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Brinca-se de cabra-cega ou de esconde-esconde. A panela não contém bombom. Talvez ou quase certo, esteja vazia. Uma festa ao avesso do povo...

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Brinca-se de cabra-cega ou de esconde-esconde. A panela não contém bombom. Talvez ou quase certo, esteja vazia. Uma festa ao avesso do povo sacolejado pelos desmandos de um roteiro escuro. Às apalpadelas se procura a saída. Tecnologicamente, os padrões se desenham em mapas e projeções com os frios números, numa lógica de desesperação, dentro de um recinto de paredes negras e chão esburacado. Para onde vamos? Nós e o mundo? Nós e as brasílicas potencialidades apanhadas em botijas rasas? Há riquezas de argumentos e afirmações que correm o risco de serem desmanchadas pela crudelíssima realidade.

São outros tempos e as bandas fugiram dos coretos. O da Praça Venâncio Neiva: esquecido num canto do logradouro; o da Praça da Independênci...

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São outros tempos e as bandas fugiram dos coretos. O da Praça Venâncio Neiva: esquecido num canto do logradouro; o da Praça da Independência: invadido por flores.

Alguém me disse que caligrafia está caindo em desuso. Para quê — perguntam? Ao toque de teclados de computador e semelhantes é possível ele...

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Alguém me disse que caligrafia está caindo em desuso. Para quê — perguntam? Ao toque de teclados de computador e semelhantes é possível elevar o pensamento ou o trabalho escrito com muito mais facilidade.

Havia um potrinho na fazendola de tia Moça. Como se diz hoje, no linguajar consumista, era meu sonho, minha grande vontade, correr pelas ve...

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Havia um potrinho na fazendola de tia Moça. Como se diz hoje, no linguajar consumista, era meu sonho, minha grande vontade, correr pelas veredas montado naquele animal gracioso, enfeitado em manchas brancas sobre o pêlo marrom.

Quase ninguém reparou no coletor de resíduos. Ia à frente do carro, puxando-o, cansado, aspirando o parco ar da manhã tórrida. Súbito parou...

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Quase ninguém reparou no coletor de resíduos. Ia à frente do carro, puxando-o, cansado, aspirando o parco ar da manhã tórrida. Súbito parou, vi bem. O carro encostado à sombra de uma árvore. À beira do meio-fio percebeu um embrulho. O que conseguira coletar, desde torneiras, aparelhos sanitários, papelão, até um boneco inflável, iria ser levado a postos de dilapidados objetos. Era de que ele vivia. Nesta fase de desemprego, pessoas sem saída têm, como única vertente, vender restos de utilidades. Questão de sobrevivência.

Minha primeira professora foi Gracilda. Dona Gracilda, por respeito. Não havia descortesia para com a mestra, naqueles anos de civilidade a...

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Minha primeira professora foi Gracilda. Dona Gracilda, por respeito. Não havia descortesia para com a mestra, naqueles anos de civilidade aguçada. Ao contrário, a considerávamos segunda mãe. Chegava alegre à sala de aula. Repositório de garatujas, soletramento, tabuada cantada.

Por acaso, encontrei o vendedor de pirulitos. Arrumada na tábua perfurada, a delícia daqueles bombons que eu não via há muito tempo. Intere...

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Por acaso, encontrei o vendedor de pirulitos. Arrumada na tábua perfurada, a delícia daqueles bombons que eu não via há muito tempo. Interessante como os usos e costumes vão se esfumando: antes, passando pelas ruas, muitos deles transitavam, as crianças esperando a hora, cutucando os pais para pedir as moedas; à época, ninguém tinha nenhum saber sobre diabetes, triglicérides, colesterol bom ou mau.

Encontrei o proprietário de uma alfaiataria que somente costura camisas. Quando se aproximavam os períodos marcantes das grandes festas do ...

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Encontrei o proprietário de uma alfaiataria que somente costura camisas. Quando se aproximavam os períodos marcantes das grandes festas do ano, e mesmo sem que houvesse feriado à vista, nunca faltava encomenda. Eram algumas máquinas de costura, a pedal ou a eletricidade, cansadas de tanto as agulhas correrem sobre os tecidos e cumprirem a data de entrega da encomenda.

Falava-se em costurar a cortina. Havia uma costureira, D. Sandy, famosa pelas peças cosidas e realçadas, verdadeiras obras artísticas; a mo...

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Falava-se em costurar a cortina. Havia uma costureira, D. Sandy, famosa pelas peças cosidas e realçadas, verdadeiras obras artísticas; a modista estivera a medir, traçado um projeto do adorno: prometera ficar a cortina pronta em menos de duas semanas.

Não, não era por acaso que se resolveu pela rejeição daquela nova moradora da rua. Uns a achavam um saco de impropérios, uma mulherzinha ba...

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Não, não era por acaso que se resolveu pela rejeição daquela nova moradora da rua. Uns a achavam um saco de impropérios, uma mulherzinha banal que não iria trazer para ninguém uma convivência prazerosa. Era uma mulher nada serena, advinda de ricas procedências sulistas, neta de algum ricaço empresário da Pauliceia.

Na véspera do São João, íamos à casa de minha avó paterna. Morava na rua Índio Piragibe. Uma casa de frontão, duas janelas e uma porta, aca...

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Na véspera do São João, íamos à casa de minha avó paterna. Morava na rua Índio Piragibe. Uma casa de frontão, duas janelas e uma porta, acasalada a outras do mesmo estilo, erguida sobre uma barreira. O rádio no mais alto volume: gente dançando baião, ao som do aparelho ABC. A criançada soltando fogos. A rua embandeirada em papel de seda.

Serafim entregava sacas de carvão nas casas. Faz tempo. Pouco ou nenhum fogão a gás nas cozinhas, as donas de casa colocavam as pedras negr...

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Serafim entregava sacas de carvão nas casas. Faz tempo. Pouco ou nenhum fogão a gás nas cozinhas, as donas de casa colocavam as pedras negras, molhavam-nas com querosene, riscavam o fósforo no olho de marca, puxavam os abanos de palha entrelaçada para provocar o vento que vinha avivar as brasas. Um cheiro acre percorria todos os recantos, a fumaceira subia para as telhas de barro ou sumia pelas janelas abertas.

Nunca se pensava no ex-concertista sentado, sempre a acender o cachimbo, olhando a imensidão de seu universo musical. Era um ex-violoncelis...

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Nunca se pensava no ex-concertista sentado, sempre a acender o cachimbo, olhando a imensidão de seu universo musical. Era um ex-violoncelista da Orquestra Sinfônica.

Pode ser avistada na varanda do andar mediano do edifício. Pela manhã, consumindo o sol ainda frio, a olhar a paisagem. Bem amadurecida, di...

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Pode ser avistada na varanda do andar mediano do edifício. Pela manhã, consumindo o sol ainda frio, a olhar a paisagem. Bem amadurecida, difícil avaliar seu enquadramento etário.

Os tipos populares escasseiam em nossas ruas. Marreteiro era descendente de escravos, vendedor ambulante. Carregava nos fortes ombros o pes...

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Os tipos populares escasseiam em nossas ruas. Marreteiro era descendente de escravos, vendedor ambulante. Carregava nos fortes ombros o peso de dois balaios apinhados de frutas.
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Apinhados, literalmente. Pinhas, sapotis, algumas bananas. Fazia ponto na antiga Estação Ferroviária (a Great-Western).

No tempo em que se usava relógio de algibeira se deu o fato que vou narrar. Era elegante puxar a corrente e trazer à vista o redondo e trab...

jose leite guerra ambiente de leitura carlos romero

No tempo em que se usava relógio de algibeira se deu o fato que vou narrar. Era elegante puxar a corrente e trazer à vista o redondo e trabalhado relógio de metal precioso. Um esnobismo que foi desaparecendo com o surgimento dos relógios de pulso. Atualmente, o celular faz tudo, inclusive marcar as horas. Mas, vamos à história propriamente dita.

Certo senhor de posses, dono de uma das lojas de bom porte, detentor de vultosa fortuna escondida nos bancos, morador de uma grande e confortável residência, saía, a pé, cada manhã para a sapataria de sua propriedade. Imaculadamente trajando branco, terno de linho puro, chapéu de linha, lenço no bolso do paletó, sapatos engraxados. Cumprimentava as pessoas de forma mecânica, por educação, mas sem aquele sabor de quem gosta de se entrosar com os conhecidos da rua onde morava ou passantes. Um pernóstico. Gabava-se de sua riqueza e principalmente do relógio de algibeira importado - fazia questão de acentuar – em ouro maciço, feito por encomenda e personalizado, inclusive com seu nome gravado. O único do planeta. Não vou revelar a identidade do dono, posto ser falta de ética desmesurada, e seria correr o risco de alguém ainda sobrevivente de sua prole elástica ainda estar no meio de nós.

Numa dessas manhãs, logo que dobrou a esquina rumo à loja, não notou ser acompanhado por um homem do povo, a certa distância. Jamais desconfiaria ser seguido por um larápio ou gente que lhe pudesse fazer o mal. Jamais. Na cidade todos o conheciam, inclusive o tal humilde personagem. Este logo se aproximou do ricaço e o cumprimentou com naturalidade, dizendo-se freguês, entrou na sapataria, experimentou um calçado, pagou e saiu. Iria estrear o sapato no casamento da filha. Mas o freguês tinha maléfica intenção que logo mais se saberá.

Próximo, havia uma feira livre extensa. O comprador do sapato, cujo nome omito por motivo óbvio, se aproximou de alguns perus e adquiriu o mais nutrido. Foi-se com a ave debaixo do braço em direção à bela mansão do vendedor de calçados. Chegou-se ao portão de ferro, bateu palmas. Veio atendê-lo a esposa do rico comerciante:

“Que deseja?” Ele respondeu, prontamente, na maior naturalidade:

“Seu digníssimo esposo mandou entregar este peru e pediu que lhe mandasse o relógio de algibeira que ele esqueceu”. A senhora mandou que um dos empregados recolhesse o peru e trouxe a peça, entregando-a ao emissário, em confiança. Agradeceu ao portador com alegria.

Quando o marido chegou para o almoço, a esposa contou o fato. Ele ficou totalmente surpreso. De nada tinha conhecimento. Apenas que esquecera, realmente, o famoso relógio, pois saíra apressado. Ficou perdido em suposições. Aquele perseguidor era um ladrão fino e inteligente. Notara que ele, dono da sapataria, se esquecera de levar na algibeira a raridade. Astuto o rapaz. O valor do peru estava aquém do portentoso marcador de horas fornido a ouro maciço...


José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista

A máquina de costura nova, em que as tias cosiam e emendavam suas peças... Conversavam com a vida mansa, traziam o tempo do sítio, as praia...

jose leite guerra ambiente de leitura carlos romero

A máquina de costura nova, em que as tias cosiam e emendavam suas peças... Conversavam com a vida mansa, traziam o tempo do sítio, as praias frequentadas por crianças nuas, sacudindo entre as espumas que se derramavam sobre a areia branca.

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Era animada palestra sem remendos, cerzidos de uma época em que se poderia crer no retorno do passado. A máquina de costura comprada pelo irmão mais velho, Singer, fabricada nos Estados Unidos, o orgulho das tardes mornas do final da casa e que sopravam para dentro da sala um sossego de sono vesperal.

O silêncio responde à indagação sobre os antepassados. Eclode uma curiosidade envolvente, quando percebemos o vácuo dos parentes (próximos ...


O silêncio responde à indagação sobre os antepassados. Eclode uma curiosidade envolvente, quando percebemos o vácuo dos parentes (próximos ou distantes), amigos, vizinhos, enfim pessoas de antecedentes partidas.

Estarão num onde ou em si mesmos? Para os que aderem ao Futuro Definitivo, medram folículos de esperança adornados por flores que se rasgam dentro do coração. Quando passamos por estradas, em viagem, nada mais emocionante do que os túmulos de beira de estrada. Ali, sob as cruzes simples, está o início, o desmoronamento, a solidão.

Adornadas e mostrando tocos secos e apagados de velas, testemunham a fé ingênua, porém autêntica, na realidade escondida, no mistério desafiante. Não são os mausoléus monumentais semeados nos cemitérios capazes de concorrer em expressão de pureza com os pequeninos sarcófagos de chão, espalhados na extensão das rodovias. Estes exprimem a pascalidade honesta da vida submissa ao trânsito inevitável.

Estive olhando as fotos daqueles que nos precedem. Pensamos que jamais irão, perderão o embarque, e torcemos para eles ficarem eternamente conosco. Quando crianças, então, nem suporíamos tal possibilidade. Mas temos de ser firmes e estarmos preparados.

Esta vida é estágio, oportunidade para crescermos, amarmos o semelhante, o próximo, convivermos sob a luminosidade, socorrermos as necessidades de quem nos estira o sinal de suas dores físicas ou não.

Morre antes quem não se desloca de seu trono confortável e segue em direção aos pobres, aos carentes, aos que clamam por uma palavra de carinho, compreensão e apreço. Como manchamos o sentido da vida!

A violência e desrespeito para com o irmão, o preconceito assanhado a tentar diminuir a condição humana das diferenças, o orgulho e vaidade como se tudo fora permanente. Mero engano!

Neste Finados, vale uma reflexão sobre o mistério da vida/morte. Nem tudo está perdido: despontam, a cada dia, os sinais de imortalidade, de continuidade, de transcendência: não os enxergam os cegos de espírito ou enganados pelas limitações mundanas.

Não falei em religião, nem em correntes antagônicas (a propósito) – nós, humanos, temos o discernimento suficiente para as escolhas e posicionamentos diante do Criador. Acima de tudo está a Vida, o senso humanitário, a nudez de quaisquer confrontos.

Após as lágrimas, jorram sorrisos. A lápide não é a última página. Muita claridade precisa chegar para nos curar a cegueira. Amemos a vida límpida como um regato tranquilo a correr infinitamente e sem foz. Há uma faísca de fé em cada suspiro de Amor. Mesmo em quem duvida.

Zé Bonitinho era feio de doer. Colega nosso de aula. Quem se sentasse atrás da carteira ocupada por ele haveria de exercitar o olfato, re...


Zé Bonitinho era feio de doer. Colega nosso de aula. Quem se sentasse atrás da carteira ocupada por ele haveria de exercitar o olfato, repugnando o mau odor da camisa mal lavada: o suor vencido. Jamais exalou complexo ou se sentiu alijado por preconceito da turma.

Integrava-se com facilidade a qualquer conversa. Contava lorotas, desvendava a origem rasante, sem demonstrar-se dimi- nuto.

Recordo professor José Maria, com sua rígida disciplina, desafiador em defesa do silêncio para começar a explicar as misteriosas nuances da Gramática Portuguesa. Devemos, os que com ele estudaram, o bom português que ainda é serventia a traçarmos (como eu, agora) os pensamentos em feitio de letras impressas; a tônica, a rizotônica explicadas no quadro negro.

Prof. José Maria no costumeiro paletó, sério, irônico, excelente na arte de transmitir à turma as regras do vernáculo.

Zé Bonitinho era atencioso, bom aluno, notas azuis no boletim, atento a todas as disciplinas ensinadas. Inteligente, acompanhava com facilidade todas as matérias expostas. Merecedor de elogios e respeito. Uma vez Rinaldo Silva, que está mergulha- do na luz divina, brincalhão e linguarudo disse, por brincadeira, que Zé Bonitinho era comunista.

Todos ficamos suspensos, a algazarra se formou, a aula vaga, e ele, cabeça baixa, alheio à revelação do colega, continuou a leitura da lição. Não conhecia Marx, nem a patota seguidora dos ditames da linha por onde Engels caminhava. Por fim, se levantou, guardou o livro dentro da carteira e foi ao lanche.

Acudiram os curiosos, pensando encontrar “O Capital” escondido pelo colega. Que nada! Depararam-se com ingênuo romance de Jose Mauro de Vasconcelos, “Meu Pé de Laranja Lima”.

Zé Bonitinho nunca soube da atitude investigativa dos colegas. Ao retornar, reabriu a página marcada, deu um arroto mal-edu- cado e prosseguiu a leitura.

A inspetora chegou nervosa, procuran-do saber o que motivara o alvoroço. Dona Maria marcava em cima do lance, gostava de confusão. Todos em silêncio de pedra. Foi quando um dos colegas começou a cantar: “Não me conformo/com este destino/ Dona Maria quer mandar nestes meninos”. Foi levado à diretoria.

Zé Bonitinho continuou na companhia
de José Mauro, sob a leitura agasalhante do livro, desgarrado de tudo que acontecera. Ensimesmado, ao sabor acre do romance ingênuo. Sem maldade, como Zé.