No tempo das marmotas circulando pelo Ponto Cem Réis nas manhãs de domingo de Carnaval, havia a espontaneidade marcando o ponto e o pas...
Sempre é carnaval
Chegou com algumas ferramentas. Em roupas desgastadas, se aproximou de um canteiro da praça: iniciou a labuta. As flores sorridentes pe...
O jardineiro
Poema para a mulher Às muheres de minha vida: Emília Guerra (minha esposa), Josemília de Fátima, Terezanísia e Hebe (m...
Um jarrinho no peitoril
Quem poderia supor que página de jornal amassada formasse assunto para se utilizar numa crônica? Você afirmaria? Um coletor de papel, ...
Fim de jogo
Pôs-se a retirar as folhas impressas. Antes de levar os papéis para vender na reciclagem, em casa, lia as notícias, crônicas, artigos, até uma vista pelos chamados “pequenos anúncios”.
Tinha um cacoete. Sacudia a cabeça, fungava, e dava um berro de cabra. Muitos o consideravam louco, outros catimbozeiro. Servidor púb...
Jânio e Jerry Lewis
Servidor público aposentado, vivia pelas ruas centrais, Ponto Cem Réis. Dizia ter sido chefe da casa civil do presidente Jânio Quadros. Puxava a miniatura de uma vassoura, símbolo marcante da campanha do folclórico Chefe da Nação Brasileira de mandato meteórico. Forças ocultas, como disse no discurso de despedida, não o deixaram continuar.
Escutei o soar do triângulo e corri a ver. Carregando ao lado do ombro um tambor, avisando a passagem pela rua dominical de uma saudad...
Cavaco Chinês
Não tive a honra e o prazer de ser aluno do Prof. Flóscolo da Nóbrega. Cheguei a conhecê-lo abatido, magérrimo, mumificado em vida. Logo d...
Humor em sala de aula
Saída da calourada, nossa turma foi recebida pelo inesquecível Prof. Edigardo Soares que andava ereto, postura elegante. Conforme ele mesmo dizia, era por conta de um desvio na coluna. Foi o próprio saudoso Prof. Edigardo Soares que nos contou, num desses saborosos amenos, no recreio, duas passagens antológicas do velho e respeitado Flóscolo da Nóbrega. Este sisudo, reservado, ateu e admirador de Santo Agostinho.
Um vendaval soprou na vida dele. Começou a rever, no reflexo e reflexão da sua maior intimidade dentro da qual somente Deus tinha acesso, ...
Vendaval
A casa na Almirante Barroso, abrigo do médico, humanista, culto, simples. Cheguei por lá, em verde juventude, o abraço largo. Nas prazer...
O mestre que não tive
Cheguei por lá, em verde juventude, o abraço largo. Nas prazerosas cadeiras de balanço, começamos a conversa. Havia nele uma dimensão de transcendência e de acolhimento naturais encarnados em seu ser de agradável cosmopolitismo que se espraiava pelos problemas gerais. A noite esplêndida, enxuta: no céu o fruto branco da lua madura.
Os sinos mudos e a rabeca de Elísio soltando notas gaguejadas. A igreja pequena onde fora batizado e recebera outros sacramentos, incluind...
A rabeca de Elísio
O que mais me inquietava (talvez mais do que a ele) era a postura na cadeira de rodas. Em pleno passeio e caminhadas na praça. Cooper, o c...
Cadeirante na praça
Quando somos crianças, as horas são preguiçosas. O tempo é imperceptível. Armamos nossos presentes com arcos e pedaços de invisíveis faze...
Resgate da infância
Quanta coisa boba pode gerar um texto! A lembrança de meu gato de infância. É raro quem, durante os rápidos verdes anos, não tenha pos...
Pretinho
Meu gato ou o bichano da casa era negrinho, retinto como se pintado de piche. Os olhos amarelos, flutuantes, invasivos. Um miado estranho. Certamente era poliglota, pois a tonalidade variava, e, não sei se por fantasia infantil ou besteira de criança, conversava comigo.
Nunca mais vi Nadege. Nome pouco comum, não? Pois a conheci, há tempo; morava no final da Rua da República. Foi ela a responsável pela ave...
Ocaso ou o caso
Erupção mesmo, posto haver um vácuo profundo, uma cratera de criatividade que nunca explorara. Somente lia os augustos anjos versejadores, dentro do paraíso ou parnaso literário dos livros didáticos.
Nem todos entendem florinês. Dialogar com as flores viventes em plurais recantos onde elas habitam, pequeninos jarros, entre rachões de mu...
Diálogo com as flores, um eterno aprendizado
Minha tia Nininha sublimava a solteira, fazendo brotar o instinto materno nas florinhas e plantas que sua mão tocava. Parecia fada com vara de condão: plantou, pegou. Enchia ela de multicolores variações áridas áreas esturricadas: terras despidas, virginais, onde um sapo ou invasoras formigas se estabeleciam. Sobre elas despejava os fios d’água saídas pelos orifícios miúdos dos regadores. As flores sorriam alegres, criavam alma nova. Ou existe alguém duvidando da alma de flores? A fragrância delas é transcendente. As flores são vivas saídas de um suspiro de Deus sobre a Criação infinitamente derramada. Quem olhar com o espírito aberto à harmonia, certamente confundirá estrelas com flores prateadas pisca-piscantes.
Fácil capturar uma borboleta ou apanhar uma flor. Marisa vivia naquele mundo. Nunca se interessara por estudar: as irmãs, fazendo pós-grad...
Flores e borboletas
Elogiadas pela família, o pai vendera uma fazenda, a fim de vê-las no cume. Marisa era o patinho feio, considerada uma medíocre, dada a receitas culinárias anotadas num caderno, preparando o bolo do fim de semana. No dia em que as estudiosas alcançaram o diploma, foi festa até o clarear do dia. Muita gente compareceu para cumprimentos, elogios, exaltações.
Um colega se refugiou num sítio. Deixou o asfalto para viver em contato mais próximo com a natureza. Ou seja, ser fiel à vocação ecológic...
Fugindo do estresse
Conta a lenda que Narciso viu seu rosto nas águas e ficou deslumbrado consigo mesmo. Desapareceram, pelo que eu saiba, os espelhinhos redo...
Imagem no espelho
No parque de diversões, havia o chamado “espelho mágico”, que retorcia, desfigurava, caricaturava no reflexo quem o olhasse. Era atração paga e bem consumida. O ser humano gosta de se olhar; espelhos e fotos,
Qual a mulher (salvo exceções) que não se mira na planície espelhada, antes de sair para uma festa ou, na menor das hipóteses, qualquer saída à rua para simples compra de um remédio? Homens, também, não os excluo.
Há uma música, sucesso regional nordestino, cujo enredo é um enamorado se enfeitando o dia inteiro para ver a querida e que ficou inteiramente frustrado pelo fato de ela não o haver notado, quando se encontraram: “Ela não olhou para mim/ passei horas no espelho/ me arrumando o dia inteiro/ ela nem olhou pra mim”.
Conheço um advogado que, antes de seguir à audiência, além de conferir o bom ajuste da roupa, verificava o nó da gravata. Era um nó; ajeita, desfaz, refaz, até que fique bem com o colarinho. O próprio Novo Testamento alude ao fato, numa das cartas do Apóstolo Paulo:
“Hoje vejo por um espelho embaçado” – alude à impossibilidade de conhecermos a totalidade real de Deus, aqui no tempo. Muitos literatos utilizam o espelho como metáfora. Pintores, também.
Espelho meu/ espelho meu/ existe no mundo/ alguém mais bela (o) do que eu? Cada idade tem sua juventude (ou cada imagem refletida ou captada) – se não me engano foi Jorge Luis Borges, poeta argentino, cego e genial quem proferiu essa máxima. Não sendo ele, me desculpem, mas as fases da vida jamais serão vistas, porque se dissolvem na totalidade da alma.
E alma (pessoa) jamais será fotografada, nem refletida. Mesmo que Jesus assegure que o olho é o espelho da alma. Sem nenhuma intenção de heresia, há olhos que não traduzem a interioridade recatada em seu misterioso quarto. Existe quem se veja no espelho ou fotografia com estranheza.
Explico: acha que não é ele. Ou se vê vivo, jovem, ou morto, velho. Até como outra pessoa. Não se conforma com a naturalidade impressa na foto, nem espelhada. Enfim, faz sua própria imagem. Será que Narciso se viu assim nas águas paradas?
Não participava de festas. Maria se ofuscava mesmo, encolhendo-se qual caramujo, enrolada em suas hesitações. Todos saíam de casa, ela fi...
Solidão
Maquiada a capricho, os cabelos vastos arrumados, soltos, em ondas bem acentuadas, livres. O olhar voltado para o verde aguardado. Um verd...