anos, quase o triplo da idade daquelas garotas, a música dos Beatles permanecia viva. Viva porque é clássica, e como clássica se eterniza. É possível se antever que no próximo século outro grupo de adolescentes, talvez em um metrô aéreo ou numa jornada às estrelas, solfeje as inesquecíveis melodias.

Muito já se disse, muito já se escreveu, estudos abundantes confirmam os Beatles como fenômeno incomparável. Não apenas sob aspectos sociológicos, ideológicos, psicológicos, mas sobretudo pela qualidade musical de suas obras.

Concebidas em processo evolutivo que acompanhou o tempo, criou e influenciou conduta de gerações que as vivenciaram e sucederam, suas músicas refletem exatamente a amplitude diversificada de estilos, mensagem e poesia.

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Bem além das partituras em que registrou a beleza das frases melódicas, o quarteto transmitiu ao mundo um manifesto inovador em prol do amor, do romantismo poético, causando ruptura paradigmática de costumes, contagiando, convidando à reflexão sobre as relações humanas, urbanas, principalmente por entoar um clamor à paz.

A arte dos Beatles impressiona qualquer estudioso de música erudita. Na tessitura composicional se insere cronologicamente uma estrutura enriquecida gradativamente, ao longo do exercício criativo, com processos mais ousados e bem elaborados, como ocorreu com grandes compositores da história. A simplicidade presente em um minueto de Bach, numa sonata de Mozart,
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numa sonatina de Beethoven, que se enrobustece em obras posteriores, a exemplo das grandiloquentes missas e sinfonias corais, é fenômeno circunscrito ao trabalho dos geniais rapazes ingleses.

Da bucólica inocência de Love me do, à pulsante alegria rítmica de Help e She loves you, do lirismo de The long and winding road às declarações amorosas de versos plenos de poesia, à instigante Sgt. Pepper's e à densidade dramática de A day in the life e Lucy in the sky with diamonds (com requintada participação do cravo), o espectro construído pelos Beatles é artisticamente completo. Não faltou por onde distribuir talento na obra que alcançou infinitas possibilidades.

Desde as canções primeiras, ainda restritas ao reduto britânico, já se percebe a arte de criar planos sonoros justapostos em aspecto contrapontístico, estabelecidos tanto nas vozes distintas como nos coros em background e na criativa instrumentalização. Já eram composições em que se denotava apuro técnico, ainda que adquirido pela talentosa inspiração, que tantas vezes se sobrepõe ao conhecimento acadêmico.

A afinidade com a concepção clássica de música se faz nítida sob vários ângulos, principalmente na sonoridade harmoniosa de linguagens simultâneas, rítmica, vocal e instrumental.
Paul McCartney revelou em entrevista possível influência da Bourrée em ré menor, de Bach, na melodia de Blackbird. O empresário e músico George Martin, tido como “o quinto Beatle”, fez menção à “Ária na Corda Sol”, também de Bach, na trilha sonora do filme Yellow Submarine. Há quem relacione os acordes iniciais de Because com os da Sonata ao Luar, de Beethoven, e a afinidade com a música erudita também se percebe nos solos dos instrumentos de cordas que acompanham, por exemplo, She’s living home e Eleanor Rigby — uma elegante composição com traços genuinamente clássicos. Ressalte-se igualmente a requintada participação do piano e outros teclados, em que desfilam tantas de suas músicas, como em Let it be e Hey Jude, na "barroca" parte central de In my life , no órgão que acompanha Long long long , sem esquecer da valorização da guitarra como voz de expressividade cantante singular exaltada em While My Guitar Gently Weeps .

Esta sintonia certamente estimulou as orquestras sinfônicas de Londres, Vancouver, Miami, São Petersburgo e a italiana Mitteleuropa Orchestra, entre outras, a produzir célebres arranjos e transcrições em cobiçados palcos, inclusive para gravação de álbuns.


A riqueza artístico-musical dos Beatles se estendeu e se enriqueceu por seus dramas e experiências de vida até os prenúncios e concretização da separação. Uma separação apenas física, com o espírito perpetuado nas carreiras solo.

A vivência mística com o psicodelismo, as conturbações existenciais, a busca pelos insights divinos por meio de alucinógenos, a aproximação com o hinduísmo e outras inserções em planos espirituais também pontuaram notória e notavelmente sua obra de maneira impactante.

A exploração instrumental foi igualmente profícua, em vários timbres, nos sopros, metais, cordas, teclados e até em cítaras. A percussão que recheia Revolution, o ritmo sincopado de Ticket to ride, a orquestração dos álbuns Magical Mistery Tour e Yellow Submarine,
o dissonante cromatismo de Being for the benefit of Mr. Kite e Tomorrow never knows atestam claramente a intimidade com a harmonia dos instrumentos.

Os Beatles excederam os limites e contornos de todos os outros grupos de música pop. Foram muito além de tudo. This boy, Girl , e You've got to ride your love away são exemplos da essência que caracteriza a plenitude de uma balada romântica. I me mine, o espelho da nostalgia, Penny Lane resume a força telúrica-urbana, o jingle dançante é imbatível em From me to you. O mistério se escuta em Blue Jay Way, a poesia permeia I'll follow the sun como em poucas canções, a doce harmonia coral de Because e Michelle é comovente. A religiosidade tem registro impressionante em Within' you without you . Em Helter Skelter a alma do rock se eterniza, para citar alguns exemplos alcançados pelo histórico conjunto.

A grande importância da criação desta inesquecível banda se imprime justamente na originalidade e abrangência de seu universo. A manifestação solidária, a relação entre a urbe e o ser humano, a rebeldia, a liberdade, o romantismo consolidam-se emblematicamente na grandiosa mensagem de paz, poesia e amor, presentes nas três memoráveis canções: All you need is love , Something e Yesterday . Melodias que indubitavelmente soarão pelos lábios das futuras gerações, por infinitas eras, em metrôs, naves espaciais ou na simples fantasia de um submarino amarelo.

Vejam que encadeamento interessante, no qual surpreendentemente se entrelaçam diversas manifestações do imaginário, nascidas umas das outr...

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Vejam que encadeamento interessante, no qual surpreendentemente se entrelaçam diversas manifestações do imaginário, nascidas umas das outras e ungidas com o néctar da inspiração criativa.

Na metade do século 17, durante a revolução inglesa que conseguiu combater o absolutismo estatal, reestruturar a política do país com adoção da monarquia parlamentarista que perdura até hoje, um grupo idealista protestante se destacou conhecido como “Os Puritanos”. De origem calvinista, eles combatiam a igreja romana, o poder real e rivalizavam com “Os Cavaleiros”, defensores do rei Carlos I, como protagonistas da guerra civil durante vários anos.

Este significativo e turbulento período exerceu influência em escritores como o poeta e dramaturgo escocês Walter Scott, nascido em Edimburgo no século seguinte, considerado o criador do gênero “romance histórico”. Entre os seus mais apreciados livros, está “Old Mortality”, que faz parte da série “Contos do meu senhorio” (Tales of my Landlord), dramatizado exatamente na guerra civil inglesa. Curiosamente, Scott influenciou músicos como Franz Schubert e Beethoven. O lied de Schubert, “Ellens dritter Gesang”, que se popularizou como uma “Ave Maria” católica, foi, na verdade, baseado em seu poema “A Dama do Lago” (Fräulein vom See), que forma parte do “Ciclo de Canções” do compositor austríaco. Já Beethoven utilizou poemas de Walter Scott em três de suas “25 Canções Escocesas, opus 108”.

O período revolucionário inglês influenciou o romancista escocês e contagiou dois grandes músicos. Há outros personagem, um ilustre compositor italiano, que foi mais além nesta história: Vincenzo Bellini.

No verão de 1833, dois anos antes de sua morte, Bellini se dirigiu a Paris para tentar conseguir a estreia de sua nova ópera, “Os Puritanos”, no cobiçado palco da Ópera de Paris. Além disso, duas de suas onze óperas – “Os Piratas” e “Montecchios e Capuletos” seriam encenadas naquela temporada de libretos italianos da “Opéra Comique”.
Somente no ano seguinte, Bellini se decidiu pela melhor oferta, do “Théâtre-Italien”, em valor superior à do Garnier e a obra estreou com retumbante sucesso em Janeiro de 1835. Dez meses depois, Bellini desencarna, ainda sob a formidável repercussão de “Os Puritanos”, que, com “Norma”, “A Sonâmbula”, “Os Piratas” e “Montecchios e Capuletos” figura entre as óperas italianas mais apresentadas pelo mundo até hoje.

Como se vê, o triunfante drama lírico também guarda ligações com a guerra civil inglesa e com o escritor Walter Scott, mencionados inicialmente.

O libreto encomendado por Bellini para “Os Puritanos” foi escrito por dois dramaturgos franceses, Jacques-François Ancelot e Joseph Xavier Saintine, inspirado na peça de teatro histórico “Cabeças Redondas e Cavaleiros” (Têtes Rondes et Cavaliers), cuja première aconteceu no Palais Royal de Paris, logo após “aquele” verão de 1833. O título se refere exatamente aos dois grupos que se opuseram na revolução inglesa: Os Cavaleiros, que defendiam o trono, e os Cabeças Redondas, contra o absolutismo estatal, assim chamados por causa do corte de cabelo curto, em contraponto às longas cabeleiras do lado oponente. A ópera, no entanto, é dramatizada em um cenário de dor e frustração amorosa em consequência dos horrores causados pelas guerras, civis ou militares, tema muito abordado historicamente na dramaturgia, seja no teatro, na literatura ou no canto lírico.


A primeira exibição se constituiu num grande acontecimento. Sua concepção em estilo de “Grand Opéra”, com orquestração ao nível do peso dramático do enredo e da riqueza melódica a exigir talentosa capacidade técnica dos cantores, deixaram o ambiente musical parisiense em êxtase durante muito tempo.

Dentro deste contexto de bravura e heroísmo, o enredo reserva aos puritanos um lugar de realce pelos ideais legítimos de justiça e liberdade. A eles Bellini dedica a triunfal marcha “Soe a trombeta sem medo” (Suoni la tromba e intrepido), um dueto em allegro fervoroso que instiga a lutas populares pela conquistas sociais e finaliza o 2º ato da ópera, sempre seguido de esfuziantes aplausos:

“Suoni la tromba, e intrepido Io pugnerò da forte; Bello è affrontar la morte Gridando: libertà!”
“Soe a trombeta, sem medo Eu esmurrarei com força Belo é afrontar a morte Gritando à liberdade”

Este entusiasmado duo de contrabaixo e barítono emociona plateias desde sua estreia em Paris, quiçá por exaltar a libertação de um povo explorado. É quase invariavelmente o trecho mais empolgante do drama.

Em meados do século 19, uma escritora italiana, princesa, jornalista, feminista, amante da música clássica, chamada Cristina Belgiojoso, distinguiu-se acima da nobreza de seu título pelos méritos de coragem e heroicidade.
Herdeira de uma fortuna considerável, após um rápido e fracassado casamento foi exilada do país em consequência do ativismo político na defesa da libertação da Áustria e se refugiou em Paris, sem poder usufruir do patrimônio. Mesmo assim, consegue sobreviver, constrói amizades importantes com os poetas Alfred De Musset, Heinrich Heine, o historiador François Mignet, o compositor Franz Liszt e cria um dos badalados salões literomusicais da capital francesa.

Após ter acesso à herança, foi assediada a empreender pela independência da Itália e por um mundo melhor. O ambiente em torno de si enriqueceu-se de boas relações, não apenas com os revolucionários Vincenzo Gioberti , Niccolò Tommaseo e Camillo Cavour, mas com intelectuais e artistas a exemplo de Tocqueville, Balzac, Victor Hugo, Augustin Thierry e François Mignet, todos importantes e influentes em sua vida.

Apaixonada por música, não podiam faltar recitais e concertos em sua bem frequentada sala no bairro de Montparnasse, que se prolongavam até tarde. Numa noite da primavera de1837, a princesa Cristina promoveu um célebre duelo pianístico entre Liszt e Thalberg para que a plateia apontasse quem era o melhor pianista. Os convidados conferiram-lhe a decisão, que ela inteligentemente anunciou: “Thalberg é o maior pianista, mas, como Liszt não existe”. Um diplomática saída. Apesar da crítica ter sempre considerado Liszt o mais virtuoso pianista da história até os dias atuais.


Certas lendas, possivelmente verdadeiras, contam que Liszt foi tão ovacionado pela capacidade técnica de compor e interpretar, além de ser portador de elegância e beleza física, que teria levado a alterar a tradicional posição de tocar de costas para o público”, como se apresentavam os pianistas da época, passando a se colocar de perfil. Contam também que Chopin admirava tanto o seu virtuosismo que confessava certa “inveja” ao escutá-lo executando suas peças, sobretudo quando já se encontrava com a saúde debilitada por conta da tuberculose.

As apresentações de Liszt no já comentado salão da princesa Belgiojoso tornaram-se disputadas. Todos queriam ver o “Paganini do piano” dedilhar com técnica e aptidão humana nunca vistas. E ele soube explorar bem a espantosa habilidade para compor, executar e transcrever para o piano como nenhum outro pianista da história. Sem falar na notável capacidade de orquestração demonstrada, por exemplo, em seus treze magníficos poemas sinfônicos.
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Transcreveu as 9 sinfonias de Beethoven para o piano, além de várias paráfrases, árias, aberturas e temas de óperas de outros compositores. Os seus dificílimos “12 Estudos de Execução Transcendental” levaram o pianista chileno Cláudio Arrau a dizer publicamente: “não houve e nem haverá humano capaz de executá-los como Liszt”. A Sonata Dante (“Après une lecture de Dante”) e a Sonata em Si menor estão classificadas entre as mais complexas e difíceis obras pianísticas.

As afinidades com as ideias socialistas do filósofo francês, Conde Saint-Simon, em defesa das classes operárias, que muito influenciavam a sociedade parisiense àquela época, atraíram Liszt para a ópera “I Puritani” ao ponto de compor duas produções inspiradas na primorosa partitura de Belinni, que estiveram presentes no seu repertório até o fim.

A primeira, “Réminiscences des Puritains”, uma "Grande Fantasia" fundamentada no respectivo drama,  logrou sucesso imediato e foi expressamente dedicada à princesa Cristina de Belgiojoso. Logo depois, a alteza lhe sugeriu criar outra peça baseada na mesma ópera para um concerto em benefício da comunidade carente das redondezas, em 1837. A ideia era convidar mais 5 compositores para contribuir, cada um com sua parte, na concepção do que se chamaria “Hexaméron”, um “Morceaux de Concerto” (peça de concerto) exatamente com transcrições da “Marcha dos Puritanos” (Suoni la tromba) para o piano.

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Inicialmente, Liszt imaginou-a para orquestra e dois pianos, depois a concebeu para piano solo. Mas, infelizmente, não foi possível concluí-la em tempo hábil para o evento filantrópico e Hexaméron, consagrado como epítome virtuoso do romantismo, igualmente dedicado à princesa Cristina, teve o seu honroso lugar na história da Música de outras maneiras. Para a criação destas 6 heróicas variações sobre o tema da marcha, célebres músicos de seu tempo, Sigismond Thalberg, Johann Peter Pixis, Henri Herz, Carl Czerny e Frédéric Chopin aceitaram o desafiador e ousado convite. Liszt escreveu a introdução, a primeira apresentação do tema, a 2ª variação (a 1ª é de Thalberg), o final e mais 3 interlúdios que ligam as demais partes conferindo unidade ao hexâmero. Terminou se apaixonando pela ideia, à qual acrescentou duas versões para dois pianos e mais uma para piano e orquestra. Outras formas surgiram ao longo de quase 2 séculos, incluindo uma composta por 6 pianistas da atualidade, que estreou em 2010, no Festival da American Liszt Society, em Nebraska.


Na concepção original, cada partícipe desta inusitada criação imprimiu sua personalidade. Ainda que imaginado por Liszt com perfil de concerto, o Hexaméron é estruturado no estilo “Tema com Variações”, uma forma muito diversificada e utilizada por compositores de todas as eras como Bach, Haendel, Mozart, Haydn, Beethoven, Chopin, Tchaikovsky, César Franck, Mendelssohn; Brahms, Poulenc, Schubert, Schumann, Glazunov, Rossini, Paganini, Richard Strauss, Elgar, Scriabin, e tantos outros que reconstruíram sua personalidade sobre temas e melodias alheias.

Neste exemplo tão especial, o espírito é o mesmo, porém substancialmente reforçado pela admirável criatividade com que os artistas do talentoso “sexteto” se abraçaram em total sintonia, incentivados pela nobre princesa. A sequência em que eles aparecem com suas variações, sem considerar o “regente” da ideia, e Bellini, autor da marcha operística que o originou, é a seguinte:


1º / Franz Liszt (1811-1886) 2º / Sigismond Thalberg (1812—1871) 3º / Johann Peter Pixis – (1788-1874) 4º / Henri Herz (1803-1888) 5º / Carl Czerny (1791-1857) 6º / Frederic Chopin (1810-1849)

A introdução , claro, coube a Liszt, que constrói um solene portal de entrada, com células de colcheias e semicolcheias sincopadas, anunciando o que pretende e já exibe, por entre o suspense dos graves trinados, pequenos fragmentos do tema principal, sem mostrá-lo por inteiro. Em seguida, doce e delicadamente, descortina-o com a força de sua personalidade virtuosística, quando procede à primeira exibição da marcha com merecida pompa.

A primeira variação é cedida a Thalberg, que se posta em merecido nível pianístico, muito próximo do perfil lisztiano. Embora curta, menos de um minuto é suficiente para emoldurar o tema com bonitos e complexos arroubos cromáticos.

A segunda variação é de Liszt, que bem reflete o carinho com que se esmerou nesta realização. A melodia oscila e passeia por incrível habilidade em que ele imerge completo. Ecoam rapsódias, paráfrases, concertos, sonatas, com as quais impressiona o mundo até hoje na sua insuperável pirotecnia de composição e interpretação.

Sucede-se de imediato a terceira, de Johann Pixis, que contempla certa polifonia, com vozes se entrelaçando alegremente entre uma mão e outra, em graves e agudos, ornada com repetição de acordes, melodia em oitavas, trinados de terças e ritmos contagiantes. Ao final, se conecta ao primeiro interlúdio, com que Liszt arremata-a em apenas 20 segundos, criando um elo de ligação à próxima parte, de Henri Herz. É quando Herz transfere todo o tema da marcha para a mão esquerda, enquanto a direita se estende em profusa guirlanda de escalas ornamentais, muito bem entrosadas à melodia que se entoa nos graves. Chega, então, o privilegiado aluno de Beethoven e professor Carl Czerny, grande sinfonista, concertista, dedicado aos métodos para ensino do piano por meio de belas peças de caráter tecnodidático, que integram programas de escolas de música até hoje. E o Czerny do Hexaméron honra sua participação demonstrando que é realmente um mestre da música para teclado.

Surge Liszt com mais um opulento interlúdio, o segundo, que prepara com nítida reverência a última variação: a de Chopin! Após o triunfal prenúncio, com as células que esculpiu o portal do início, Liszt vai calmamente se retirando de cena, deixando a suavidade chopiniana se aproximar.

Ouve-se então a delicadeza inconfundível do amigo, talvez o mais próximo de si, no espírito e admiração mútua: Chopin (!), que desfila genuinamente burilado em singularíssima participação. Um deleitoso momento, este sublime epílogo do triunfante “sexteto”.
Liszt parece infundir profundo respeito à variação de Chopin, sequenciando-a com o último interlúdio, que flui com refinada sonoridade.

Mas o universo de delicadas filigranas dura pouco. Chega o estupendo “Finale” com toda autenticidade de Liszt, em que a Marcha dos Puritanos é ovacionada no merecido e radiante coroamento. A aclamação e frequência com que uma marcha tão curta, construída com melodia simples, é acolhida até hoje intrigam estudiosos e admiradores da Música. A maioria lhe atribui popularidade associando-a aos ideais de justiça e cantos de liberdade de todo o mundo ocidental, pois pôde ser entoada com o mesmo ardor tanto em um bistrô dos Pirineus, numa taberna da periferia de Madrid, em recitais para renomada aristocracia nos salões palacianos ou em concertos de gala para a nobreza real. Sobretudo sendo a ópera “Os Puritanos”, estruturada em uma história de amor vivida sob a guerra, suas terríveis consequências, inspirada em aventuras bélicas, ao estilo dos romances históricos de um escritor escocês, com libreto de autores franceses e escrita para o público parisiense.

Sem dúvida, uma inteligente e requintada escolha de Vincenzo Bellini, imortalizada por sua beleza, revivida por meio de um pequeno trecho — uma marcha de apenas 24 compassos —, recriada por 6 ilustres pianistas unidos pelo elo mágico de um precioso rosário com estreitos laços entre música, história, drama e literatura.

Em toda primeira manhã do ano, nos vem uma recorrente sensação de mesmice. A impressão de que nada mudou, de que a notória euforia pautada...

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Em toda primeira manhã do ano, nos vem uma recorrente sensação de mesmice. A impressão de que nada mudou, de que a notória euforia pautada na esperança da mudança é tão grande quanto a ilusão. Nada mais verdadeiro, uma vez que as referências numéricas, calendas, dia disso, dia daquilo, é tudo invencionice.

Hoje é dia de Reis… será que foi mesmo no sexto dia do primeiro mês do ano "zero" que os magos do oriente se dirigiram até Jesus, guiados pela sintonia com o grande acontecimento, para prestar-lhe a sagrada reverência? Bem, segundo o mestre em Mitologia, Milton Marques Júnior, janeiro nem é, originalmente, o primeiro mês do ano, e sim março, se não me falha a memória nada grega.

Hoje é dia de Reis… data em que o nosso amado pai, Carlos Romero, rompeu o casulo para voltar a voar. Um voo merecido, já esperado, com as generosas asas que até hoje abençoam nossa gratidão. Nunca esquecemos o dia em que, a umas duas semanas de seu desenlace, a amiga Suely Cavalcanti Dias, em visita ao hospital para ver papai e lhe aplicar uns passes magnéticos - que tão bem escorrem de sua aura luminosa - ao sair do quarto, me disse no corredor: “Prepare-se. Ele já está tecendo o casulo. Em breve alça voo”. O que mais impressionava era a serena suavidade das palavras, que, com a mesma serenidade se transferiam de seu olhar ao meu coração. Era dezembro… mês 10 ou 12, hein, Milton?

E o dito foi feito. No seguinte dia de Reis, como hoje, o espírito dele se desatou do corpo que já não lhe dava prazer às emoções, que já não condizia com sua alegria de viver, de criar, de pensar e realizar o bem com que pautou toda a encarnação. Bem dito dia de Reis, do rei, do nosso rei, eterno rei…

Cinco anos se passaram. E a gente quase nem sente, com ele tão presente, onipresente. É mais um dia, mais um ano, igual a todos. Cheio do mesmo amor, tão iluminado e tranquilo como as manhãs de todo ano novo. Sempre as mesmas.

Que diferença faz, se foi no dia 6, de Reis, de Iemanjá, de Natal? Nenhuma. Quando desço as escadas pelas manhãs que nem mais conto e me deparo com o seu retrato iluminado de sorriso, na parede da sala, é sempre um novo dia, repleto de amor, de gratidão, de boas lembranças, de tudo isso que vence as barreiras do tempo, do espaço, coisa criada por nossa mente inventiva.

Que diferença faz se há dois anos ele partiu, se nunca partiu? Se foi mas ficou, desafiando o tempo que faz voltar toda vez que com ele sintonizamos? Nenhuma. Um ano a mais, um ano a menos, nunca será mais, nem menos, para quem continua mais vivo do que nunca, como costuma dizer nossa querida amiga Ângela Bezerra de Castro.

Hoje é dia de Reis… Viva os Reis Magos!

De uma chuva o prelúdio terminou virando música. Do céu de Valldemossa, nas janelas de Maiorca, no Mar das Baleares, ou mesmo da Po...

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De uma chuva o prelúdio terminou virando música. Do céu de Valldemossa, nas janelas de Maiorca, no Mar das Baleares, ou mesmo da Polônia, em Zelazowa Wola, onde antes renasceu, foi colhido o lampejo para tal composição. Imaginem que beleza!

Difícil imaginar um pai perder sua única filha, vítima de doença súbita com apenas 5 anos de idade, logo após ser sentenciado com endocard...

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Difícil imaginar um pai perder sua única filha, vítima de doença súbita com apenas 5 anos de idade, logo após ser sentenciado com endocardite incurável e, mesmo diante de tamanha fatalidade, escrever o seguinte:

Foi só no que pensei... A surpresa era imensa, pois sequer imaginava-o doente… Doente do corpo, claro, porque da mente dificilmente seria.

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Foi só no que pensei... A surpresa era imensa, pois sequer imaginava-o doente… Doente do corpo, claro, porque da mente dificilmente seria.

O planeta inteiro apenas para os dois irmãos povoarem! Um coordenaria e outro executaria o ousado projeto. Tal como uma tela em branco, pe...

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O planeta inteiro apenas para os dois irmãos povoarem! Um coordenaria e outro executaria o ousado projeto. Tal como uma tela em branco, perante a qual o pintor se depara sob prévia inspiração, foram incumbidos de moldar inúmeras formas de vida sobre aquele paraíso nada morto. Não havia limites. Toda criatividade era permitida, obviamente para resultados ao nível do berço em que brotariam privilegiados seres.

Vamos à sessão de despedida. Ou melhor, de desapego! Não é sessão de “descarrego”, alto lá, que pode até ser assunto de outro texto.

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Vamos à sessão de despedida. Ou melhor, de desapego! Não é sessão de “descarrego”, alto lá, que pode até ser assunto de outro texto.

Protestos em favor das massas, contra a histórica exploração do povo pelo poder absoluto, mantenedor de gritantes desigualdades em regimes...

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Protestos em favor das massas, contra a histórica exploração do povo pelo poder absoluto, mantenedor de gritantes desigualdades em regimes políticos ditatoriais, também estiveram presentes na música erudita. Na popular atingiu de forma mais abrangente as classes sociais, sobretudo em eras com mais liberdade. No Brasil, Chico Buarque e Geraldo Vandré talvez representem as icônicas bandeiras que tremularam por justiça, principalmente no período de repressão dos anos 60.

A história de mártires emblemáticos que lutaram em defesa dos oprimidos inspirou compositores clássicos em extraordinárias produções, como a trajetória do cossaco que liderou uma rebelião contra a nobreza aristocrática e os tsares do sul da Rússia. De origem camponesa, o ruteno Stenka Razin empreendeu, no século 17, longo trajeto pelas margens do Volga, influenciando o povo das estepes a se unir contra a tirania, expulsando cobradores de impostos, atacando a aristocracia, dominando cidades e destronando líderes do império tsarista.

O movimento empunhado por Razin eclodiu e transcendeu a diferenças inimagináveis a ponto de lograr convergência ideológica tanto de muçulmanos como de cristãos ortodoxos, cossacos e eslavos, inclusive de Moscou.

O poder imperial, no entanto, sufocou o plano de ação, que não chegou a 4 anos, e Stenka Razin terminou esquartejado em praça pública. O líder passou a ter sua saga inserida na lírica de respeitáveis poetas, músicos clássicos, no cancioneiro popular e transformou-se em símbolo da resistência contra a tirania do império durante séculos. Entre outras homenagens, após 238 anos de sua morte, uma estátua sua foi erguida a mando de Lênin, no dia do trabalhador, na cidade de Rostov-on-Don, sul da Rússia, próximo de onde nasceu.

Um dos maiores músicos do século XX, Dmitri Shostakovich, nascido em São Petersburgo, 1906, compôs uma sinfonia suntuosa inteiramente dedicada à memória de Stenka Razin. Ilustrada com poemas do notável poeta siberiano revolucionário,
Yevgeny Yevtushenko, a obra-prima também ficou conhecida como “Babi Yar” (um dos poemas), que se refere à área ucraniana, um vale imenso, onde foram executados milhares de judeus, na segunda grande guerra, em 1941.

Yevtushenko ganhou notabilidade por pautar sua criação poética na denúncia explícita contra o anti-semitismo, à qual Shostakovich, que serviu ao Soviete Supremo, moldou sua 13ª sinfonia. Concebida em caráter recitativo, é tida como grande cantata para orquestra, voz (baixo) e coral masculino, mas bem que poderia ser encenada como uma magnífica ópera. O resultado foi estupendo. São cinco movimentos que duram uma hora de pura simbiose artística entre história, arte, drama, música e literatura.

O perfil declamativo marca toda a obra. As narrativas letradas (coro e solista) são melodramáticas e dialogam constante e intrinsecamente com a orquestra, o que faz a eloquência romântica preponderar. O incisivo caráter de protesto, às vezes marcial, emerge pontualmente com o texto envolvido pela majestade sinfônica, entrelaçados com a música sob total integridade harmônica. Contém passagens e cenários que vão do jocoso ao trágico, durante os quais toques de sino estão sempre a lembrar o ambiente inquisitório em que se desenvolve a brava sagacidade de Stenka Razin.


No primeiro movimento, “Babi Yar”, Shostakovich manifesta-se em tom de hino contra o massacre na região próxima a Kiev, em 1941. O contorno teatral sugere episódios dramáticos da vida de Razin, com alusões à hipocrisia dos poderosos que se dizem “protetores do povo”. É uma ampla denúncia oral-musical contra a repressão, contra o destino do personagem principal, em estrutura operística, interlúdios, com referências a obras como o “Caso Dreyfus”, o “pogrom de Białystok“ e a história de Anne Frank. Mas a trajetória do protagonista, que concedeu o nome mais importante à sinfonia – “A execução de Stenka Razin” – é o cerne temático desenhado com todo o suspense e emoção que o heroismo descrito requer, como mostra o trecho a seguir (em tradução informal):


“Em Moscou, capital de paredes brancas, um ladrão desce rua abaixo com um pão de semente de papoula. Ele não teme ser linchado. Não há tempo para pães Estão trazendo Stenka Razin! O czar abre um vinho de Malvasia, Diante do espelho sueco, espreme uma espinha, experimenta um anel de esmeralda e olha para a praça … Estão trazendo Stenka Razin!”

Na segunda parte, chamada “Humor”, predominam o clima burlesco, o deboche e a sátira popular, virtudes das massas que os tiranos frequentemente tentaram sufocar. Com intenção de zombaria, o autor cita um poema escrito pelo escocês Robert Burns,
da época de Razin, sobre um fora-da-lei que na véspera de ser executado escreve um bem-humorado lamento.

O terceiro movimento é um adagio rito-litúrgico que ressalta a carestia sofrida pelo operariado, com limitação de acesso a bens materiais. Basicamente composto de bonitas e lamentosas canções, bem ritmadas, acompanhadas por cordas graves e trompas, entoadas em alternância entre o coro e o baixo. que caminham para o auge da dramaticidade, com a orquestra se sobrepondo a tudo num explosivo crescente, reforçado pelo grande coro, no ápice em forma de desabafo.

Profundamente sombrio e misterioso inicia-se o 4º movimento, um Largo nomeado como “Medo”, todo cantado com o texto de Yevtushenko, que a crítica costuma citar como um das mais ousadas orquestrações de Shostakovich. Há nele maior veemência no clamor contra a repressão soviética, enfatizada por furiosos arroubos que se alternam com suavidade musical, sempre em tom de suspense. Algumas dissonâncias propositais anunciam a coragem dos que marcham pela revolta, quando é declamado o excitante trecho (em tradução informal):


"Os medos estão morrendo na Rússia. Não temos medo de obras em nevascas Ou de entrar em uma batalha Sob o fogo de granadas. Corajosamente, camaradas, marquemos nosso passo”

Sucede-se a tensão rumo à apoteose sinfônica estonteante a prenunciar o desfecho com os derradeiros lamentos do cantor.

A última parte inicia-se suavizada pela melodia delicadamente emoldurada por sopros, sugerindo cores de esperança em ritmos saltitantes que se mesclam à festiva conversa entre o cantor e o coral. É um doce final, mais lírico, mais romântico, embora a sátira se faça pontualmente presente, como o compositor ousou surpreender na finalização inusitada de outras sinfonias. Conclui-se que haja neste último movimento um sentimento reconfortado de missão cumprida. Tanto de Stenka Razin, o herói, como do autor, igualmente laureado pela concepção de tão magnânimo trabalho.

A beleza criativa desta sinfonia, que reúne poesia, realidade e música grandiosamente lapidada pelas posições políticas e dons artísticos de Shostakovich, até hoje encoraja ativistas e idealistas que se empenham por um mundo melhor. O que nos faz desejar que a Arte continue a refletir os anseios de justiça e liberdade, em todas as formas de expressão, seja clássica ou popular.

Enquanto olhávamos pela janela o interior do pequeno chalé à beira do fiorde, em Bergen (Noruega), e o cenário que de lá se avista, a músi...

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Enquanto olhávamos pela janela o interior do pequeno chalé à beira do fiorde, em Bergen (Noruega), e o cenário que de lá se avista, a música de Edvard Grieg de pronto ecoou na paisagem.

Compositores, poetas, artistas plásticos, escritores que engrandecem a História inspiraram-se nos traços de sua terra, de seu povo, mitos, lendas, literatura, virtudes, nacionalismo, rendendo-lhes homenagens transpostas magistralmente do real ou imaginário para a linguagem em que se expressaram.

Um pouco afastado do gracioso sobrado onde viveu, ainda existe o pequeno chalé que Grieg usava para escrever música. Um piano de parede, um sofá e uma estante com livros compõem a modesta e aconchegante decoração. Nada mais seria preciso ao enlevo criador, pois a visão que dali se descortina é estonteante. As noites de lua que cintilaram naquelas águas estão nitidamente refletidas no adagio de seu único concerto para piano e orquestra.

Poemas, sinfônicos ou literários, sinfonias, aberturas, óperas, balés, pinturas, epopéias, tragédias, dramas, comédias e tantas outras formas de arte foram admiráveis em narrar, homenagear, glorificar e retratar o assunto com magnífica amplitude e fidelidade. Romances, biografias, cenários paradisíacos, épicos ou dramáticos, sagas, lendas, sátiras, tudo deu origem a bem lapidada criatividade.

“Love in Bath”, de Haendel, “O ouro do Reno”, de Wagner, a “Sinfonia Alpina,” de Richard Strauss, “Prometheu”, de Scriabin, “A Pastoral”, de Beethoven, “As metamorfoses de Ovídio”, de Dittersdorf, a Sinfonia Fantástica de Berlioz, “Peer Gynt”, de Grieg, são exemplos de música incidental, descritiva ou programática, que desenham com excepcional nitidez os sentimentos que as produziram.

A “Sinfonia Kullervo”, de Sibelius, é um conjunto de 5 poemas sinfônicos que faz jus à forma e descreve com autenticidade impressionante a história trágica de um personagem da mitologia finlandesa que inspirou o médico e linguista Elias Lönnrot a compilar o épico poema “Katevala”, em 1835, a partir de canções fínicas antigas – “rúnicas” – impregnadas de feitiço e magia.


Para certos historiadores, a obra reflete o imaginário nacional do país nórdico. São 50 “cantos” com narrações que abrangem a criação do mundo, guerras, tragédia, paixões e heróis com poderes mágicos, até o prenúncio da chegada de um novo deus, supostamente o Cristo.

Nesta obra, Sibelius constrói a trajetória do desafortunado personagem que descobre que a família foi assassinada pela tribo que o acolheu após massacrar seu clã. Ainda criança, ele é vendido como escravo, sofre muito e consegue fugir ao ficar sabendo de que há familiares sobreviventes. Acaba por seduzir uma garota sem saber que é a própria irmã, julgada morta. Quando ela descobre, horroriza-se e comete suicídio afogando-se no rio.
Kullervo enlouquece e a vingança ganha força capaz de fazê-lo voltar à tribo que o criou para, com seus poderes, exterminá-la. Sendo a desforra o propósito que o cegou, após satisfazê-lo, morre lançando-se sobre a própria espada.

Os cinco movimentos desta sinfonia relatam fielmente a parte do poema épico “Kalevala”, que se refere particularmente à saga do herói nativo, personagem marcado por vingança e sarcasmo que impressionaram Sibelius. Uma história que, 124 anos depois, inspiraria o escritor britânico J.R.R. Tolkien a criar, segundo os críticos, “o mais sombrio e trágico de todos os seus personagens” (A História de Kullervo, 2016).

Na introdução, delineia-se o caráter da inevitável fatalidade, poder e bravura presentes no drama a ser narrado. O talento de Sibelius para a sinfonia romântica logo se evidencia na tessitura grandiosa e eclética capaz de mesclar orquestração brilhante e filigranas que remontam às canções rúnicas finlandesas.

O segundo movimento refere-se à juventude de Kullervo, vigoroso, livre da infância escravizada, esboçada no sombrio sentimento inicial. A seguir, a sensação de liberdade e novas descobertas se desenvolvem com grande entusiasmo. As marcas do destino, contudo, são inevitáveis, e eclodem veementes na parte central. O destemido espírito das tribos também é caracterizado em ritmos contagiantes.

O terceiro andamento, tido como a espinha dorsal da sinfonia, é dedicado a Kullervo e sua irmã. Começa de forma lírica, com alegria e plenitude pela nova fase da vida dele, coroada pela primeira aparição do vibrante coral masculino – uma ode ao novo espírito livre e vigoroso do escravo liberto. Tudo gira em torno do fatídico romance com a variedade que a narrativa requer: as aventuras amorosas precedentes, o reencontro, o anonimato inocente, em aparições diversificadas e ecléticas. Duetos do casal, entremeados de coral, rompantes orquestrais, esfuziantes temas e alegorias compõem o mais extenso movimento, em que abundam textos do Kalevala.

O fervor dramático explode várias vezes, descrevendo a gravidade dos acontecimentos e do ambiente tribalístico. A consagração do amor pela irmã, os colóquios ardentes, a decepcionada supresa ao tomar conhecimento do inglório parentesco, a desgraça de ambos, o suspense que antecede o suicídio dela jogando-se no rio, o grito de tristeza dele, a revolta, a supremacia do desejo de vingança são temas que emergem nos ápices sinfônicos apaixonados e na delicadeza de canções doídas que precedem a tragédia. Sozinha na floresta, consternada, prestes a se despedir da vida, ouvindo os pássaros, ela faz ecoar o seu lamento.

Um instante de profusa dramaticidade descreve a sua angústia, sucedido pela revolta esbravejante do irmão diante da crueldade do destino. Mas, eis que prepondera sua índole vingativa ao se decidir por manter o plano premeditado.
Sucede-se o quarto, a batalha! Inteiramente emoldurado com o caráter bélico da obstinação ansiada pelo irado protagonista. Aqui Sibelius transcreve musicalmente a essência textual: “Partiu para a guerra, alegrando-se com a batalha”. Ostensivamente feérico, este movimento vai se encorpando lentamente em crescente premonição. Tudo se desenvolve no mesmo clima até o fim da contenda em que, com poderes sobrenaturais, Kullervo consegue exterminar toda a tribo que vitimou sua família no passado. Sua morte é descrita com a força gritante de golpes sonoros a invocar a própria destruição, e bem lembram o diálogo do coro entre ele e a espada:

— “Agradaria a esta lâmina comer carne culpada e beber sangue pecaminoso?

— “Por que não me agradaria comer carne culpada e beber sangue pecaminoso? Já que eu como a carne e bebo o sangue dos inocentes?”

E ele atira-se morrendo pela própria espada, sob os brados do coro com fúria brutal:

— “Assim foi a morte do jovem, o fim do herói, a morte do malfadado”.

O final da sinfonia é concluído com o que se pode chamar de uma apoteótica missa de réquiem, com todas as características pomposas e litúrgicas. O sentimento de consternação e desventura inicial vai crescendo paulatinamente e cede lugar aos traços de um heroísmo tão imponente que o ouvinte já não sabe se é o autor,
o herói ou a música que triunfa com tamanha grandiosidade.

A epopéia nórdica inspirou Jean Sibelius desde que a leu, ainda muito jovem, para outras peças, como as que compõem a suíte "Quatro Lendas de Kalevala" (Opus 22), em que se incluem o “Cisne de Tuonela”, “Lemminkäinen e as Ninfas da Ilha”, "Lemminkäinen em Tuonela", "O Retorno de Lemminkäinen". Além de "Tapiola" (Opus 112), seu último poema sinfônico. Para a crítica, entretanto, Kullervo é obra-prima monstruosa que extrapola todos os limites de sua época. Sua imponente brutalidade infunde medo e respeito, mas, na essência, é uma peça romântica. Para o escritor e compositor finlandês, Karl Flodin, “nunca mais Sibelius criaria algo tão descaradamente megalomaníaco”.

Apreciando esta colossal concepção para grande orquestra, coro masculino, barítono e mezzo-soprano, que resume todos os aspectos dramáticos do lendário personagem, é possível avaliar o poder inspirador para elaborar música erudita que se abraça com a fantasia, com o enredo mitológico e as raízes de um povo. Uma força que pode se originar tanto da leitura de epopeia compilada com canções bálticas, de 3 milênios de idade, como da contemplação de uma bucólica paisagem avistada da janela de um chalé no fiorde de Bergen.


Germano Romero é arquiteto e bacharel em música

Ele queria medir o mundo. Com as mãos ou com as ideias. O mundo e vários outros que cabiam na imaginação fértil, na mente encantada das cr...

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Ele queria medir o mundo. Com as mãos ou com as ideias. O mundo e vários outros que cabiam na imaginação fértil, na mente encantada das crianças.

Havia se afastado dos adultos, decerto sorrateiramente ou mesmo sem se aperceber. Atraído pela penumbra da rua perpendicular à praça, ambiente mais propício a libertar o imaginário, engrandeceu-se no sossego da solidão.


Ali, à certa distância dos familiares, bem entretidos no banco da praça iluminada e dominicalmente festiva, ele se sentia livre, jamais só. É admirável a capacidade das crianças em construir e interagir num mundo próprio, com infinidade de sonhos e personagens. Naquele instante, na calçada que beirava o muro alto e comprido, era imenso o universo do garoto simples, de uns 6 ou 7 anos.

Com o pedacinho de uma régua ou trena velha que deveria ter achado no chão, ele media o muro meticulosamente, palmo a palmo. Completamente absorto na cuidadosa e importante tarefa, não se importava com quem passava na rua. Talvez não mais lembrasse de que dia era, nem dos pais que não notaram sua ausência. Era tudo o que ele queria. Medir o muro. As gangorras e balanços que se movimentavam alegremente na praça cheia de gente não o atraíam tanto quanto o trabalho de aferição métrica.

Com as mãozinhas pequenas, levantadas acima dos olhos, palmilhava os pedaços de parede chapiscada, que a desgastada tira de trena permitia. Corpo e mente imersos, silenciosamente caminhavam juntos, a passos miúdos, nos centímetros que se multiplicavam ao longo da rua.

Qual seria a expectativa da relevante medição, do levantamento que ora requereria precisão tão atenciosa do dedicado topógrafo? Sabe Deus. São imponderáveis os encantos que habitam a mente pura da infância. Nem o olhar revela.

Somente a ele importava. Quem sabe estaria medindo sonhos de ser um futuro pedreiro, um mestre de obras, construtor, arquiteto? Quem sabe media a distância entre realidade e imaginação? Ou mesmo o tamanho dos limites impostos por sua condição...

Não, ele ainda não ligava para isso. Não tinha noção da dimensão das injustiças inerentes ao tecido social em que se inseriu desde que nasceu. Nem imaginava que eram muito maiores do que aquele muro, cuja extensão devagarzinho tentava aquilatar.

Antes que concluísse a esmerada tarefa, já perto da esquina, misteriosamente iluminada pelo poste, ouve o chamado da mãe:

— “Vem simbora, menino, que danado tás fazendo aí nesse escuro, ôxe?!!

E tudo desabou na seca realidade, que agora podia ser medida. Ainda bem. Melhor que ele não concluísse a sonhada medição. Assim se preservaria e guardaria, sem limites, os sonhos que aferia, dos quais jamais alguém saberia. Nem eu, nem você, leitor. Já saímos deste mundo, chamado por Jesus de Reino dos Céus...


Germano Romero é arquiteto e bacharel em música