A sociedade contemporânea está ficando marcada por um comportamento que se convencionou chamar de individualismo. O ser humano está s...

Rui leitao ambiente de leitura Carlos romero

A sociedade contemporânea está ficando marcada por um comportamento que se convencionou chamar de individualismo. O ser humano está sempre querendo se autoafirmar, buscar a singularidade, se distinguir entre os demais do seu convívio.

Cada um de nós possui suas próprias peculiaridades, o que nos coloca como parte única no universo, somos indivíduos. Em sendo assim, vivemos querendo realçar nossas dessemelhanças para impor nossas individualidades. É o desejo de se reconhecer como unidade destacada num grupo.

Nem todas as escrituras, revelações, ensinamentos, livros, bibliotecas, templos, obras de arte foram suficientes. Nem todos os mestres, Jes...

Germano romero ambiente de leitura Carlos romero

Nem todas as escrituras, revelações, ensinamentos, livros, bibliotecas, templos, obras de arte foram suficientes. Nem todos os mestres, Jesus, Buda, Confúcio, Moisés, Abrahão, João Batista, Aristóteles, Trismegisto, Luthero, Platão, Blavatsky, Kardec, Madre Teresa, Chico Xavier, João Paulo II, tampouco os de hoje como Divaldo Franco e Yuval Harari foram suficientes.

Nem toda a monumental obra deixada por Dante, Goethe, Victor Hugo, Shakespeare, Cervantes, Camões, Balzac, Exupéry, e tantos outros foram eficazes. Nem Rodin, Renoir, Da Vinci, Michelângelo, Vincent, Monet, nada...

De ciclos em ciclos, glórias e tragédias, dramas e espetáculos, perdas e ganhos, idas e despedidas, a existência é inexoravelmente tecida
Nem todas as sublimes melodias escritas por músicos como Bach, Beethoven, Bruckner, Mahler, Chopin e Sibelius foram bastantes...

Nem todas as “zoicas” eras que alteraram a crosta terrestre e os períodos vividos pela humanidade por milhões de anos, e nem mesmo o canto dos pássaros, o desabrochar das flores, o murmúrio das ondas, a cantiga da chuva, o balé das nuvens, das borboletas, o brilho da lua, das estrelas, a dança espiralada dos bilhões de galáxias e todos os fantásticos mistérios do mundo invisível e subatômico parecem ter sido suficientes para nos preservar a esperança.

Mesmo cientes de que a “fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão face a face”, como ensinou Allan Kardec, somos incapazes de entender que toda a Fonte da qual jorram e jorraram as maravilhas e turbulências já vividas tem origem na Lei que tudo rege.

De repente, um vírus que é criado pelos mesmos fenômenos biológicos da Vida e se alastra contaminando seres humanos por todo o planeta aterroriza terrivelmente a população incauta e esquecida. Esquecida do que já viveram os milhares de gerações, de seus dramas, suas guerras, suas pestes e tragédias pelas quais sucumbiram milhões de outros seres e renasceram outros tantos.

Esquecidos estamos, sim, de que a todos esses fenômenos sobrevivemos, progredimos e continuamos a evoluir, era após era, no ciclo das encarnações sucessivas e por onde o mundo se renova.

...
E que mundo! Uma minúscula partícula perdida na poeira cósmica, revestida de uma atmosfera azul, que abriga mares, rios, florestas e bichos lindos. Um mundo que, mesmo tão pequenino, se veste de estações floridas, invernosas, frutíferas e ensolaradas. Que é varrido por brisas e ventanias, acariciados por mares deslumbrantes, gelado em seus picos, caloroso em seus trópicos, e iluminado por luas de todos os tamanhos, que nascem em sintonia com as marés, o uivo dos lobos, o piar das corujas e o sibilar dos grilos noturnos. Não, meus amigos, alarguemos a visão que costuma se fechar ao imediatismo da percepção estreita.

Lembremos de que tudo passa, como já passou, repassou e renasceu. O mundo não vai acabar com coronas e covids. A vida segue seu curso como giram e brilham as galáxias e constelações. De ciclos em ciclos, glórias e tragédias, dramas e espetáculos, perdas e ganhos, idas e despedidas, a existência é inexoravelmente tecida, desde quando viemos do lodo, perambulamos pela pré-história, nos abrigamos em tocas, tribos e cavernas e despontamos à nova era. Tudo conduzido magistralmente pelas mesmas leis que fazem a Lua e o Sol girar, nascer à hora certa, no lugar certo. E assim permaneceremos, sob o céu que nos protege, nascendo, morrendo, renascendo, progredindo sempre, tal é a Lei.

“Ah homens de pouca fé”...


Germano Romero é arquiteto e bacharel em música

A trajetória de estudante é algo inesquecível. Mais que as lições escritas pelos mestres nos quadros negros (ou lousas), ou ditadas para te...

clovis roberto ambiente de leitura carlos romero

A trajetória de estudante é algo inesquecível. Mais que as lições escritas pelos mestres nos quadros negros (ou lousas), ou ditadas para testar a habilidade auditiva e de concentração dos jovens, o ambiente escolar na infância/adolescência fica indelével na memória. Às vezes embaçado, outras com nitidez assustadora. Em todas, uma saborosa saudade.

Será possível isolar-se? Isolados do vírus estaremos, também, dos seus efeitos no espírito? Quando o alcance da janela só ia até a calçad...

Gonzaga Rodrigues ambiente de leitura

Será possível isolar-se? Isolados do vírus estaremos, também, dos seus efeitos no espírito?

Quando o alcance da janela só ia até a calçada da frente ou à franja do horizonte físico, o contágio estava mais ou menos evitado. No cólera de 1855/56 isto deve ter sido possível. Éramos 300 mil almas, segundo o registro de Beaurepaire Rohan em sua Corografia da Paraíba do Norte, a capital com 30 mil habitantes, o equivalente ao número de vítimas no Estado. Dez por cento, proporcional à “sciência” de então, embora com os mesmos cuidados, quarentenas e isolamentos de hoje.

Como interpretar esses tempos de isolamento social, motivado pela pandemia da corona vírus? O que está mudando no mundo, na sociedade, na e...


Como interpretar esses tempos de isolamento social, motivado pela pandemia da corona vírus? O que está mudando no mundo, na sociedade, na economia, nas relações humanas, no meio ambiente, etc? Que mundo vai emergir pós-pandemia?
Vamos compartilhar algumas reflexões de um aprendiz, que busca interpretar esses Sinais, à luz da Doutrina Espírita, buscando encontrar Respostas às diversas questões que estão nos bastidores, desses tempos de transição planetária.

São inquietações naturais e humanas. Há, de fato, um cenário preocupante, do ponto de vista das questões socioeconômicas. Numa perspectiva otimista, afirma-se: nas crises nos reinventamos. Também as empresas reprogramam suas estratégias e, com o tempo, tudo vai se ajustando e resignificando.
Caravana de Laboriosos Servidores estão sendo convocados e já se acham em preparação nas colônias espirituais próximas à Terra

Por paradoxo, ao lado deste cenário de crise e em função do isolamento, temos ganhos acentuados, a destacar no meio ambiente, com menos poluição, menos hidróxido de carbono, menos aquecimento global, por conseguinte, mais qualidade no ar, rios e mares. O Planeta agradece.

A violência, o egoísmo, a indiferença moral, estavam sendo as grandes intérpretes desses tempos, parece que tudo conspirava para um grande conflito mundial, talvez uma guerra nuclear de consequências dolorosas e imprevisíveis. De repente, um vírus, invisivelmente, veio poupar a humanidade de um possível e terrível flagelo a nível mundial. Bem provável que o recado dado a humanidade, pela Covid-19, seja esse: volte para dentro de si mesmo; volte para perto dos seus amores; desacelere; perceba no isolamento o valor do coletivo; mude suas perspectivas; desapegue-se dos bens transitórios; volte-se para os interesses de sua alma imortal. Provavelmente, trouxe um alerta; não há mais tempo! Os desígnios divinos são inexoráveis. A lei do progresso apresenta rodas que giram infatigavelmente e impulsionam os mundos e a humanidade para frente.

...
Chico Xavier
Trazemos por fim, mensagens enviadas pelos benfeitores espirituais, sempre atuantes, orientando os passos evolutivos da humanidade.

Segundo Emmanuel, em O Consolador, Pergunta 88, Psicografado por Chico Xavier, em 1940, nos diz “O mundo não está sob a direção de forças cegas”

Do Livro Transição Planetária, de Manoel Philomeno de Miranda, psicografia de Divaldo Franco, com Mensagens do Espírito Órion, Constelação de Touro Cap. III.

• Caravana de Laboriosos Servidores estão sendo convocados e já se acham em preparação nas colônias espirituais próximas à Terra.

• Enfrentamento inevitável entre o amor abnegado e a violência destrutiva.

• Psiquismo Terrestre e Genética humana em condições de receber os ilustres hóspedes.
...
• As grandes transformações, embora ocorram em fases de perturbação do orbe terrestre, em face dos fenômenos climáticos, da poluição e do desrespeito à natureza, não se darão em forma de destruição da vida, mas na mudança de comportamento moral e emocional dos indivíduos, convidados uns ao sofrimento e outros pelo discernimento em torno da evolução.

• Lentamente surgirão os valores da saúde integral, da alegria, harmonia pessoal, porque a solidariedade espiritual do amor estará revitalizando-nos e encorajando-nos ao prosseguimento.

Podemos inferir dessas mensagens espirituais algo muito claro. Tudo está sob um planejamento Divino, e sendo Deus soberanamente justo e bom, surgirá uma nova terra e uma nova humanidade, sem dúvidas.


Marco Lima é presidente da Federação Espírita Paraibana

Algum vento soprará destas montanhas Dias trará de longo pavoroso sofrer Espalhando esverdeado ocluso sofrer Do enregelado deixado à pró...


Algum vento soprará destas montanhas
Dias trará de longo pavoroso sofrer
Espalhando esverdeado ocluso sofrer
Do enregelado deixado à própria sorte
Que por cáfilas cáfilas de anos
Sibilou entre penedos Irmão da névoa

É comum escutar a expressão dos colegas do meu tempo de “foca”, de que o Jornalismo de antanho, aquele que fazíamos, era melhor do que o...


É comum escutar a expressão dos colegas do meu tempo de “foca”, de que o Jornalismo de antanho, aquele que fazíamos, era melhor do que o realizado neste limiar de milênio. A estes sempre respondo que bom é o Jornalismo atual com todos os recursos disponíveis, resultantes do desenvolvimento da microeletrônica. Quando iniciantes na “pia de Gutenberg” éramos, apenas, mais saudáveis, mais dispostos e em processo de descoberta do mundo.

Mutilação Onde estão meus olhos que teus olhos descobriram? No teu olhar que não alcanço mais E minha boca em que decifraste o sabe...


Mutilação

Onde estão meus olhos
que teus olhos descobriram?
No teu olhar
que não alcanço mais

E minha boca em que decifraste
o saber e o sabor indistintos?
Nos teus lábios
que não sinto mais.

Pedaços de mim
se foram contigo

Para sempre.


Verso / Reverso

Marcas
de um outro
amor
em teu corpo.

Garras
de uma velha
dor
em meu peito.


Desencanto

Destino meu
de apagar o sol
de abarcar o vento
de afogar o mar

De procurar
e perder
e só para isso
encontrar.


Vida

Na memória
a lembrança dos mortos
No coração
a indiferença dos vivos.

Distância
Silêncio
Dupla face da solidão.


Ângela Bezerra de Castro é professora e crítica literária

Cultura é uma palavra interessante. Já pararam para pensar no que ela diz e no que ela representa? Sabiam que “colono” e “inquilino” provêm...


Cultura é uma palavra interessante. Já pararam para pensar no que ela diz e no que ela representa? Sabiam que “colono” e “inquilino” provêm da mesma raiz? Conhecem aquele bairro de Roma, onde se encontra a estação Termini e em que morou o poeta Marcial, o Esquilino, situado na colina do mesmo nome, a mais alta das sete que compõem o traçado da Cidade Eterna? Pois é, essa denominação também possui a mesma origem.

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O termo cultura é oriundo do mundo rural, proveniente do verbo latino “Colo”, “Colĕre”. Quando essa forma verbal surge, ela tem o sentido de cultivar a terra e também os deuses que protegem aquele lugar, agora escolhido como morada. Daí que colĕre tanto pode ser cultivar, quanto habitar. Eis a sua relação com “colono”, o que habita e cultiva uma determinada terra, e com “inquilino”, aquele que habita em algum lugar, sem que necessariamente venha a cultivá-lo.

No que diz respeito ao bairro romano, no traçado original da cidade, feito por Rômulo, o Esquilino se situava na parte externa do reino, vindo a ser incorporado bem mais tarde. Hoje, integra-se perfeitamente ao perfil de Roma, abrigando a Basílica de Santa Maria Maior, uma das suas sete maiores igrejas.

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Basílica Sta Mª Maggiore
Com o passar do tempo, o verbo amplia o seu sentido de cultivar a terra e os deuses que a protegem, e de habitá-la, para o sentido de cultuar a memória e a tradição, de modo a repassá-la às gerações seguintes. Assim, o substantivo “culto”, forma deverbal proveniente do supino “cultum”, tem o significado de “ação de cultivar”, passando a designar também um cuidado com as coisas do espírito, que devem ser preservadas. Embora possa parecer que os termos são muito diferentes – cultivar, colono, inquilino –, eles guardam em comum uma mesma raiz primitiva, em que constam os fonemas “kl”.

Cultura é, portanto, o que se cultiva ou cultua, materialmente ou no espírito; numa relação com a divindade ou por necessidades pessoais e do intelecto. Responder à questão que dá título a este texto é fácil. Todos temos cultura. Qualquer intervenção do homem feita na natureza, modificando-a, é um ato de cultura. Questão mais complexa é, como ouvi num debate na televisão, se há pessoas com mais cultura do que outras. Eu diria que, quanto maior o desenvolvimento tecnológico e humanístico, mais a cultura se expande. Há pessoas com mais cultura do que outras, então? Não tenho certeza, pois todos, particularmente, possuímos saberes que outros não têm. Mas posso afirmar que, decididamente, há mais pessoas com acesso aos bens culturais do que outras. Incluindo aí tanto o saneamento, quanto as bibliotecas...


Milton Marques Júnior é doutor em letras, professor e escritor

Após um curso primário saltitando de escola em escola, finalmente chegou o grande momento: o Exame de Admissão ao curso ginasial. Para os...


Após um curso primário saltitando de escola em escola, finalmente chegou o grande momento: o Exame de Admissão ao curso ginasial.

Para os meninos do meu tempo isso significava um grande salto de evolução. No ginasial entrávamos menino grande e saíamos rapaz, com acesso aos filmes proibidos da sessão noturna do cine Brasil, desde que o bigode pintado e a cara feia convencessem o fiscal do Juizado de Menores.

colegio marista
Colégio Pio X
Depois de cinco anos estudando nas escolas primárias, meu sonho de consumo era estudar no Colégio Pio X, onde todos os meus irmãos estudaram.

Mas passar no Exame de Admissão era uma tarefa hercúlea. Exigia muito conhecimento de, principalmente, matemática e língua portuguesa. E eu me sentia preparado para enfrentá-lo.

Quem não estava confiante era mamãe, que acendeu velas e encheu o meu pescoço de escapulários. Na primeira prova eu estava nervoso, e passei raspando.

Dia seguinte, a caminho do Pio X, me livrei de tudo o que enlaçava o meu pescoço, pois achei que deu azar. E passei!

Cabeludo conseguiu se livrar do padre Félix e saiu correndo pela capela, pálido, sem encarar ninguém
O colégio era um mundo novo, para mim, fascinante! Começa que pela primeira vez eu usei farda. Nas escolas particulares nós não tínhamos uniformes.

Que universo! Time de futebol, laboratório, curso de fotografia, teatro, francês, inglês, gincana, canto orfeônico, e Cruzada Eucarística. Eu nunca joguei bem. Cedo me convenci que eu era um perna-de-pau. E me dediquei ao xadrez.

Um dos nossos professores, titular da turma Primeira série C era o Irmão Ricardo Cortês, “carinhosamente” chamado de Irmão Mutuca. A sua turma era composta pelos repetentes do ano anterior. E o Irmão Paulo Beckman, diretor do colégio, colocava os repetentes justamente sob o jugo do Irmão Mutuca.

Irmão Mutuca não girava muito bem. Tinha dias em que já entrava na classe vexado, dizendo: “Um, dois, três, três, dois, um: Fora! Fora!”, expulsando de classe os três primeiros alunos da chamada, SEM TER NEM POR QUÊ!

Para poder comungar tínhamos que confessar, na véspera. Se não, era pecado e a hóstia queimaria na barriga
A Cruzada Eucarística era comandada por Irmão Bruno. Ele abria as portas para as atividades culturais, como o jornalzinho O Apóstolo, no qual Humberto, meu irmão, trabalhava como repórter, ou “Foca”; como eram chamados repórteres iniciantes. Daí veio o seu apelido no colégio: Foquinha. E também dava a chance de atuarmos como coroinha nas missas.

Entrei para o canto orfeônico, compondo a turminha da Primeira Voz. Foi lá que aconteceu um episódio que contribuiu para que eu encurtasse a minha vida de religioso.

A missa começava às 5 horas da manhã. E nós tínhamos que ir em jejum, pois não podia comer antes de comungar. Numa missas dessas eu estava cantando no coro quando de repente a vista escureceu, comecei a ficar pálido, suando frio, e fui arreando. Aí Irmão Bruno me tirou do coral e me levou para comer um sanduíche. Eu havia tido a minha primeira “bilôra”!

Para poder comungar tínhamos que confessar, na véspera. Se não, era pecado e a hóstia queimaria na barriga. Pelo menos era o que os colegas mais adiantados nos diziam.

Certa manhã estava a turma de Silvino na Capela, em fila desorganizada, para se confessar. No confessionário estava o padre Félix, o terror dos adolescentes. As penas que ele prescrevia para poder absolver os nossos pecados eram terríveis: rezar 47 Pai-Nossos; ou 77 Salve-rainhas; ou 86 Ave-Marias. Por aí. Às vezes, castigos maiores. E quando padre Felix não gostava, era igual a mulher quando fica indignada: sai da frente!

Nessa dita manhã faltavam se confessar Cabeludo, Silvino, Tota, Marcelo Barros, Caúma e Gutemberg. Todos à distância do confessionário respeitável o suficiente para bagunçarem em voz baixa. Era justamente a rabeira da classe, os mais anarquistas e que tinham mais podres a confessar. Por isso ficavam por último, relutantes.

Saiu do confessionário, agarrou Cabeludo pela orelha, subindo e descendo, e gritando: “Pervertido!” “Tarado"!
Cabeludo era o mais inquieto, mexendo com um, bulindo com outro. Vibrando porque à tarde iria ao Cine Rex assistir Spartacus. A sua alegria era, por dizer, contagiante. Foi quando o confessionário ficou livre e Cabeludo rapidamente lá se ajoelhou.

Passados alguns minutos, os meninos conversando baixo, quando de repente ouviu-se o grito do padre Félix: “SAFADO!”

O padre estava apoplético. - “Seu monstro!”

E saiu do confessionário, agarrou Cabeludo pela orelha, subindo e descendo, e gritando: “Pervertido!” “Tarado!”

Cabeludo conseguiu se livrar do padre Félix e saiu correndo pela capela, pálido, sem encarar ninguém. E padre Félix vociferando indignado:
“Vou contar à sua mãe!”

Pausa. Silêncio total. Então se voltou para os alunos que esperavam:
“Com uma GALINHA!”


José Mário Espínola é médico e escritor

Adler, o meu amigo e cunhado, foi um menino grande. Um grande menino. Gostava de frequentar mais os ambientes públicos do que os espaços as...


Adler, o meu amigo e cunhado, foi um menino grande. Um grande menino. Gostava de frequentar mais os ambientes públicos do que os espaços asfixiantes das casas. Daí o seu jeito flâner, a predileção pelos feriados nacionais, pelas festas das padroeiras, a exemplo das de Nossas Senhoras das Neves e da Luz, sobretudo esta última, guarabirense de boa cepa que ele o foi.

Recostado num balcão bolorento, Luís terminava o último trago daquela bebida barata. O ar estava enevoado de fumaça e de um ar abafado, ar ...


Recostado num balcão bolorento, Luís terminava o último trago daquela bebida barata. O ar estava enevoado de fumaça e de um ar abafado, ar de maresia misturado com cheiro de roupas suadas. Luís esperava há dois dias pela permissão de embarcar.

Havia mais homens antes naquele bar. Eram os maquinistas, os homens dos porões daquele que seria o grande sonho de Luís e talvez de quase todos que ali se encharcavam de desejos impossíveis. Um cachorro magrelo tomava conta de seu dono, cujo sono de bêbado lembrava mais um cadáver quase morto, quase vivo. As meretrizes já haviam se retirado também. Estas, as quais nem o sono é um direito, faziam parte daquele cenário de noites perdidas. O dono do bar sofria de insônia crônica, o que era perfeito para gerenciar o negócio.

Lado a lado se apertam em cima e em baixo Entreposta a elas sutil lâmina, membrana plácida de pó sensível, inquebrantável, com fé ...


Lado a lado se
apertam
em cima e em baixo

Entreposta a elas
sutil lâmina,
membrana plácida
de pó sensível,
inquebrantável,
com fé estofada

Curioso como sempre fui, em uma visita a Paris, no ano de 2002, entrei no Centro Georges Pompidou, o famoso Beaubourg, onde estava a acon...


Curioso como sempre fui, em uma visita a Paris, no ano de 2002, entrei no Centro Georges Pompidou, o famoso Beaubourg, onde estava a acontecer uma exposição do artista plástico brasileiro Juarez Machado. Fiquei maravilhado. Foi quando, pela primeira vez, surgiu o desejo de contar com um exemplar de sua arte perto de mim.

Quando era menina, a hora depois do almoço era uma hora em que eu mergulhava num tempo todo meu. Gostava de sentar nos alpendres das casas ...


Quando era menina, a hora depois do almoço era uma hora em que eu mergulhava num tempo todo meu. Gostava de sentar nos alpendres das casas onde morava. O chão era frio dos mosaicos de ladrilho hidráulico (tão sem importância na época!), e ali me esparramava. Sentia na pele aquela temperatura fria dos desenhos em arabescos. E o mundo, literalmente, parava para mim.

1 praça antenor navarro a cidade subiu a ladeira com jeito de quem ia ali perto e voltava mas criou asa voou e nunca mais deu o ar...


1
praça antenor navarro

praca anthenor navarro
a cidade subiu a ladeira
com jeito de quem ia ali perto
e voltava
mas criou asa
voou
e nunca mais deu o ar da graça

2
praça joão pessoa

praca joao pessoa
no centro da praça
que os poderes humanos reúne
o austero presidente em bronze
morre todo dia outra vez
- de vergonha

3
trincheiras

os sobrados mortos
as casas arruinadas
são a prova viva
de que dessa vida
não se leva nada

4
jaguaribe

em suas ruas mais calmas
o progresso não mudou nada
e as famílias inda põem
cadeiras na calçada

5
cruz das armas

o tempo passou sem que nada ocorresse
nem dentro nem fora do ordinário
que alterasse seu irresistível
destino proletário

6
lagoa

Lagoa joao pessoa
as palmeiras imperiais permanecem
como sentinelas de um museu:
guardam memórias que restem
do que abaixo delas
se deu

7
roger

joao pessoa
a paz do colégio de freiras
se espalha pela vizinhança
e ali o barulho do mundo
chega apenas na lembrança

8
tambiá

tudo se define pelo não:
não mais moradias
não mais o silêncio vegetal
e o cheiro noturno dos jasmins
que inundava o ar
já não há

9
miramar

no alto como em altar
permanece a indecisão
de ser cidade ou mar:
confusão

10
tambaú

na praia que era longe e plácida
a gente ávida atravancou
de carros e prédios altos
a beira do mar mais verde que azul
e agora brinca (sofre) de ser
carioca zona sul

* fotos gentilmente cedidas por Reginaldo Marinho


Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB

Se a velhice é obra da natureza, o sensato é enfrentá-la de modo natural. Simplesmente deixar que ela venha, dispensando os artifícios com ...

professor chico viana

Se a velhice é obra da natureza, o sensato é enfrentá-la de modo natural. Simplesmente deixar que ela venha, dispensando os artifícios com que tantos procuram negá-la. Nada de plástica, nada de pintar os cabelos, nada de se vestir como um garoto. Tais recursos não disfarçam a passagem do tempo e acabam dando aos que deles se servem um aspecto caricato. Revelam desconforto e sofrimento com a perda da juventude, quando a maior vitória é mesmo aceitá-la.

Eu trabalhava no centro, perto da Lagoa, nessa época. A Galeria Gamela era próxima dali, e fui lá pegar uma tela de Alice Vinagre, que tinh...


Eu trabalhava no centro, perto da Lagoa, nessa época. A Galeria Gamela era próxima dali, e fui lá pegar uma tela de Alice Vinagre, que tinha adquirido. Quando cheguei, uma exposição estava sendo montada. Rapazes carregando telas enormes. Uma delas "passou" por mim e eu pensei:

Tenho minhas dúvidas se Ascendino Leite e Ariano Suassuna mantinham um bom relacionamento literário. Tive essa sensação quando encontrei ci...


Tenho minhas dúvidas se Ascendino Leite e Ariano Suassuna mantinham um bom relacionamento literário. Tive essa sensação quando encontrei citação de Ascendino no livro “Visões do Cabo Branco”, com insinuação que leva a pensar nessa possibilidade antagônica entre ambos. No “Caderno de Confissões Brasileiras”, editado por Geneton Moraes Neto, em 1983, Ariano fala da censura a grupos de teatro entre o final dos anos de 1950 e durante a ditadura militar de 1964-1985.

Não entendo de poesia, apenas gosto. Desde adolescente folheava com volúpia a coleção completa dos Sonetos de Shakespeare que estava sempr...

germano romero sonets shakespeare

Não entendo de poesia, apenas gosto. Desde adolescente folheava com volúpia a coleção completa dos Sonetos de Shakespeare que estava sempre a me acenar na biblioteca de papai, como se me lembrasse: “aqui você encontra a paixão das coisas todas”.

Era um jardim encadernado de flores e espinhos, dores e amargura, prazer e paixão, no qual o autor esculpiu em letras o perfume ardente e apaixonado da vida na mais grandiosa eloquência. A ponto de dizer que: “Nos olhos das estrelas se entende a Arte e neles toda a beleza e a verdade findam!”

Era o mesmo deleite que papai sentia na Música. Ele nunca entendeu a diferença entre uma fusa e uma colcheia
Quem precisa conhecer formalmente a poesia para entender o amor que está lapidado no coração de alguém que a outro diz “Os meus olhos desenharam a tua forma, e os teus, para mim, são as janelas em meu peito por onde o Sol deleita-se em admirar, vendo-te dentro de mim”?

E não era só a paixão que me enfeitiçava nos sonetos de quase 500 anos. Era tudo. A profundeza filosófica, a tragédia, o drama – no que o autor foi insuperável. Capaz de suavizar a dureza das verdades com a doçura dos versos, para falar da crueldade do tempo e de sua efemeridade: “Os dias firmam seu passo na juventude. E cavam suas sendas sobre a fronte da beleza; Alimentam-se da raridade da natureza, mas nada impede o firme corte de sua foice.”

Aristóteles fez uma tipologia das mais perfeitas a respeito da tragédia. E ele estava preocupado exatamente com a recepção
Nem sequer eu sabia das métricas, pois só lia, dos sonetos, as traduções. Embora a coleção fosse bilíngue, de fácil cotejo, eu desejava sorvê-los na rapidez do sentimento sem esforço.

Era o mesmo deleite que papai sentia na Música. Ele nunca entendeu a diferença entre uma fusa e uma colcheia, nem identificava em quantas ou em quais vozes a melodia percorria as fugas de Bach. Mas as sentia em ecos enebriantes que lhe regozijavam a alma. E assim, conhecia e dominava até mais profundamente a história e a literatura musical distinguindo a essência dos estilos e da personalidade de cada compositor que admirava, do que certos doutos especialistas na Divina Arte.

Saber é sentir. Mais do que conhecer. Amando se entende mais do que estudando. A técnica é fria, aritmética. O sentimento é doce, volátil, sublima-se no enlevo que produz nos que sentem as sutilezas e entrelinhas da música e da poesia.

milton marques jjunior
Milton Marques
A propósito desta estesia, em boa conversa com o amigo e professor de Letras Clássicas, Milton Marques Júnior, ele me falava sobre a arte de sentir a arte:

“Germano, quem gosta de poesia não precisa saber nada de sua técnica. Basta senti-la. A arte é assim. Arte é estesia. Você não precisa conhecer os mecanismos da arte, basta que a estesia, a sensação repercuta em você. Há 2.500 anos, Aristóteles fez uma tipologia das mais perfeitas a respeito da tragédia. E ele estava preocupado exatamente com a recepção - Como é que o público recebia a tragédia. Como é que se acolhia um texto que é ao mesmo tempo literário e dramático. E nessa recepção, ele dá uma orientação a quem quer ser poeta, quem quer ser escritor, dizendo uma frase muito simples, mas que ficou na memória de quem estuda literatura: ‘O poeta não é o fabricante de metros, mas o fabricante de mitos’. Porque o mito, a fabulação, a poesia que existe na construção narrativa ou poética, isso é que é o mais importante. Mais do que o metro, a ossatura ou de qualquer outra coisa. Ou seja, o importante na poesia é a essência e não o esqueleto”. E arrematou: Sentir a Arte é aprendê-la com a alma”.


Germano Romero é arquiteto e bacharel em música

Padre Pedro era um jovem servo de Deus. Não se haviam passado mais que dois anos desde sua ordenação. Estava então com vinte e nove anos. S...


Padre Pedro era um jovem servo de Deus. Não se haviam passado mais que dois anos desde sua ordenação. Estava então com vinte e nove anos. Socialista convicto, o reverendo era bastante politizado. Familiarizou-se com os textos esquerdistas ainda na adolescência, quando seu tio Arnaldo, retornando do sul, iniciara-lhe na literatura comunista. Adorava os clássicos, principalmente Lenin. Dedicava tardes inteiras ao estudo da causa operária. Deliciava-se com a idéia de revolução popular, de um mundo sem desigualdades e sem fronteiras, da socialização dos meios de produção... Esse aprofundamento teórico sobre as causas populares refletia em seu caráter. Reto, não admitia nenhuma forma de desonestidade. Pagar a conta de luz de um amigo que tentava furtar-se a fila do banco lhe era um absurdo. Repreendia-o incisivamente.

Não acredito em pessoas que não sonham, mesmo que sejam sonhos altos, fantasiosos, utópicos. É assim que damos asas à nossa imaginação, mot...


Não acredito em pessoas que não sonham, mesmo que sejam sonhos altos, fantasiosos, utópicos. É assim que damos asas à nossa imaginação, motivada por fortes esperanças, de que algo muito bom esteja para acontecer. Ainda que classifiquem de utopia alguns planos idealizados nunca devemos desistir deles. Até porque o que parece impossível hoje pode perfeitamente ser realizável no todo ou em parte no amanhã.

Beijo de metal Da faca que divide a tarde da noite que ilumina a lâmina e corta o Sol quero o toque da navalha na face em um beijo de ...

jornalista clovis roberto

Beijo de metal

Da faca que divide a tarde da noite
que ilumina a lâmina e corta o Sol
quero o toque da navalha na face
em um beijo de metal, com língua de sal

Gentil-homem de conhecimento admirável, catedrático brasileiro respeitado em terras germânicas e de personalidade rara em dias atuais: assi...


Gentil-homem de conhecimento admirável, catedrático brasileiro respeitado em terras germânicas e de personalidade rara em dias atuais: assim é o pianista Marco Antonio de Almeida, paranaense, nascido na cidade de Londrina.