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Participamos, no ano passado, de um cine-jantar no restaurante Casa Roccia , organizado pelo crítico de cinema Andrés Von Der Sauer. Os seu...

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Participamos, no ano passado, de um cine-jantar no restaurante Casa Roccia, organizado pelo crítico de cinema Andrés Von Der Sauer. Os seus eventos, além de proporcionar agradáveis encontros entre pessoas que são amantes da Sétima Arte, têm como pièce de résistance, prato principal, o debate de alto nível por ele promovido após a sessão. Suas análises de cinema são ricas em detalhes e permeadas do humor que lhe é peculiar.

Naquela noite, assistimos ao filme francês "Vatel, um Banquete para o Rei" (2000, Roland Joffé), com o qual ficamos profundamente impressionados. A película conta a história, verdadeira, da recepção oferecida pelo conde de Chantilly ao rei Luis XIV, da França. O conde estava quebrado e precisava muito agradar o rei e convencê-lo a abrir os cofres para salvar seu condado. Conseguiu, então, que Sua Majestade aceitasse o convite para um jantar. Mas não um simples jantar.


“Ô” banquete, como vocês verão se assistirem ao filme. Não é apenas um jantar gordo. É uma série de refeições em forma de obras de artes, entremeadas com danças, balé, circo, drama, comédia, tudo sequenciado para o deleite do rei e de sua comitiva.

Paralelo a isso, corre a história do autor da cerimônia: François Vatel, chef francês que já tinha sido da corte, mas caiu em desgraça, fugindo da França para a Inglaterra. Anos depois volta à França, sendo acolhido pelo conde de Chantilly.

O filme é deslumbrante, rico em fotografia, atuação e direção, posteriormente comentado por Andrés. O debate foi, realmente, uma “deliciosa sobremesa!”

Mas nem todo banquete se reveste de tanto luxo quanto o do conde de Chantilly. É possível termos o mesmo prazer com muito menos. Depende das circunstâncias.


Ao ser admitido no curso ginasial do Colégio Pio X, como já disse certa vez, ingressei numa nova realidade social e psicológica: fui promovido a rapaz!

Lá, fiz amizades com muitos colegas, cabeças as mais diferentes possíveis. Uma das mais duradouras das amizades foi com Fernando Furtado Filho, o Nino.

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Ele mudou-se para o bairro Tambiá, perto da nossa casa. Sua grande família, composta por pessoas maravilhosas, exerceu boa influencia à minha vida: Dr. Fernando Furtado, Dona Mirtes, Paulo Germano, Solange, Suely, Simone, Silvana e o próprio Nino. Com eles vivi momentos inesquecíveis.

Dr. Fernando era um exímio profissional; excelente pai de família e esposo; pessoa simples; sempre bem humorado, gostava de conversar conosco. Dava atenção à meninada.

Dona Mirtes é uma dama: bonita, elegante, excelente companheira, mãe e filha, que foi. Sempre carinhosa com as irmãs e com toda a família. Assim como o esposo, era muito atenciosa para com as amizades dos seus filhos. Hoje, ela estende todo o seu amor para os netos.

Andamos uns cinco quilômetros, parando aqui e ali para descansar, quando de repente a fome começou a apertar.
Um dos cenários mais comuns das nossas aventuras foi o sítio Alagoinha, do Dr. Fernando, na localidade de Gramame, que dista cerca de 15 quilômetros do centro da capital paraibana.

Todas as manhãs de sábados ele ia até o sítio: fazer pagamentos, levar farelo para as vacas, milho para as galinhas. Voltava com a carroceria da caminhonete repleta de frutas. E nós íamos com ele: Fernando, eu e Tóia, a inseparável cadela peluda do patriarca.

Lá, havia tudo o que menino gosta de fazer: roça, dar comida ao gado, campo para peladas, uma piscina improvisada, mata e, principalmente, o banho de água doce! O sítio ficava às margens do rio Gramame.

Embora nossas mães nos proibissem de nadar no rio, não pensávamos em outra coisa quando íamos para lá, desafiando os caramujos da schistosoma.

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Num desses sábados fizemos uma jangada precária, com troncos de bananeiras, e fomos navegar. O rio era raso, de modo que, em alguns trechos, a jangada encalhava. Tínhamos, então, que descer e empurrar, enquanto Toia latia na margem. Nesse dia, ficamos entretidos nisso toda a manhã, e entramos pela tarde.

Foi só quando a jangada se desmanchou que nos demos conta do tempo e corremos de volta para a sede do sítio. Quebramos a cara. Cadê a caminhonete? Para onde foi Dr. Fernando? O administrador nos disse que ele nos procurou, buzinou e foi embora.

E agora? Decidimos voltar a pé para casa. Quilômetros! Mas era o jeito. Partimos, com Toia nos acompanhando.

Andamos uns cinco quilômetros, parando aqui e ali para descansar, quando de repente a fome começou a apertar. Mato de um lado, mato do outro, nenhuma árvore frutífera e a fome aumentando. Eu já não pensava em outra coisa senão em comer. Qualquer coisa!

Um pouco mais adiante encontramos uma casa com uma modesta vendinha ao lado. Tarde avançada, não havia mais o que servir. Insistimos e o dono nos ofereceu o que restava: sardinha com cuscuz! Abriu duas latas e comemos com o cuscuz seco. Dividimos tudo com Toia. Que delícia! A sensação era de que estava comendo salmão com um risoto bem gostoso, com creme de leite.

Para a nossa surpresa, mal terminamos e andamos um pouco, vimos a caminhonete verde-claro se aproximando: Dr. Fernando veio nos buscar!

Relembrando tudo isso, sinto que o nosso almoço inusitado foi tão gostoso quanto o banquete de Vatel. Tanto que até hoje não esqueci o sabor. E fiquei fã da sardinha.

Só não com cuscuz seco!


José Mário Espínola é médico e escritor

Anos atrás, numa festa de confraternização da clínica Vivance, onde até hoje temos aulas de pilates, fui presenteado com um livro da nortea...

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Anos atrás, numa festa de confraternização da clínica Vivance, onde até hoje temos aulas de pilates, fui presenteado com um livro da norteamericana Marlena de Blasi: Mil Dias em Veneza. Trata-se de um romance autobiográfico, que relata a sua viagem para encontrar o futuro esposo, Fernando, bancário veneziano. Antes de tornar-se escritora e ir morar na Itália, Marlena era jornalista e escrevia sobre gastronomia para vários periódicos dos Estados Unidos. Numa de suas viagens, experimentando a culinária das diversas regiões do mundo, conheceu Fernando e os dois se apaixonaram.

Quando menos esperávamos, de repente a nossa vida estava cheia de netos. Logo cinco em apenas oito anos! E quase que por decreto fomos pr...

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Quando menos esperávamos, de repente a nossa vida estava cheia de netos. Logo cinco em apenas oito anos!

E quase que por decreto fomos promovidos a uma classe maravilhosa e respeitável: a de Avós. Pois não estávamos preparados para essa promoção. Ou quase. O fato é que Ilma e eu passamos a desfilar com esse novo “crachá” entre os amigos e parentes.

Comecei a aprender matemática em casa, com as primeiras letras. Logo entrei para o Primeiro Ano A, na escola de Dona Carmita, na Praça da I...

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Comecei a aprender matemática em casa, com as primeiras letras. Logo entrei para o Primeiro Ano A, na escola de Dona Carmita, na Praça da Independência, quando a tabuada entrou definitivamente em minha vida.

Já morando no atual apartamento, pensávamos que bichos seriam páginas viradas. Mas não contávamos com o amor que nossos filhos têm por eles...

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Já morando no atual apartamento, pensávamos que bichos seriam páginas viradas. Mas não contávamos com o amor que nossos filhos têm por eles e por mim. E me deram no Natal de 2006 uma linda salsichinha (dachshund) preta e marrom: Maria Luiza Pires de Sá Espínola. Ou Merilú, como ela gostava de ser chamada.

Ao longo da vida na casa de meus pais eu criei diversos bichinhos. Tive um pombo chamado Carlitos, por causa dos seus pés na posição de 15-...

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Ao longo da vida na casa de meus pais eu criei diversos bichinhos. Tive um pombo chamado Carlitos, por causa dos seus pés na posição de 15-pras-3. Ele era muito romântico. Desenvolveu um amor platônico pela sua imagem numa cristaleira velha, onde ele morava. Como mamãe não queria bichos dentro de casa, deu fim à cristaleira e Carlitos foi morar no galinheiro: apaixonou-se por uma galinha!

De médicos e de loucos... E Germano e Ângela saltam: “Puxa, vai começar tudo de novo, é??” Calma, amigos. Vou escrever sobre loucos, sim....

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De médicos e de loucos... E Germano e Ângela saltam: “Puxa, vai começar tudo de novo, é??”

Calma, amigos. Vou escrever sobre loucos, sim. Mas sobre aqueles que são loucos por bichos! É uma categoria de malucos saudáveis, na qual eu me enquadro em excelentes companhias. Por exemplo: os meus filhos Henrique, Ricardo e Ana Laura. Todos os meus netos. A nossa filha-sobrinha Salomé. Os meus amigos queridos Ângela Bezerra de Castro, Germano Romero, Marluce Castor e Josias Batista. E a minha amiga e fisioterapeuta, Lúcia Grilo. Que time, hein?!

Nos anos 1980 a cidade de Varginha, em Minas Gerais, tornou-se celebridade nacional ao anunciar o encontro de um ser extraterrestre no muni...

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Nos anos 1980 a cidade de Varginha, em Minas Gerais, tornou-se celebridade nacional ao anunciar o encontro de um ser extraterrestre no município. Nunca ficou comprovada tal existência.

A partir daí, tudo que é cidade interiorana do Brasil buscou alcançar a mesma notoriedade, e outras civilizações passaram a ser o sonho de consumo de seus habitantes. Guarabira foi uma delas.

As minhas tardes de sábado costumam proporcionar um prazer juvenil: jogar xadrez! Mas o termo é insuficiente para revelar a riqueza que a a...

jose mario espinola escola de xadrez ambiente de leitura carlos romero

As minhas tardes de sábado costumam proporcionar um prazer juvenil: jogar xadrez! Mas o termo é insuficiente para revelar a riqueza que a atividade lúdica encerra.

Cinco vezes! Foram 5 chances para se evitar tal absurdo. Mas a burocracia, a desatenção com os idosos, a indiferença com os mais velhos, o ...


Cinco vezes! Foram 5 chances para se evitar tal absurdo. Mas a burocracia, a desatenção com os idosos, a indiferença com os mais velhos, o descaso com um ancião, concorreram para o disparate.

O ócio compulsório pelo qual estamos todos passando provoca efeitos diversos no nosso organismo. Um deles é o tédio profundo causado pela t...

jose MÁRIO ESPÍNOLA Ambiente de leitura

O ócio compulsório pelo qual estamos todos passando provoca efeitos diversos no nosso organismo. Um deles é o tédio profundo causado pela tarefa inglória de lavar pratos.

Após um curso primário saltitando de escola em escola, finalmente chegou o grande momento: o Exame de Admissão ao curso ginasial. Para os...


Após um curso primário saltitando de escola em escola, finalmente chegou o grande momento: o Exame de Admissão ao curso ginasial.

Para os meninos do meu tempo isso significava um grande salto de evolução. No ginasial entrávamos menino grande e saíamos rapaz, com acesso aos filmes proibidos da sessão noturna do cine Brasil, desde que o bigode pintado e a cara feia convencessem o fiscal do Juizado de Menores.

colegio marista
Colégio Pio X
Depois de cinco anos estudando nas escolas primárias, meu sonho de consumo era estudar no Colégio Pio X, onde todos os meus irmãos estudaram.

Mas passar no Exame de Admissão era uma tarefa hercúlea. Exigia muito conhecimento de, principalmente, matemática e língua portuguesa. E eu me sentia preparado para enfrentá-lo.

Quem não estava confiante era mamãe, que acendeu velas e encheu o meu pescoço de escapulários. Na primeira prova eu estava nervoso, e passei raspando.

Dia seguinte, a caminho do Pio X, me livrei de tudo o que enlaçava o meu pescoço, pois achei que deu azar. E passei!

Cabeludo conseguiu se livrar do padre Félix e saiu correndo pela capela, pálido, sem encarar ninguém
O colégio era um mundo novo, para mim, fascinante! Começa que pela primeira vez eu usei farda. Nas escolas particulares nós não tínhamos uniformes.

Que universo! Time de futebol, laboratório, curso de fotografia, teatro, francês, inglês, gincana, canto orfeônico, e Cruzada Eucarística. Eu nunca joguei bem. Cedo me convenci que eu era um perna-de-pau. E me dediquei ao xadrez.

Um dos nossos professores, titular da turma Primeira série C era o Irmão Ricardo Cortês, “carinhosamente” chamado de Irmão Mutuca. A sua turma era composta pelos repetentes do ano anterior. E o Irmão Paulo Beckman, diretor do colégio, colocava os repetentes justamente sob o jugo do Irmão Mutuca.

Irmão Mutuca não girava muito bem. Tinha dias em que já entrava na classe vexado, dizendo: “Um, dois, três, três, dois, um: Fora! Fora!”, expulsando de classe os três primeiros alunos da chamada, SEM TER NEM POR QUÊ!

Para poder comungar tínhamos que confessar, na véspera. Se não, era pecado e a hóstia queimaria na barriga
A Cruzada Eucarística era comandada por Irmão Bruno. Ele abria as portas para as atividades culturais, como o jornalzinho O Apóstolo, no qual Humberto, meu irmão, trabalhava como repórter, ou “Foca”; como eram chamados repórteres iniciantes. Daí veio o seu apelido no colégio: Foquinha. E também dava a chance de atuarmos como coroinha nas missas.

Entrei para o canto orfeônico, compondo a turminha da Primeira Voz. Foi lá que aconteceu um episódio que contribuiu para que eu encurtasse a minha vida de religioso.

A missa começava às 5 horas da manhã. E nós tínhamos que ir em jejum, pois não podia comer antes de comungar. Numa missas dessas eu estava cantando no coro quando de repente a vista escureceu, comecei a ficar pálido, suando frio, e fui arreando. Aí Irmão Bruno me tirou do coral e me levou para comer um sanduíche. Eu havia tido a minha primeira “bilôra”!

Para poder comungar tínhamos que confessar, na véspera. Se não, era pecado e a hóstia queimaria na barriga. Pelo menos era o que os colegas mais adiantados nos diziam.

Certa manhã estava a turma de Silvino na Capela, em fila desorganizada, para se confessar. No confessionário estava o padre Félix, o terror dos adolescentes. As penas que ele prescrevia para poder absolver os nossos pecados eram terríveis: rezar 47 Pai-Nossos; ou 77 Salve-rainhas; ou 86 Ave-Marias. Por aí. Às vezes, castigos maiores. E quando padre Felix não gostava, era igual a mulher quando fica indignada: sai da frente!

Nessa dita manhã faltavam se confessar Cabeludo, Silvino, Tota, Marcelo Barros, Caúma e Gutemberg. Todos à distância do confessionário respeitável o suficiente para bagunçarem em voz baixa. Era justamente a rabeira da classe, os mais anarquistas e que tinham mais podres a confessar. Por isso ficavam por último, relutantes.

Saiu do confessionário, agarrou Cabeludo pela orelha, subindo e descendo, e gritando: “Pervertido!” “Tarado"!
Cabeludo era o mais inquieto, mexendo com um, bulindo com outro. Vibrando porque à tarde iria ao Cine Rex assistir Spartacus. A sua alegria era, por dizer, contagiante. Foi quando o confessionário ficou livre e Cabeludo rapidamente lá se ajoelhou.

Passados alguns minutos, os meninos conversando baixo, quando de repente ouviu-se o grito do padre Félix: “SAFADO!”

O padre estava apoplético. - “Seu monstro!”

E saiu do confessionário, agarrou Cabeludo pela orelha, subindo e descendo, e gritando: “Pervertido!” “Tarado!”

Cabeludo conseguiu se livrar do padre Félix e saiu correndo pela capela, pálido, sem encarar ninguém. E padre Félix vociferando indignado:
“Vou contar à sua mãe!”

Pausa. Silêncio total. Então se voltou para os alunos que esperavam:
“Com uma GALINHA!”


José Mário Espínola é médico e escritor

Das lembranças que eu guardo da infância, a mais gostosa é o banho de rio. Do Piancó ao rio do Peixe, todos eram diversão gratuita e garant...

banho de rio rio do peixe pianco

Das lembranças que eu guardo da infância, a mais gostosa é o banho de rio. Do Piancó ao rio do Peixe, todos eram diversão gratuita e garantida.

Dizem que Ernest Hemingway gostava mais de sua máquina de escrever que das suas mulheres. Bom, é possível que sim, ele não tinha mesmo o ju...


Dizem que Ernest Hemingway gostava mais de sua máquina de escrever que das suas mulheres. Bom, é possível que sim, ele não tinha mesmo o juízo muito certo. É tanto que deu no que deu.

O Dr. Giovanni Londres da Nóbrega era mesmo uma figura. Médico com doutorado em São José do Rio Preto, mal chegou a João Pessoa e já possuí...


O Dr. Giovanni Londres da Nóbrega era mesmo uma figura. Médico com doutorado em São José do Rio Preto, mal chegou a João Pessoa e já possuía grande clientela. E olha que nem convênios tinha.

Homem de muitos amigos, havia aqueles da caminhada matinal. Tinha os colegas do Sindicato. E os da roda cativa, no MAG Shopping (que insistem em chamar mégui).

Solteirão convicto (foi sócio-atleta no antigo Clube Maravalha!), logo se tornou partidão na nossa cidade.

Homem refinado, gourmet, bom garfo e bom copo, às vezes até pantagruélico, não perdia uma boca-livre. Tinha apetite para tudo.

Sentiu de repente vindo das profundezas, do mais íntimo do seu ser...
A clientela cresceu e agranfinou-se. Passou a freqüentar as colunas sociais. Daí foi um passo para ver que seu consultório precisava de uma boa reforma, que o tornasse moderno por dentro mantendo a fachada tombada. Para isso contratou uma arquiteta.

Projeto grã-fino exige refrigeração moderna. Por isto, por recomendação da arquiteta, decidiu adquirir um split, aparelho de ar-condicionado com o qual vinha namorando na internet há já algum tempo.

Uma segunda-feira, de ressaca, estava a desfrutar das maravilhas do split: frio polar, bem distribuído por todo o ambiente, tornando o ar homogêneo. Às vésperas havia abusado da muqueca do Badionaldo. E logo acompanhado de rum Montilla! À noite jantou buchada com batatas doces. Completou com pastéis-de-nata de dona Nisa. Não bastasse essa verdadeira bomba prestes a explodir, ao chegar ao consultório tomou um café Nespresso de intensidade 12. E foi se refrescar no consultório.

O interfone o tira do cochilo: a atendente anunciou a entrada de um jovem paciente, acompanhado de sua mãe. Após uma anamnese demorada, muito bem feita como lhe era peculiar, examinou escrupulosamente o menino, voltando para o seu birô para elaborar a conduta.

Quando estava orientando a mãe sobre os achados clínicos, os exames a serem realizados, e a conduta a ser adotada, sentiu de repente vindo das profundezas, do mais íntimo do seu ser, do âmago, aquela manifestação tão conhecida, que sempre antecipava explosões ruidosas. E dos quentes, ainda por cima! Sentiu-se momentaneamente perdido.

Súbito, teve então uma idéia salvadora. Segurou-se como pôde, e disse para a mãe:

“Eu tenho umas amostras do remédio dele no meu armário. Vou buscar já.”

E dirigiu-se rapidamente ao outro lado do consultório, mais distante do birô, onde havia um biombo salvador. Aliviou-se o mais silenciosamente possível: Ahhhh! De novo: Ahhhh!

De repente, ouviu um grito vindo do outro lado:
“Ai, mãe! Num fui eu não!”

E a mãe:
“Quando chegar em casa você me paga, seu cabrito!”

Dr. Giovanni amarelou, gelado: o split!!


José Mário Espínola é médico e escritor

Esta historinha me foi contada pelo saudoso Dr. Pedro Cardoso Filho, então estagiário no Hospital Municipal de Pronto Socorro. Trata-se de ...


Esta historinha me foi contada pelo saudoso Dr. Pedro Cardoso Filho, então estagiário no Hospital Municipal de Pronto Socorro. Trata-se de uma pequena amostra da personalidade fascinante que é o Dr. João Batista Mororó, figura humana ímpar, dotado de profundo sentimento religioso, preocupado com a alma de uma pessoa que tinha sido infeliz na vida, tentando dar o melhor para os pobres e oprimidos. Ele trata todo mundo carinhosamente por nêgo ou nêga. Eu acho que é uma técnica para não esquecer o nome de ninguém, igual ao que fazia o padre Juarez Benicio Xavier!

Nos anos 50 até os 70, o velho Pronto-Socorro localizava-se na Rua Visconde de Pelotas, esquina com a Rua Miguel Couto.

herul sa
Dr. Herul Sá
À época, por muitos anos, os titulares dos plantões eram sempre luminares da nossa medicina, que viriam a tornarem-se nossos professores: Aquiles Leal, Humberto Nóbrega, Herul Sá, Genival Veloso, Orlando de Farias, entre os mais lembrados. E entre estes o nosso querido mestre João Batista Mororó, que todo dia de São João inaugura uma nova idade.

Num fim de tarde, num sábado, chegou ao Pronto-Socorro um carro-de-praça (que era como chamavam os táxis de então) com um estudante secundarista do Lyceu Paraibano trazendo lá da zona do meretrício uma mulher-da-vida.

Esta tinha sido esfaqueada pelo seu cafetão, quando dançava com o estudante, no cabaré. Crime de ciúme, crime de sangue! O carro estava todo ensanguentado. A mulher, desfalecida, branca, morrendo por anemia aguda. O estudante estava apavorado.

Dr. Mororó, homem sábio e médico experiente, deu ordens para cateterizar uma veia e instalar sangue, e disse para uma enfermeira chamar urgente o cirurgião de plantão e, por quê não?, o capelão do hospital.


genival veloso
Dr. Genival Veloso
O cirurgião chegou primeiro, deu as suas ordens, complementando a conduta do Dr. Mororó, e foi se lavar para a operação. O estudante, pálido, assistia a tudo aquilo, horrorizado.

Logo em seguida chegou padre Félix, o capelão, para dar a extrema-unção. Perguntou ao estudante se era o marido da paciente, tendo ele rispidamente respondido que NÃO! Então, uma das enfermeiras cochichou no ouvido do padre que a mulher não tinha maridos, morava no cabaré e levava vida irregular.

Pra que ela disse isto?? O padre então se recusou a dar a extrema-unção! Ocorre que, à época, a Igreja era muito rigorosa, o Papa João XXIII ainda não a tinha modernizado com as suas encíclicas. Não adiantaram os apelos dos presentes.

Dr. Mororó implorou. O padre, porém estava inarredável. A Igreja era clara: a ausência do sacramento do matrimonio lhe impedia de abençoar a infeliz com o ministério da extrema-unção.

A situação caminhava para o insolúvel, quando o Dr. Mororó teve uma idéia. Perguntou ao sacerdote pausadamente, quase que soletrando: “Padre, se ela se casasse agora, o Senhor daria a extrema-unção?”

O padre ficou numa saia-justa. Respondeu, muito reticente: “É, desapareceria o impedimento e eu poderia administrar-lhe o ministério...”

Dr. Mororó voltou-se, então para o secundarista, e disse, candidamente: “Casa com ela, nêgo!”

O estudante indignou-se, pois era pobre, do interior, mas era de família religiosa, decente, o que o impedia de casar-se com uma prostituta:

“Caso NÃO!!”

Dr. Mororó insistiu: “Nêgo, você casa com ela, o padre dá a extrema-unção, ela vai se operar, morre, e você fica livre e desimpedido para casar de novo. Casa, nêgo..!”

“Caso não! Casa tu!!”
“Eu já sou casado, nêgo. Se eu pudesse, faria este gesto.”
“Num caso de jeito nenhum.”

Dr. Mororó insistiu: “Nêgo, faz esta caridade celestial!”

“Faço não!”

Mororó, homem perspicaz, profundo conhecedor dos mistérios da alma, usou da psicologia médica. Disse para o estudante: “Nêgo, se tu não casa com ela, ela morre, e vai voltar à noite pra puxar teu pé.”

O jovem já não respondeu. Olhou a paciente inconsciente estirada na maca, chocada, da cor do lençol. Pensou um pouco. E perguntou ao Dr. Mororó: “O Senhor tem certeza que ela vai morrer?”

“Tenho, sim, nêgo! Ela não resiste à anestesia geral!”

Assim, relutantemente, o estudante concordou. O padre casou os dois. Dr. Mororó e o então acadêmico Dr. Pedro Cardoso Filho foram testemunhas. Logo a seguir, deu a extrema-unção e retirou-se, exausto e um pouco confuso. Afinal de contas nunca tinha presenciado um caso semelhante.

A paciente foi finalmente levada para a sala de cirurgia, onde foi operada de urgência, perdendo o baço rasgado pela navalha do cafetão. E escapou!!

O estudante jurou de morte o Dr. Mororó, que prudentemente mudou de plantão.


José Mário Espínola é médico e escritor

“Você é um subversivo!”, gritou o colega ao telefone. Fui pego de surpresa. Subversivo? Eu? A palavra, a princípio me pareceu familiar. H...


“Você é um subversivo!”, gritou o colega ao telefone.

Fui pego de surpresa. Subversivo? Eu? A palavra, a princípio me pareceu familiar. Há muuuitos anos eu não escutava isso.

Tudo começou com uma discussão, a princípio saudável, com meu grande amigo, antigo colega, que vivenciou comigo momentos agradáveis. Falávamos sobre o momento político atual. Eu criticava o presidente, dizia que era medíocre e ele defendia.

Foi quando comecei a dar fundamentação à minha opinião, ele sentiu-se encurralado, e reagiu como reagiam no passado de nossas discussões políticas, quando a razão fugia: fazendo ataques pessoais ao dono da opinião divergente, dizendo que é comunista, petista e outros epítetos.

Subversivo, eu? A palavra me soou mágica. Foi quando eu voei no tempo (acho que não tenho a doença de Alzenheimer pois ainda consigo voar no tempo e dele retornar!). Voltei 50 anos no passado, pousando suavemente em 1968.

Foi um ano mágico! Quantas coisas aconteceram, boas e más. Nesse ano o Botafogo foi campeão carioca. O filme 2001 Uma Odisséia no Espaço foi o grande lançamento do ano. Concordo com Zuenir Ventura: 1968 começou e não terminou.

lyceu paraibano ditadura militar
Lyceu Paraibano
Foi o meu primeiro ano no científico do Liceu Paraibano. Nova turma, novos colegas, novas amizades. Nova mentalidade, a puberdade se havia ido embora, depois de muito brincar no ginásio eu finalmente me tornara um adulto responsável.

O Liceu dos anos 1960 era um lugar mágico. Um estilo de vida estudantil totalmente diferente do que eu tinha experimentado, até então. Fascinante! Liberdade total, diferente dos outros colégios até então. Só passava quem tivesse responsabilidade. E como eu estudei! Sem deixar de brincar, aprendi a dosar. O Grêmio Estudantil era onde nos encontrávamos, nos intervalos, para jogar xadrez, ouvir música e discutir política.

Estávamos no quinto ano da ditadura militar. Mas em 1968 começamos a respirar um clima primaveril que varreu o mundo todo. Aqui não foi diferente. Prenunciavam-se mudanças. Discutia-se a implantação de uma política de ensino importada dos Estados Unidos, a qual os estudantes brasileiros repeliam com veemência. Tratava-se do Acordo MEC-USAID, que até hoje eu não sei o que era.

Misturando com os estudos participei ativamente como representante da classe, pichando paredes e distribuindo panfletos. Foi o ano das grandes passeatas. Reuníamos-nos em frente à catedral. Depois caminhávamos em direção ao Palácio do Governo, uma multidão na contramão. Geralmente não conseguíamos chegar até a Praça João Pessoa, dos Três Poderes, porque a polícia baixava o cassetete antes disso.

Protestávamos sobre tudo: liberdade de imprensa, preço das passagens, guerra do Vietnã, liberdade de opinião. E principalmente contra a ditadura militar.

Numa dessas passeatas fomos dispersados violentamente pela polícia, ao entrarmos no beco da rua Conselheiro Henriques. Eu estava com uma companheira de atividades subversivas, Mone Pessoa, irmã de meu colega e amigo João Alberto Pessoa. Eu poderia ter corrido, mas deixá-la-ia sozinha no meio de três policiais armados de cassetetes e espingardas. Não consegui socorrê-la. Resultado: apanhamos os dois!

Lá pra setembro ocupamos por três dias o Cassino da Lagoa, onde à época funcionava o CÉU - Clube do Estudante Universitário. A polícia militar nos desalojou debaixo de cacete, inclusive quebrando a radiola na hora em que tocava o Hino da Liberdade: “Já podeis da pátria fiiilhos...”

Depois, ocupamos por iguais três dias a FaFi, Faculdade de Filosofia. Desta vez quem nos expulsou “pacificamente” foi a Polícia Federal. Nesse momento tive a oportunidade de assistir a uma cena que me marcou até hoje.

Enquanto os policiais, armados de metralhadoras, nos botavam para fora e fechavam as portas da FaFi, Everaldo Júnior subiu numa balaustrada e fez um discurso violento contra a ditadura, a PF e o Superintendente da PF à sua frente, sujeito chamado Emilio Romano, que assistiu contricto, trêmulo, porém impassível.

Ao longo da semana nos reuníamos secretamente para ler ou ouvir o que era proibido. Lembro-me de ter escutado secretamente o disco da peça Arena Canta Zumbi, num quarto dos fundos da casa de Karlov Neves de Lima, irmão de Babi. Era a época do “É proibido proibir!”

clube cabo branco
Antigo Clube Cabo Branco
Nos fins de semana nos divertíamos muito singrando as noites de João Pessoa. Durante a semana tinha o xadrez e o gamão do Esporte Clube Cabo Branco. Nos fins de semana tinha o Jantar dançante do Clube Cabo Branco, as noitadas no Elite Bar, Zé Rubens Jangada dando um show de bateria, especialmente no samba-rock.

Tinha a Toca do Coelho, onde passávamos quase a noite toda dançando em 1 metro quadrado de pista, coladinhos. Depois podíamos finalizar a noite na churrascaria Bambu, no bordel da rua Maciel Pinheiro ou no Independente Atlético Clube.

Pois foi justamente tudo isso o que o amigo me evocou, essa deliciosa volta ao passado, ao pensar que estava me ofendendo. Na idade em que eu estou, ser assim chamado chega a ser até lisonjeiro.

“Subversivo!” Não me ofendi. Respondi, agradecendo:

“Touché, meu amigo!”
José Mário Espínola
Subversivo aposentado



José Mário Espínola é médico e escritor

Desde que saiu de João Pessoa para prestar internato em São Paulo que Dr. Manuel tinha uma idéia fixa: ser Intensivista! Logo no início do...

jose mario espinola defunto uti hospital

Desde que saiu de João Pessoa para prestar internato em São Paulo que Dr. Manuel tinha uma idéia fixa: ser Intensivista! Logo no início do ano, procurou se “encostar” no CTI do hospital Nossa Senhora de Lourdes, cujo chefe, Dr. Bembom, muito competente, embora homem seco, era atencioso para com os novos alunos, futuros médicos, especialmente aqueles que demonstravam mais interesse por UTI.

Dr. Manuel cumpria o estágio nas diversas clínicas, mas não perdia passagem de plantão na UTI. Numa dessas ficou muito impressionado quando o R1 Dr. Zé Mário passou para o R2 Dr. Demóstenes o caso da velhinha desidratada do leito 7: “Esta é uma paciente liofilizada. Estava tão desidratada que, para poder conseguir um acesso venoso, tivemos que reconstitui-la com 8 jarras dágua.” Noutro plantão foi a vez de Dr. Demóstenes dar o troco: “Esta paciente foi aeromoça do 14 Bis”, disse, passando o caso de uma velhinha bastante idosa no leito 4.

Anos mais tarde, pouco depois de pegar o plantão das 7 horas na UTI do hospital de Carapicuíba da Serra, Dr. Manuel constatou o óbito do Seu Lima, um paciente de idade avançada que morreu de infarto cerebral e do miocárdio, consequente a um priapismo que ele havia desenvolvido mês atrás, durante relação sexual forçada, após a ingestão de 4 comprimidos de Viagra mal-tomados. Precisou de um caixão especial. Manuel lavrou o atestado de óbito e entregou o honrado homem às suas três famílias, que depois de quatro semanas de arranca-rabo na sala de visitas da UTI, haviam chegado a um acordo para prantear o falecido.

Eles levaram o tri-patriarca para o velório anexo do hospital, considerado território neutro pelos herdeiros. Lá pelas 4 da tarde Dr. Manuel estava na ante-sala da UTI (lotada de visitas), prestando esclarecimentos aos parentes dos outros pacientes ali internados. A futura viúva do paciente terminal do leito 13 não se conformava com o pré-óbito iminente do seu marido. Astróloga e numeróloga, dizia que se ele tivesse sido internado no leito 10 não teria se agravado tanto, pois além de 10 ser um número harmônico (“de rombo!”), seus vizinhos de leito seriam Áries, à direita, em conjunção com Virgem, à esquerda, o que proporcionaria uma evolução melhor para o seu marido.

Estava Dr. Manuel pacientemente tentando explicar-lhe que câncer de pâncreas, com metástase para estômago, rins, pulmões e cérebro, às vezes pode ter uma má evolução, quando de repente a porta da sala “explodiu”, e entrou uma enxurrada de pessoas. Eram os 23 filhos e as 3 viúvas do Seu Lima, empurrando o caixão num carrinho, todos gritando: “Tá vivo! Ele está vivo, doutor!” “Doutor, meu pai está vivo!”, diziam eles em uníssono.

Dr. Manuel levou o féretro para dentro da UTI para examinar o de cujus. Perguntou aos filhos o que foi que eles viram, para afirmar tal asneira. A filha mais nova disse que o pai estava com rubor facial, e suando às bicas. E a bisneta mais velha, técnica de enfermagem, pegou no pulso, teve um susto e gritou: “Ele tá vivo!”. Foi quando pegaram o caixão e carregaram no carrinho para Dr. Manuel examinar.

Este afastou os cravos-de-defunto roxos, os copos-de-leite brancos, as gérberas e as gardênias, as rosas-chá e os gladíolos vermelhos, tendo acesso ao corpo. Com um oftalmoscópio examinou as pupilas: ambas totalmente dilatadas, em midríase. Com um estetoscópio auscultou demoradamente o coração: nada! Tomou o pulso: nada! Com um esfigmomanômetro aferiu a pressão: zero por zero! Mas também notou que o defunto estava realmente transpirando e um pouco ruborizado.

Dirigiu-se até ao anexo e tudo se esclareceu. A sala de velório era, literalmente, uma câmara ardente: velas e círios espalhados por todos os lados, temperatura ambiente de Picos, no Piauí. O que deve ter feito o corpo infiltrado do falecido ruborizar e transpirar.
Dr. Manuel retornou ao hospital e disse para a família: “Tirem, agora mesmo, este defunto da minha UTI!!!”.


José Mário Espínola é médico e escritor
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Meados dos anos 60, no Hospital São Vicente de Paula, em João Pessoa, no final da manhã a Irmã Rosele entra pela enésima vez no apartam...


Meados dos anos 60, no Hospital São Vicente de Paula, em João Pessoa, no final da manhã a Irmã Rosele entra pela enésima vez no apartamento do Comendador. Ela dá apoio logístico para uma verdadeira operação de guerra: a cirurgia do Comendador.

Há três dias se desenrola um drama naquele quarto: o velho Comendador, nos seus oitenta anos, por conta de uma prisão de ventre fora internado pelo Dr. Velho Mestre (então na flor da idade): uma semana sem evacuar!

Lá na Usina, os palpites eram os mais variados possíveis: uns diziam que era ventusidade; outros achavam que era um nó na tripa... Todos, porém, concordavam numa coisa: o Comendador não voltaria mais para a casa grande.

O quadro piorou muito, o velhinho ictérico no leito mais parecia uma cenoura, a barriga parecia um zabumbo, crescida e distendida. Já não saía mais nada, nem um pum! Vicente Ferrer, da funerária, muito amigo da família, já aparecera por lá.

O Dr. Velho Mestre estava bastante apreensivo: tentou tudo, com os parcos recursos medicinais disponíveis, àquela época. Litros e mais litros de soro; já era o décimo enema que o paciente tomava.

O Dr. Achiles Leal, jovem e brilhante cirurgião, foi chamado, e depois de ouvir a história clínica e examinar o paciente; de ver os exames realizados por Dr. Maurílio; e de ver o raio-x simples de abdômen feito no leito por Dr. Esmerino, concluiu tratar-se de um caso grave de obstrução intestinal, e que só se salvaria se fosse operado. Aguardava apenas o parecer do cardiologista, para levar para a sala.

Acontece que no final da manhã o Dr. Vanildo, após auscultar o coração arrítmico, auscultar os subcrépitos das bases dos pulmões, palpar os pulsos filiformes, tentar palpar o fígado, examinar as escleróticas, visualizar a cianose que já começava a se fazer notar no leito ungueal, observar a cardiomegalia no raio-x de tórax, e analisar o eletrocardiograma (um dos primeiros realizados na Paraíba!), enfim chegou a um diagnóstico, e a um prognóstico sombrio:

“Paciente de alto risco. Se for operado, tem elevada chance de não sair vivo da sala.”
Chororô geral, entre a esposa e as filhas do Comendador. E um banho de água fria no cirurgião, que tinha certeza de que salvaria o paciente.

Porém ao longo da tarde o paciente piorou tanto que os médicos assistentes realizaram uma junta médica, e chegaram à conclusão: ou opera ou morre sem fazer nada. Comunicada, a família autorizou a operação.

Fim de tarde na São Vicente, o corredor cheio de médicos ilustres e amigos: os jovens e inseparáveis urologistas Dr. Jacinto e Dr. Osorinho; Dr. Oscar de Castro discretamente contando uma piada a Dr. Humberto Nóbrega (que segurava o riso como podia); Dr. Plínio Espínola preocupado com o amigo; Dr. Lauro Wanderley e Dr. Danilo Luna (era o obstetra da esposa do Comendador); os pediatras Dr. João Soares e Dr. João Medeiros; o irreverente Dr. Arnaldo Tavares, só para citar alguns.

No Centro Cirúrgico, Dr. Achiles já se lavando e Dr. Almir Lopes preparando os gases para a anestesia. O maqueiro já estava na porta do quarto, para levar o paciente para a sala de cirurgia.

Logo após a saída do Padre Zé Coutinho, Dr. Velho Mestre pela última vez tomou o estetoscópio e auscultou o abdômen, na esperança de ouvir ruídos hidroaéreos. Pois isto significaria que o trânsito intestinal se refizera, tornando dispensável a cirurgia de altíssimo risco. Debalde: silêncio fúnebre.

Desolado, o Dr. Velho Mestre desabou na cadeira ao lado, e na vã tentativa de evitar a cirurgia, fez um último apelo ao paciente:

“Nêgo, dá um peidinho pro papai, nêgo, dá!?!”

* Trata-se de uma obra de ficção. Fatos e mitos se mesclam, tornando qualquer semelhança uma divertida coincidência.


José Mário Espínola é médico e escritor E-mail

Esta história me foi contada pelo inesquecível Romero Peixoto, meu amigo querido, companheiro do xadrez do Esporte Clube Cabo Branco,...


Esta história me foi contada pelo inesquecível Romero Peixoto, meu amigo querido, companheiro do xadrez do Esporte Clube Cabo Branco, da qual foi testemunha ocular.

Ia ser o noivado do ano. Filho de tradicional família paraibana, o jovem cirurgião dr. Augusto de Almeida Filho finalmente decidira se casar.

O dr. Augustão, como era carinhosamente chamado pelos seus discípulos, na juventude tinha se destacado por três características: aluno estudioso, sendo o melhor da sua turma; personalidade forte, o que o fazia se impor sobre os demais; e pavio muito curto, que o fazia brigar quase todas as manhãs, na saída do colégio Pio X. Foi assim no ginásio e no científico.

No curso superior, revelou-se um acadêmico brilhante, concluindo Medicina com louvor. Partiu, então, para Harvard, onde se especializou em cirurgia digestiva. Após passar três anos, pavio mais curto, retornava a João Pessoa, tornando-se o maior partidão entre as moças casadoiras da época.

Pois não é que o dr. Augustão se embeiçou pela Fatinha!? Garota linda, charmosa, rostinho coquete, mascando chiclete, era uma rosa de bonita. E muito prendada. A sua beleza tinha o DNA da mãe: dona Ilda era belíssima! Tanto que ela foi a primeira Miss Paraíba.

A filha do Seu João Celso, grande comerciante, correspondeu ao flirt do dr. Augustão. Namoraram, e após um bom tempo decidiram se casar, para alegria das duas famílias.

Representante da Alta Sociedade local, a dona Ilda entendeu que o pedido-de-mão da sua filha, logo por dr. Augustão, tinha que ser um acontecimento marcante. E decidiu organizar um jantar em grande estilo para marcar a data.

Convidou, entre outros nomes da nata da sociedade: o comendador e industrial Renato Monteiro; o comendador Aluisio Ribeiro Coutinho; o industrial José Nilson Rolim; o economista Pavlov Baltar; o industrial do sorvete, Manuel Tropical; o famoso urologista dr. Jacinto Londres de Medeiros, com grande clientela na rua Maciel Pinheiro; o gerente do Banco do Brasil, David Trindade, com a sua Margot; o arrebatador tribuno Mocidade; o presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Sarmento; o arcebispo Dom José Coutinho; o major Ciraulo; o governador João Ramalho; o engenheiro Fernando Dias; o prefeito da Capital, dr. Luis de Oliveira Lima; o bardo Manuel Caixa-D’Água; o comendador Romero e Terezinha Peixoto; o grande dermatologista dr. Arnaldo Tavares, com a sua esposa Otaviana; o advogado famoso Tiburtino Rabelo de Sá, acompanhado de sua discreta esposa, dona Toinha. E completou a lista com a socialite Isabel Bandeira Brasileira e com Agá, o mais presente cronista social da sua época.

Assinava o jantar dona Carmélia Ruffo. As empadinhas, os pastéis açucarados e os pastéis-de-nata não poderiam ser de outra senão da dona Nisa Siqueira. Organizou o serviço o ágil garçom Forzinho.

Na grande noite, como seu pai se encontrava enfermo, o dr. Augustão tomou como padrinho o seu irmão médico dr. Ney Almeida, cirurgião há muitos anos radicado no Rio de Janeiro, e que viera tão sòmente para o evento.

Lá chegando, o noivo apresentou seu irmão aos futuros sogros, ao governador, ao prefeito, ao bispo, ao engenheiro, ao industrial, ao major, aos três comendadores, ao gerente; e a todos os demais presentes.

O dr. Ney recebeu de Forzinho uma dose de Old Parr e sentou-se na roda. Homem bem humorado, o dr. Ney, muito espirituoso, logo soltou uma piadazinha leve, tipo balão-de-ensaio; ou uma isca, como querem outros.

Bonachão, amante da boa comida e do bom whisky, o Seu João Celso (logo o pai da noiva!), que adorava uma piada, foi justamente quem mordeu a isca.

E logo iniciou-se um delicioso duelo: um contava uma piada, o outro respondia com outra pior. O outro replicava, e assim por diante.

Versaram sobre tudo que é tema: piadas de bêbado, de doido, de corno, de bicha. Piada de crente, de católico, de apostólico, de romano; de gregos e troianos, de turcos e judeus.

E para desespero dos noivos, a cada rodada caía mais o nível das piadas, num crescendo (ou num descendo!) qual um Bolero de Ravel picante.

A noiva assombrada correu para dentro de casa e contou à mãe o que estava acontecendo. Esta apressou os trabalhos e chamou todo mundo para o jantar.

Mas, para desespero dos noivos, a dupla de humoristas continuou a desfilar seus piores repertórios à mesa. Dr. Augustão, vermelho, suava às bicas. Foi quando um beliscão por baixo da mesa, dado por dona Ilda, fez o Seu João Celso se tocar. Então ele disse:

“Dr. Ney, vamos parar por aqui, pois, o senhor sabe, a mesa é um lugar sagrado...”

E, para horror do dr. Augustão, seu irmão respondeu:

“É uma pena, pois só de “c*” ainda tenho umas seis...”

O dr. Augustão mergulhou debaixo da mesa, de onde só saiu depois do último convidado.


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