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O trato continuado com a ensaística de Ângela Bezerra de Castro não dá margem a assomos de surpresa com a sua poesia. Ela não tem feito ou...

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O trato continuado com a ensaística de Ângela Bezerra de Castro não dá margem a assomos de surpresa com a sua poesia. Ela não tem feito outra coisa, desde que se dedica ao cultivo literário, senão exercícios de percepção poética. Se o resultado ganha a aparência de ensaio ou discurso, não seja por isso, pela forma comum, que ele se dissocie do conteúdo poético. Boa parte das pessoas que se confessaram surpresas com aquele mínimo de espaço transbordante de poesia, trazido a público no blog de Germano Romero, se disso não sabiam, bem o pressentiam.

Algumas vezes a revisão do jornal se arrastava até a madrugada. Fosse por algum ato de última hora ou pela onda de oposição que começava a ...

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Algumas vezes a revisão do jornal se arrastava até a madrugada. Fosse por algum ato de última hora ou pela onda de oposição que começava a abalar a cabeça e os porões do Catete. “Mar de lama”, no discurso de Afonso Arinos, com maremoto no atentado a Lacerda. Na Paraíba mesmo ecoou forte o anátema saído do discurso de um dos nossos senadores, Argemiro de Figueiredo: “É preciso matar este governo para que sobreviva a nação”. O imã dos acontecimentos neutralizava a cantilena dos revisores em cima da prova tipográfica. Dois revisores para cada texto, um escandindo a leitura e o outro correndo os olhos no texto.

Jantei, senti um friozinho, e, bebido o último gole de café, passei a ir e vir entre a sala e o pequeno corredor, de mãos para trás. Nada a...

gonzaga rodrigues ambiente de leitura carlos romero

Jantei, senti um friozinho, e, bebido o último gole de café, passei a ir e vir entre a sala e o pequeno corredor, de mãos para trás. Nada além de 12 ou 13 metros nesse trajeto pendular, indo e vindo, contando os quadrinhos da cerâmica, tentando fugir do noticiário, do aceleiro da peste, dos efeitos produzidos, na morrinha da tarde, com o rogo do médico Ítalo Kumamoto, de rosto transtornado, a reiterar o confinamento: “Pelo amor de Deus, não saiam!”

Sentir e pensar se opõem? Quando li que o governador Wilson Braga ia reformar a Casa do Estudante fiquei dividido. Distanciado de Sua Exce...


Sentir e pensar se opõem? Quando li que o governador Wilson Braga ia reformar a Casa do Estudante fiquei dividido. Distanciado de Sua Excelência, eu assessorava, naqueles anos 80, o secretário Silvino na divulgação do Projeto Canaã. E a notícia era mais que promissora: ampliar a Casa, melhorar as instalações e oferecer mais vagas aos wilsons e gonzagas que continuavam, no interior do estado, a depender de moradia para continuar os estudos. O 2º Ciclo (o Ensino Médio de hoje) ainda era privilégio das duas maiores cidades: João Pessoa e Campina Grande.

Será possível isolar-se? Isolados do vírus estaremos, também, dos seus efeitos no espírito? Quando o alcance da janela só ia até a calçad...

Gonzaga Rodrigues ambiente de leitura

Será possível isolar-se? Isolados do vírus estaremos, também, dos seus efeitos no espírito?

Quando o alcance da janela só ia até a calçada da frente ou à franja do horizonte físico, o contágio estava mais ou menos evitado. No cólera de 1855/56 isto deve ter sido possível. Éramos 300 mil almas, segundo o registro de Beaurepaire Rohan em sua Corografia da Paraíba do Norte, a capital com 30 mil habitantes, o equivalente ao número de vítimas no Estado. Dez por cento, proporcional à “sciência” de então, embora com os mesmos cuidados, quarentenas e isolamentos de hoje.

Gil, a estima me autoriza esta liberdade de tratamento. Gil, somente Gil. Como igualmente me assegura a sinceridade das tuas palavras. Germ...


Gil, a estima me autoriza esta liberdade de tratamento. Gil, somente Gil. Como igualmente me assegura a sinceridade das tuas palavras. Germano Romero dispõe-se a acolher-me em sua Acta Diurna eletrônica (lembre-se que a de Júlio Cesar – o álbum - era pregada no muro de casa) e era mais de aviso do que de lírica. E eu pedi a Germano para me rever, sem frescura, depurando-me (se é possível) das fermentações tão próprias e mesmo naturais à condição do homem civilizado.

Vaidade? Que santo pôde exilar-se completamente dela? O que senti e o que sentiste quando elogiaram a nossa inteligência? Que fervor íntimo foi aquele que me elevou e te elevou com a conquista do nosso primeiro 10? Esse fervor, por mais natural, nasceu a partir de quando olhamos em redor e vimos que havíamos chamado a atenção ou o interesse dos nossos colegas de classe.

Não é um mal quando a vaidade é uma distinção. Será que São Francisco de Assis não sentia coisa parecida ao ver que as gentes que o amavam se achavam no mesmo gênero dos seus passarinhos? Jesus, em vida, conseguira muito menos. Sobrepujou-o infinitamente quando Paulo enfrentou um verdadeiro coronavírus para unir pagãos e cristãos na face da terra.

francisco gil messias
Francisco Gil Messias
Pois bem, caríssimo Gil, depois de setenta anos ansiando por sair de mim, sinto, na verdade, que já fiz o que podia. E fui muito longe com o que me sobra do carinho desta cidade, uma cidade reservada, sem grandes expansões, sem ufanismos, até mesmo descuidada com os seus símbolos cardeais, o seu Cabo Branco, os seus tesouros urbanos e muitos dos seus heróis, como bem lembrou o companheiro Martinho Moreira Franco ao registrar a morte, na semana passada, do nosso campeão mundial, o grande Índio que não deve ter rua nem estátua em Cabedelo. Talvez eu tenha servido para lembrar essas coisas, ao mesmo tempo que ver o meu nome impresso no papel, um papel de pouca duração, peixe do dia, descartado após a leitura, mas Acta diurna sempre, mudando a cada Gutemberg, volatilizando-se, mas jamais extinta na impressora que o teu xará, o diretor do Rebate de Campina Grande instalou na vida deste teu amigo e criado, o nêgo Gonzaga.
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Sim, ia esquecendo: em Alagoa Nova existe o Bálsamo, é uma nesga de sítio, a 5 minutos da cidade, onde íamos furtar as jacas que Brunet, o achador de Pedro Américo, registrou entre os achados de minas que o imperador lhe confiara. Não fosse o corona, é para lá que eu iria.


Gonzaga Rodrigues é escritor e membro da APL

Há amigos ou amizades que fazemos no trato com a vida, com o tempo; e há os que vêm por obra de alguma divindade. Os inventores da alta sa...


gonzaga rodrigues

Há amigos ou amizades que fazemos no trato com a vida, com o tempo; e há os que vêm por obra de alguma divindade. Os inventores da alta sabedoria, filósofos e gênios das ciências exatas não negam o poder dos deuses, ou do Deus único. Não é sem motivo pois que acredito na amizade concedida por um Deus.

Como disse meu amigo Ivan Bichara, você está entre os amigos que Deus nos dá. Silvio Osias, Vladimir Carvalho, Rubão (Nóbrega), Milton Marques Júnior são da mesma forja. Viveram lances e silêncios do batente, têm sangue da mesma tinta, cada um reagindo à sua maneira, como o Martinho Moreira Franco, que reagiu em meu favor, junto aos amigos do seu círculo. Você vem em sua pureza de espírito, e vem de longe, de terras do coração..

Li hoje uma entrevista de Alain Touraine, 95, criança na crise de 29, jovem, quando surgiu de um vazio destes o Hitler, e me vejo igualmente encerrado. Sem um ator próximo, ou na China, que possa me dizer que guerra é esta de ninguém, de uma humanidade completamente desarmada, lavando as mãos com sabão como único recurso contra a monstruosa máquina biológica invisível e devastadora, quando o homem se julgava no ponto mais universal de falas e ações mais instantâneas.

Que vou fazer mais em jornal? Touraine se diz encerrado. Que irá dizer um velho que nunca saiu de Alagoa Nova, que vai lá, senta na praça em plena luz do meio dia… e ninguém dá por ele?…

Estou me acomodando à nova situação do duplo isolamento, o do vírus e o imposto pelos jornais, que parecem não me reconhecer, e tentarei me conceber na versão online. Recebi convites e a nenhum aderi logo agora. Vou me reacomodar para esse fim de viagem, que começou pela "sopa" de Mestre Chico de Alagoa Nova e não foi além das linhas da Bonfim de Severino Camelo.

Abraço-te com o Coração.

Gonzaga Rodrigues


Gonzaga Rodrigues é escritor e membro da APL
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Um romance que sempre me persegue e que é contado o dia em que não me vejo nele é “Bolsos vazios” de Allyrio Wanderley. Quando menos esper...



Um romance que sempre me persegue e que é contado o dia em que não me vejo nele é “Bolsos vazios” de Allyrio Wanderley. Quando menos espero, estou como Assuero, um de seus personagens mais fortes, comprando o bilhete ou arriscando na versão atual da loteria, que representava o único sol promissor por entre as sombras desalentadoras do mundo de Cimaldo, o protagonista do romance. Mundo em que muitos apostam todas as fichas na cidade grande, como o próprio Allyrio, e terminam de almas retirantes como particularmente me sugere, agora, a visão física dos afogados na enxurrada paulistana.

Por que essa compulsão de toda uma vida em consciente busca da incerteza? Também a sorte, se não tem me favorecido com as peque- nas fortunas, nunca tem me faltado com os afetos da banca. Na adolescência, carregando os talões de bicho que o tio Viana passava no Alto do Seixo, em Campina e em João Pessoa, desde o primeiro mo- mento, com a amizade do tenente Rubinho Falcão.

Mas nunca estou livre de ser atormentado por aquele horizonte denso e sem esperança da pouca fortuna em que se encobrem Cimaldo e Assuero.

Recrimino-me, com as condições que tive de in- fluir, não ter reeditado esse romance em que mais me vi personagem.

Ascendino Leite bem me chamou a atenção para aquela preparação de tragédia que é toda a narração e que consiste nisso, nessa falta de ar, de luz, de esperança, a vida encerrada na incerteza. A quimera como a única fava contada.

Ponhamos os olhos da consciência neste entrecho: “A primeira visita que recebi naquele porão da rua Vitória, onde agora apodrecia entre aspirações e percevejos, foi a
de Assuero:

“Homem, você vai descendo que é uma maravilha... - É exato; já estou com terra pela cintura.”

E foi assim, a ficção de Allyrio me acontecendo em plena luz do dia, a realidade causando arrepios. Não mais hoje, na idade das esperas inelutáveis, mas no tempo em que no meio do caminho sempre batia numa pedra.

É possível que, a pedido de Petrônio Souto, as duas ladeiras que separam Alagoa Nova de Areia venham a ser transformadas em estrada lustro...



É possível que, a pedido de Petrônio Souto, as duas ladeiras que separam Alagoa Nova de Areia venham a ser transformadas em estrada lustrosa e lisa da marca João Azevedo. Para isso, meu prestígio e cocô de louro se equivalem. Desde Assis Camelo em sua primeira legislatura, ele no poder, fazendo carreira ao lado de Pedro Gondim, de João Agripino, de Ernani Sátiro, de Ivan Bichara e de Tarcísio Burity que fazemos fé nessa estrada, que só agora vem aparecer em linha verde no mais novo mapa do DER. Linha verde, nas legendas, quer dizer “implantada”. Dr. Carlos Pereira de Carvalho e Silva me avisara.

E aluguei um táxi a pretexto de tomar a benção de um tio velho da Rua do Tacho, em Alagoa Grande, e na despedida, depois de voltear céu acima a serra da Beatriz, quebrei à esquerda na descida, em Várzea Nova, contendo a alegria do menino e rapazote que eu havia deixado há mais de setenta anos molecando pelas bagaceiras de engenho que adoçavam o ar e aceleravam o coração até chegar à igrejinha de São Sebastião na entrada de Alagoa Nova. O vértice era a venda arrojada de seu Manuel Pereira, a meio caminho de Vitória, a engenhoca de meu pai, cuja ex-casa-grande se reduz hoje a um sótão enxameado de morcego.

Faz mais de oitenta anos, Petrônio, filho de Mário, sobrinho de Chico, meu sobrinho! Mais de 80, acredite! Vencida a ladeira que vinha lá de casa, parei para pedir água na janela de Manuel Pereira, subi na ponta dos pés para ver lá dentro, e dei com os olhos no pirão de domingo do major, ele na cabeça da mesa a medir força com a trunfa de couve, de repolho, o mocotó por cima, tudo boiando por cima do escaldado, levando-me da sede em que eu vinha à fome profunda, incurável. Sim, Petrônio, porque pirão daquele só se vê uma vez na vida e no mundo.

Não será com fome diferente que temos pedido esses 7 minutos de estrada em 100 anos de sacrifício para chegar às feiras, à escola, ao mercado, aos serviços e assistência oferecidos ou intercambiados com as matrizes da redondeza.

Muito sabidos, os governos nunca atentam para a renovação das terras brejeiras sucumbidas na crise feroz dos engenhos. Crise que transformou o senhor em simples fornecedor de cana para as usinas. Mas o que sucumbiu foi a rapadura; os espigões e vales profundos continuam argilosos e vermelhos viçando por qualquer produto que dependa de terra úmida, garanhona e de bons ventos. Tanto é assim que o vale do Capim Açu, até há pouco de fogo morto, já se recobre de novo plantio, safra nova, nova paisagem monopolizada pela maior produtora de aguardente da região. Enquanto a estrada não vem, onde eu não posso botar meu Clio, Luiz Magno, rico doutor, por conta própria, está forçando a entrada com seus tratores e colhedeiras. Quem morreu foi meu pai, a sua vizinhança, mas o vale continua a desafiar os seus sucessores.

Numa crônica de 1895, comentando episódios da República recente, ainda de cueiros, o mestre Joaquim, o Machado de Assis de todos os tempos...



Numa crônica de 1895, comentando episódios da República recente, ainda de cueiros, o mestre Joaquim, o Machado de Assis de todos os tempos, vem com este introito: “Os acontecimentos levam os homens, como os ventos levam as folhas”.

Não se põe em jogo a verdade ou não da frase ou sentença de tom axiomático. Faz parte da sabedoria humana esse modo de dizer, acúmulo de povos, aqui e ali surtindo na expressão oral ou escrita de seus gênios.

O que me faz deslumbrar é o determinismo literário que condicionava os ventos e as folhas do cotidiano jornalístico. Não se ia ao dia-a-dia sem uma invocação de peso, um lastro que denotasse a visão de mundo abastecida e formada na cultura, sobretudo literária e filosófica.

Nessa crônica em que Machado fala das folhas e do vento para comentar o fim melancólico do contra-almirante Saldanha da Gama, morto ao lado dos federalistas do Rio Grande depois do fracasso como revoltoso da Armada, o cenário a que o cronista recorre, tão naturalmente, é o dos funerais de Coriolano, assunto de Plutarco e peça de Shakespeare. A cultura era outra, levada, depois, com os ventos e as folhas.

Na mesma crônica, veja-se com que o leitor era seduzido: “Muitas são as melancolias deste mundo. A de Saul não é a de Hamlet, a de Lamartine não é a de Musset”. Exibicionismo? Esnobação de um cronista-escritor que já estava para muito além dessa necessidade? Não, presume-se que o leitor sabia do que a crônica estava falando.

Outra: em junho de 1895, dia em que sai a crônica, o Brás Cubas e os melhores contos que vieram resultar, ainda hoje, nos melhores e mais geniais contos brasileiros, já haviam consagrado o autor. Não era, pois, nenhum pedantismo cultural, mas um ditame do tempo.

Orgânico como se diz hoje do trato agrícola. Impunha-se um fundo de cultura, alguma intimidade com o clássico, isto é, com o modelo, a quem ingressasse no exercício da escrita, mesmo diária, mesmo de jornal. Não bastava uma técnica, uma noção do que, do onde ou do como as coisas aconteceram, mas uma experiência mais longa de humanidade ou de fundo cultural.

Ah! meu caríssimo Milton Marques, seu trabalho é uma luz no túnel. Luz que não se limita à cátedra e sai para a rua, ignorando os ventos e as folhas dos meios culturais de hoje.

Volta o Laureano a pedir ajuda. Quanto mais combate mais tem a combater. A luta não tem sido inglória, mas há de ser tenaz, cada vez mais ...



Volta o Laureano a pedir ajuda. Quanto mais combate mais tem a combater. A luta não tem sido inglória, mas há de ser tenaz, cada vez mais exigente em apoio e rigor de gestão. Faz parte ou está na gênese de uma entidade que luta quase contra o impossível, que é lutar, a serviço de uma clientela pobre, contra o câncer.

Por felicidade existe o SUS, que cobre 60 por cento da despesa, ficando o restante à mercê das emendas da representação federal e das doações.

A forma como surgiu o Laureano em procissões por seu mártir e a sua causa já nos predispõe – povo, sociedade e instituições – ao dever da solidariedade. Não tem sido outro o destino do hospital em seus quase sessenta anos. E não vai ser agora, numa Paraíba bem melhor, que Carneiro Arnaud, contemporâneo da fundação, vai entregar as chaves do hospital – a quem, meu Deus? Ao Estado, à União, aos municípios?

O tempo mostrou que o Laureano só pode pertencer ao Laureano. A uma gestão especializada de dedicação exclusiva, acreditada em todas as áreas, livre da inconstância política. Ainda que no esforço e apoio à ideia de criação do hospital conste o registro histórico das lideranças de uma facção, o PSD de Janduhy e Rui Carneiro.

Carneiro Arnaud, sucessor político dos fundadores, soube convocar valores como Batista Ramos, João Batista Simões, Severino Ramos (Raminho), que se tornaram escudeiros da manutenção e crescimento do hospital. Ao lado de Malaquias Batista Filho, editorialista de A União, acompanhei essa verdadeira conquista do povo, clamada por ele, desde a pedra fundamental.

Em 1964, bem de perto, internado no hospital vizinho, não perdi de vista o seu crescimento, desde o primeiro pavilhão. Com a convocação de Simões, bem-sucedido em seu consultório, para a direção do hospital, a gestão hospitalar só fez acreditar-se e crescer. Em leitos, em equipamento, em demanda, creditando-se cada vez mais à solidariedade das instituições e do governo. Ao primeiro grito de socorro para a substituição do acelerador linear primitivo pude ver a pronta e efetiva reação do governador Burity. Um melhoramento atrás do outro, demorando às vezes, mas chegando sempre.

Desta vez não deve ser diferente, mesmo sem mais a devotada dedicação de um Batista Ramos, já falecido, ou de um João Batista Simões, de um Raminho, afastados depois de uma vida inteira dedicada à causa.

Que cheguem outros para sucedê-los!

Devíamos agradecer ao ouvidor-geral Martim Leitão pela escolha do lugar onde mandou erguer o forte e, subindo a colina, a cidade do edito ...



Devíamos agradecer ao ouvidor-geral Martim Leitão pela escolha do lugar onde mandou erguer o forte e, subindo a colina, a cidade do edito real. Não houvesse ele chegado em novembro, pleno verão, poderíamos supor que tivesse atravessado o ribeirão do Jaguaribe e alcançado o Cabo Branco em dia de forte chuva. Encharcado, sem poder trotear no areal pedregoso das restingas, o lendário fundador só poderia ter se fixado na “planície de mais de meia légua, muito chã, de todas as partes cercada d’água”.

Mas água que não afoga, que encontra logo o caminho do mar ou do rio. Planície muito chã - assim descrita pelo frade que abriu caminho para a nossa História - livra-se em meia hora de uma noite inteira de chuva, ao contrário do Recife, fundado entre rio e maré por alguém que não a escolhera como morada para toda a vida.

Nisso os portugueses eram insuperáveis, manjados na experiência de ilhas e continentes como plantadores centenários de cidades.

Aqui, podiam ter começado pela península de Cabedelo, ao lado do forte. Mas nada garantia que a cidade não ficasse vulnerável aos surtos do índio e do corsário. Penetraram rio acima e só quando a colina se pronunciou alta e sobranceira, muito acima das águas e das armas, resolveram ordenar a fundação do casario, a começar pela capela matriz, no mesmo lugar da basílica de hoje.

Ficamos, pois, a salvo da enchente. Pelo menos até os limites urbanos traçados pelo ouvidor, seguidos e pela primeira vez planejados, trezentos anos depois, pelo administrador ainda hoje frequentando a memória histórica, Henrique de Beaurepaire Rohan.

O ponto fraco, que era a Lagoa, bacia das águas de inverno dos bairros que a rodeavam, foi urbanizado e convertido, numa quadra próspera de lavouras de exportação, no cartão postal da cidade modernizada. E como tivemos sorte, nisto! Já que se iria cavar um escoadouro para as do entorno, que se transformasse a grande bacia numa praça especial, num parque já visto como dos mais belos do mundo. Saturnino de Brito, a quem devemos o primeiro sistema de galerias e de esgotos, faz referências, na justificação do seu projeto, à “incolumidade da Capital da Paraíba aos flagelos da chuva e da maré.” Diz isso, dando uma de modesto, quando lhe elogiam a eficiência do sistema que implantara. “A topografia da cidade ajuda muito” – alegava.

É bom lembrar, entretanto, que a cidade inicial se limitava às bordas da colina, tendo Jaguaribe e Cruz das Armas como estrada. Nos anos 20, a balaustrada de Trincheiras era um ornamento urbano abrindo vista para o vale verde onde hoje escorrega a favela que, por absurdo, ganhou o nome de Saturnino de Brito, símbolo ou marco da modernização.

Vale verde, dizia Coriolano; anfiteatro, batiza José Américo. Anfiteatro e vale verde que são hoje, dali da balaustrada, um atentado aos foros cultos de um Camilo de Holanda, que tanto fez por uma João Pessoa bonita, ornada de lavores, moderna. Como paga, haviam surrupiado o pincenê da estátua e, para fechar, levaram agora o bronze inteiro. Resta só o pedestal em meio à ruína.

Decorridos quase 90 anos, fica fácil a um dos meus interlocutores do Ponto de Cem Réis questionar o nome de João Pessoa dado em setembro d...



Decorridos quase 90 anos, fica fácil a um dos meus interlocutores do Ponto de Cem Réis questionar o nome de João Pessoa dado em setembro de 30 à cidade. E pior, atribuir a esse nome o emperro na Projeção turística merecida. “É esse nome que atrapalha” – insiste-se.

Mas por que João Pessoa atrapalha se Florianópolis (em homenagem a Floriano Peixoto) não atrapalha? Sem falar noutras cidades grandes e pequenas com nome que a maioria motivada, comovida consagrou?

No nosso caso, este batismo é o único nascido efetivamente de vontade autóctone, paraibana, fruto da espontânea comoção popular, sobretudo de sua mocidade. Dos restantes topônimos, o que não veio imposto de fora (Filipeia, Frederice) foi Parahyba, que por vir do rio o historiador José Leal queria o Estado no masculino, Estado do Paraíba, como Estado do Rio de Janeiro.

Nascida de sua mocidade? Sim, da mocidade livre das escolas lideradas, na capital, pela ala feminina, pelas meninas da Escola Normal, do Colégio das Neves, que antecipavam um momento especial da projeção da mulher em sonhos de emancipação cultural e social. Nos jornais e revistas dos anos 1930, sobretudo nas revistas e almanaques do gosto da época, a frequência da mulher em suas páginas emula com a dos varões. Desde a “Era Nova” dos anos 1920 que as Analyce Caldas e Eudésia Vieira ganhavam espaço.

E o fervor político de 1930 dispôs desse arrojo trazido às ruas pelas mulheres do povo. Celso Furtado, menino de poucos anos, vem dar esse testemunho em suas memórias. As mulheres eram o maior contingente nas passeatas e procissões que beiravam a sua janela da General Osório, rua que terminou encenando o capítulo inicial do romance de outro menino que descobria o mundo e a paixão desvairada dos seus moradores por um dos postigos que filtravam o tumulto o Virginius da Gama e Melo em seu “Tempo de Vingança”.

E se faltassem outros testemunhos mais vivos desse protagonismo límpido, sem interesses subalternos da mulher, recorra-se ao de d. Olívia Athayde, com seus 102 anos, em entrevista à “A União” de quinze anos atrás. Ela que falou pela juventude na hora em que o presidente Álvaro de Carvalho sancionava a lei que dava nome cívico, verdadeiramente cívico, à capital. No ato do Teatro Santa Roza falaram apenas o deputado Lima Mindelo, representando a Assembleia Legislativa, a senhorita Olívia Athayde, e o governador. A voz incitante do apelo feminino deu força à assinatura do chefe do Executivo paraibano, um catedrático do Liceu, homem de pensamento e de letras, fundador da nossa Academia de Letras, até ali ainda um tanto relutante:

“Proclamo que estais, nesta hora histórica, sendo um distinguido paraibano. Andais, quanto possível, de acordo com o povo. E é isto, precisamente, o que o povo quer. (...) Contai conosco e não leveis a mal uma solicitação de nossa brava gente. A Paraíba nova deu o nome de João Pessoa à nossa linda capital. Nós esperamos, exmo. sr. presidente, o vosso apoio moral para a bandeira com as cores do heroísmo e do sacrifício – rubro e negro”.

Não foi sem motivo que Celso Furtado, homem de emoções depuradas, não se comportou muito diferente da jovem que falava em nome das normalistas: “O assassínio brutal desse homem (...) provocou uma tal angústia coletiva que ainda hoje não posso recordar sem me emocionar. Várias vezes acompanhei aquelas domésticas em longas procissões (...) seguindo um andor sobre o qual ia uma fotografia de João Pessoa de corpo inteiro”.

Não foi um batismo de cima para baixo, imposto pelo rei ou pelo general vencedor.


Você ganhou, Romero! Terá sido o primeiro disputante de um páreo que ganha com 5 (cinco) votos tendo 30 (trinta) contra. E não estou be...

Você ganhou, Romero! Terá sido o primeiro disputante de um páreo que ganha com 5 (cinco) votos tendo 30 (trinta) contra. E não estou bem certo, aliás, se os 30 foram todos contra. Deve existir entre estes, ainda que poetas e escritores, uns líricos, outros muito racionais, quem conceba um voto por dentro e exerça outro por fora, ainda que esse “outro” seja, de ordinário, o que valha.

Deve haver, nesse meio, oh Germano, quem considere, pelo menos, o espírito de harmonia de sua crônica, do seu partido arquitetônico, desse seu apego à geometria da música (assim ouvida por Claudel, segundo um de seus versos) deve haver, sim, quem enxergue em tudo isso algum dom especial, em dado momento ofuscado pelo brilho de outras vitrines.

Curiosamente, os que desejam mudança anseiam ou fazem alguma coisa (qualquer que seja) pelo progresso da cidade, terminam, com os anos, pass...


Curiosamente, os que desejam mudança anseiam ou fazem alguma coisa (qualquer que seja) pelo progresso da cidade, terminam, com os anos, passados para trás.

No tempo do bonde, quando se levava uma hora para, partindo do Ponto de Cem Réis, desembarcar em Tambaú, quanto nos penalizava aquele atraso! Além da Estação de Luz era só mato, capoeira, o uso humano do mundo representado por alguma casa de granja entre coqueiros e grandes roças de macaxeira. Para a direita, a Torre era um morro onde o primeiro plano urbano fez a curva. A maioria pagando foro da casa ou da choça e com a amplificadora que elegeu João Freire vereador e ensaiou Paulo Rosendo para o grande locutor que culminou na Tabajara. A Torre era uma Alagoa Nova sem a Yayá Tavares, a nossa rua central de lá. O pároco, padre Hildon, falava e agia no mesmo tom de Alagoa Grande.

Jaguaribe, que já tinha sido estrada dos macacos, era onde moravam os linotipistas, os chapistas de A União, os pequenos barnabés estaduais, municipais, os diaristas, extra-numerários, o casario em demanda da mata, separado da aristocracia residencial em ângulo que apertava o bairro entre Trincheiras e a João Machado. Revisor do jornal em 1951, era um tormento enfrentar a madrugada sem lua para chegar em casa, na Alberto de Brito. Não pelo assaltante comum, que era mais de galinha, mas pelos lobos e pastores alemães que ficavam guarnecendo os gradis senhoriais, as mansões dos donos do poder e da riqueza. Jaguaribe fazia extrema com essas duas linhas em ângulo reto onde se encastelavam os Ribeiros, os Nóbregas, Gusmãos ou mais notáveis da advocacia e da medicina. Na safra, era de onde vinha mais manga: os balaieiros chamados às janelas não para vender, mas para encher mais o balaio com a sobre arriada dos quintais.

Na Alberto de Brito, 41, a casa onde morei com minha mãe era separada da mansão que hospedou Getúlio, dos Amorins, por uma praça copada de oitizeiros. Eles continuam fiéis a mim e ao tempo do órfão de pai que aprendeu a ficar à sua sombra e a livrar da solidão muitas das suas dúvidas e perguntas. Ainda hoje os procuro. Ah quanto tempo, amigos! Eles e seus irmãos da Praça Pedro Américo; os de Tambiá, venerandos e saudáveis, já não dão na vista, o tráfego não deixa. (A gente tem que prestar atenção ao carro da frente, ao de trás, ao sinal, ao cinto de segurança, a vida fora de si, presa ao minuto, aos segundos.) Aí a cidade que vegetava em nós, que respirava conosco, já não é mais nossa, isto é, do nosso tempo. Já não botamos flores com ela. Nem a conhecemos mais, se é que o espaço que a urbe tomou do bonde, que fez do concreto a floresta, tem alguma coisa conosco…

Numa noite dessas, vinha de Intermares, onde fui deixar um amigo. De repente areio. Paro, pergunto ao homem da barraca. Quanto mais ele me diz mais fico sem saída – O sr. não é daqui? / - Já fui.