Foi na poesia de Manuel Bandeira que pela primeira vez atravessei as ruas do Recife antigo. Com vinte anos eu era um camponês que andava ol...

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Foi na poesia de Manuel Bandeira que pela primeira vez atravessei as ruas do Recife antigo. Com vinte anos eu era um camponês que andava olhando para o chão, mas por sugestão do amigo Nathanael Alves, realizei uma fantástica caminhada pelas alamedas e quintais com fruteiras daquela cidade e debaixo das árvores do Campo das Princesas repousei do cansaço, impregnado pelas fantasias do poeta.
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Tempos depois repetia o passeio pelas páginas de “O Moleque Ricardo”, de José Lins do Rego, igualmente sendo purificado pelos poemas de João Cabral de Melo Neto, Ascênsio Ferreira e Mauro Mota que busquei como acalento. Todavia Bandeira e Zé Lins mostraram-me becos poéticos, bem mais íntimos do que a poesia de Augusto dos Anjos, que ainda tento decifrar para melhor sentir e viver na paisagem da comprida Ponte Buarque de Macedo, com sua alma e seus arredores.

Recife é um lugar agitado que me atormenta, talvez por isso poucas vezes tenha ido até lá, preferindo passear pelas crônicas de Gilberto Freyre e Edson Nery da Fonseca. Caminho pela poesia de Bandeira, tão cheia de lirismo e beleza estética, porque me atrai com o cheiro de fruta silvestre, de suor feminino exalando das antigas senzalas como também do cheiro da bagaceira das velhas usinas. Isso me basta porque acalma minha ânsia de andar pelas ruas da antiga Veneza Brasileira, porém em contrapartida, essas lembranças levam-me até Serraria, onde plantei sonhos na primavera da minha vida.

Como numa crônica de quase uma década atrás, quando lembrava os quarenta anos da morte deste pernambucano, ou melhor, do seu encantamento, porque os místicos e poetas se encantam para ficar na memória do tempo, agora, mais uma vez, retorno àquela cidade para saborear o cheiro do caju, da goiaba e da laranja-cravo dos antigos quintais das casas que a poesia de Manuel Bandeira nos apresenta.

A poesia de Bandeira nos conduz a essa paisagem do Recife antigo, porque a cidade atual é tão estranha e borrada pela decadência da solidariedade.

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Minha identificação com o poeta de “A Cinza das Horas” talvez seja porque carrego a aparência de menino criado entre os canaviais de Serraria, sob a sombra das mangueiras e das bananeiras do sítio onde aprendi a andar com a cabeça abaixada. O lirismo da poesia de Bandeira lembra as brincadeiras de cavalo-de-pau, banhos nos açudes com repetidos canga-pés e caçada de baladeira pelas capoeiras, que revivo com certa nostalgia.

Este poeta fala das amenidades da alma, estabelece fantasias que dão sentido a fatos que parecem ocorridos recentemente, mesmo que o horizonte da infância se distancie. Ler a poesia de Bandeira é conversar sobre a paisagem guardada na memória, mesmo distante no tempo, porque é um poeta que fala daquilo que sentimos.

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Na voz deste poeta pernambucano, evocando seu passado tão longe, retornamos às reminiscências de menino; ele com seu Recife antigo e eu, com minha Serraria de saudades.

Volto à leitura da poesia de Manuel Bandeira para reanimar as visões guardadas no canto da memória de um Recife romântico, mesmo preferindo andar pelas páginas do “Moleque Ricardo” de José Lins, pois os cenários são menos metafóricos. Quando o paraibano descreve os encantos dos engenhos da várzea do Rio Paraíba, vejo semelhança às rústicas paisagens da minha terra que hoje eu recolho como o alimento para as canções que improviso.


José Nunes é poeta, escritor e membro do IHGP

Após três dias na Itália, eis que chegou a hora de conhecer a Cidade Eterna. Desejo antigo, acumulado ao longo da minha juventude, nos livro...

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Após três dias na Itália, eis que chegou a hora de conhecer a Cidade Eterna. Desejo antigo, acumulado ao longo da minha juventude, nos livros escolares, na enciclopédia de meu pai e nos inúmeros filmes italianos a que já havia assistido.

Dou-me ao vinho e à carne aos sábados. Em compensação, gasto os domingos a alimentar o espírito com missa e música, muita música. Coisas de ...

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Dou-me ao vinho e à carne aos sábados. Em compensação, gasto os domingos a alimentar o espírito com missa e música, muita música. Coisas de cristão indisciplinado. Num destes recentes, depois de uma homilia sublime em que o sacerdote reproduziu o libelo do apóstolo Paulo ao amor, calhou de cair na vitrola “O Moldava”, parte do comovente poema sinfônico “Minha Pátria”, de Smetana.

Ao ler a série de contos de “Confissões de um Anjo da Guarda” (Bertrand Brasil, 2008), de Carlos Trigueiro, autor de outras obras marcantes...

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Ao ler a série de contos de “Confissões de um Anjo da Guarda” (Bertrand Brasil, 2008), de Carlos Trigueiro, autor de outras obras marcantes, como o “Livro dos Desmandamentos”, “O Clube dos Feios” e o “Livro dos Ciúmes”, voltei a me encantar com seu estilo denso, amargo, enxuto, sarcástico, e a me intrigar com o que acabei percebendo ser um de seus sestros de notável artífice da palavra: o uso recorrente da enumeração como forma de ampliação visual e conceitual dos relatos.

Enumeração:

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Tom Jobim
Acho que todo mundo conhece o poema “Isso é aquilo”, do livro “Lição das Coisas”, produto de Drummond já maduro, onde ele se limita a uma longa fila de versos que começa com “o fácil o fóssil / o míssil o físsil” e termina com “O cudelume Ulalume / o zunzum de Zeus / o bômbix / o ptyx”. Cada palavra colocada ali tem uma relação sonora com as demais, porém sempre com outro sentido, provocando, pelo acúmulo, um efeito poético extraordinário.

Em Águas de Março, Jobim segue a mesma trilha:

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá candeia, é o Matita-Pereira.

Trigueiro diz, de seu anjo Mahlaliel, que ele se viu obrigado a abrir mão de “trajes, acessórios, espaços, regalias, imagem, invisibilidade, segredos, reputação, poderes, armas e artimanhas”. Mais adiante, especifica: “Recolheram-me asas, vestes, halo, chancas, alabarda, sambuca e aquelas nuvenzinhas precursoras do skate”.

Às vezes Trigueiro me passa a impressão de alguém que faz escrita automática, como a dos surrealistas e dadaístas, ou como o Kubitschek Pinheiro, em suas crônicas paraibanas. Sexo dos anjos? “Hoje tem anjo macho, anjo fêmeo, anjo frígido, anjo esterilizado, anjo siliconado, anjo de programa e os que não estão nem aí para referências sexuais”. A relação dos que Mahlaliel já custodiou?: “profetas, bruxas, rainhas, centuriões, bárbaros, filósofos, diplomatas, reis, conquistadores... e plebeus, bandidos, políticos, jornalistas, desocupados, pintores, músicos, juristas, escritores, grafiteiros, funcionários públicos e os precursores dos blogueiros”.

Para se disparar essa metralha vocabular, há que se ter imaginação fervilhante, claro. O recurso, além de abrir a narrativa para uma infinidade de roteiros colaterais, de repente, noutros pontos, dá a elas uma velocidade frenética. No segundo conto, por exemplo, “Miguel enviou o currículo para agências de empregos, head-hunters, consultorias, seguradoras, financeiras, bancos, imobiliárias. Não obtendo resposta, fez promessas para os santos protetores de negócios, rezou, acendeu velas, jejuou, arquivou a libido”. ]

No conto “Obsessão”, o personagem Peterson, que é engenheiro, “se sentia realizado em canteiros de obras, regendo conjunto de bate-estacas, gruas, serras, tornos, empilhadeiras, soldadoras, e sentindo cheiro de cimento, argamassa, cola, tinta, suor de operários, lidando com mestres-de-obras mais sabidos do que mestres”. Essa ironia, machadiana, é exemplar em “O Jornalista”:

“O Mercado é sensível a corrente de ar, vírus de computador, boatos, enchentes, manchetes de jornais, licitação públicas, escutas telefônicas, prêmio de loteria acumulado, horóscopo...”

Numa conversa a respeito de “Confissões de um Anjo da Guarda” que tive com o professor de literatura brasileira da UFPB – poeta Sérgio de Castro Pinto – perguntei-lhe o que lhe lembrava esta declaração do Carlos Trigueiro na estória “Clínica para Normais”:


“A distância custou-lhe vinte e oito libras, três quartos de hora e meia dose de paciência”.

- Ora, Machado de Assis no capítulo XVII do “Memórias Póstumas de Brás Cubas”:

“Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”.

Machadiano. Carlos Trigueiro é machadiano, claro. Observe estes trechos do capítulo XIII de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”:

“... a enfadonha escola, onde aprendi a ler, escrever, contar, dar cacholetas, apanhá-las.”

“Tinha amarguras esse tempo; tinha os ralhos, os castigos, as lições árduas e longas.”

“Um velho mestre, ossudo e calvo, me incutiu no cérebro o alfabeto, a prosódia, a sintaxe, e o mais que ele sabia, benta palmatória.”

“Vejo-te ainda agora entrar na sala, com as tuas chinelas de couro branco, capote, lenço na mão, calva à mostras, barba raspada; vejo-te bufar, grunhir, absorver uma pitada inicial, e chamar-nos depois à lição. E fizeste isto durante vinte e três anos, calado, obscuro, pontual, metido numa casinha da Rua do Piolho.”

A coisa vai longe.

A marca de Carlos Trigueiro, porém, está na exasperação desse expediente. Na forma e no conteúdo. No capítulo 21 do “Livro dos Desmandamentos”, por exemplo, há um parágrafo antológico:

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Carlos Trigueiro
“Sob o império dos atos institucionais, qualquer vacilo, deslize ou equívoco no andar, falar, rezar, cantar, escrever, tocar, pensar, respirar podia acabar mal. Um gaguejo podia ser interpretado como linguagem subversiva codificada. Daí, vinte e dois mil, setecentos e quarenta e oito gagos desapareceram sem terminar o que iam dizer. Outra barbaridade sucedera àqueles que, por causa de um tique nervoso, piscaram na hora errada: nove mil, setecentos e setenta e sete ficaram caolhos.”

Veja-se este excerto do capítulo LXVII do mestre fluminense, em “Quincas Borba”:

“Estirado no gabinete, evocou a cena: o menino, o carro, os cavalos, o grito, o salto que deu, levado de um ímpeto irresistível.”

Agora veja ação semelhante, desenvolvida num conto de “Confissões de um Anjo da Guarda” – “Anjos Exterminadores” – cujo título, por evocar uma das obras-primas de Buñuel, trai a influência do cinema nessa exacerbação da técnica machadiana. Aí, “o menor C.P.F., vulgo Papelote, sem anjo da guarda”, sobe, depois desce o morro na mesma carreira de assaltante em fuga, e eu chamo a atenção para a velocidade da cena obtida pela enumeração, o... pinturesco de tudo que nela se menciona, a carga cinematográfica dessa disparada de fotogramas:

“Correu, correu, dobrou, direita, esquerda, correu, correu, subiu a escadaria do morro, subiu, saltou vala, pulou muro, mureta, atalhou daqui, dobrou dali, pulou barranco, bicicleta, macumba, chutou cachorro, lata de lixo, vazou birosca, barraco, derrubou porta, pulou janela, cerca, cercado”, etc, e, na página seguinte, a volta: “correu morro abaixo, saltou vala, valeta, pulou muro, mureta, macumba, despacho, farofa, vela de sete dias, garrafa de cachaça, cachorro, gato preto, pinto no lixo, gaiola de curió, pardal esfomeado, arco de barril, virou ali, acolá, subiu, desceu, atalhou, e correu, correu, correu....”

Genial

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Em “Memórias da Liberdade”, criado por Trigueiro no “alvorecer dos anos 1980”, “em Madri”, e que saiu aqui pela 7letras, dei de novo com a técnica da enumeração, tão perfeita quanto antes:
- Passei por coisas, lugares, pessoas. Passei por vivos, mortos e mortos vivos. E fui passando. Passei por matas, águas e glebas. Passei por dunas, desertos, sertões. Passei por campinas, cerrados, montanhas. E fui passando. Passei por tumbas, palácios, pirâmides. Passei por santos, espectros, dragões. Passei por esfinges, aedos, gurus. E fui passando. Passei por nevadas, tormentas, procelas. Passei por nuvens, fumos, poeiras. E fui passando. Passei por legiões brancas, verdes, azuis. Passei por damas, valetes, coringas. Passei. E fui passando.

A enumeração volta na página 136, quando ele fala dos assuntos do Rio, “no último quarto dos anos cinquenta ou limiar dos sessenta:

- Bossa-nova, trocadilhos, Brigitte Bardot, sapato sem meia, aprender violão, rendez-vous, ´cinquenta anos em cinco´, seca no Nordeste, juventude transviada, jogo do bicho, bloco do Bafo da Onça, maconha, Sputnik, vestidos tubinho, rock´n roll, lambreta...

Aí arranjou emprego num sanatório, onde – nova enumeração - “era possível encontrar Napoleão, algum centurião romano, Robin Hood, líderes políticos e sindicais, advogados do diabo, fantasmas perambulantes, pacatos alienados aquém do tempo e além do espaço.(...) Paranóicos, catatônicos, psicópticos, maníacos, alcoólatras, oligofrênicos...”

Trigueiro/Machado. Lembra-me Rafael assumindo a musculatura dos personagens de Miguelângelo e o sfumato de Leonardo. Woody Allen assumindo as encucações de Bergman.

Manet pescando o impressionismo muito antes da hora, de Velásquez.

É assim – mesmo que nada haja de novo debaixo do sol - que tudo vive cheio de novidade.


W. J. Solha é dramaturgo, artista plástico e poeta

Com os cuidados que, aos poucos, se vão incorporando à vida normal, desci no elevador e fui tomar sol, cedinho, na quadra vizinha que o nos...

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Com os cuidados que, aos poucos, se vão incorporando à vida normal, desci no elevador e fui tomar sol, cedinho, na quadra vizinha que o nosso condomínio incorporou desde um bom tempo. A falta de sol e de um pouco de liberdade para sair olhando as árvores vem me roubando da melhor distração, que é não parar nem pensar o tempo. Na minha idade, o tempo, quanto mais afastado melhor.

Estava decidido. Após a visão que experimentou diante daquela cena, sua jornada se tornara imprescindível. Contrataria um barqueiro na manhã...

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Estava decidido. Após a visão que experimentou diante daquela cena, sua jornada se tornara imprescindível. Contrataria um barqueiro na manhã seguinte. E lançaram-se ao mar. O tempo sombrio convidava-os ao silêncio. A circunspecção de Rachmaninoff não lhe permitia palavra alguma. A visão que o motivara à travessia não saía de sua imaginação. Desde o dia em que viu a tela de Arnold Böckling, a “Ilha” se entranhou ao seu imaginário.

Os corredores eram compridos. Diziam que aquela casa abandonada era um abrigo de idosos, no início do século passado. Antes de ser o refúgi...

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Os corredores eram compridos. Diziam que aquela casa abandonada era um abrigo de idosos, no início do século passado. Antes de ser o refúgio dos que lá se exilavam, fora uma pensão, digamos classe “A”, onde se hospedava a nata pura da sociedade da época.

O supermercado, muitas vezes, é uma fonte de inspiração para os cronistas. Outro dia, estava eu na fila do caixa e avistei uma amiga de infâ...

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O supermercado, muitas vezes, é uma fonte de inspiração para os cronistas. Outro dia, estava eu na fila do caixa e avistei uma amiga de infância — hoje já distante — a andar pelas latas de ervilha com três saltitantes garotas lindas. Netas, possivelmente. E fiquei a pensar nas meninas. Lembrei até do conto de James Joyce, Araby, em que ele fala do primeiro amor.

Como um assunto puxa o outro, veio o tema sobre a sedução das mulheres, que começa tão cedo. Quando mocinhas, lá vêm o batom, a cinta, a meia, o sutiã, os decotes, os babados, as sedas... o corpo. Desviava tanto da minha, pela timidez e, principalmente, como forma de resistência. Claro que não tinha propósito nem tanta consciência como vim a adquirir depois. Existiam o incômodo, a negação e o desejo de fazer diferente. Era muito magra, tinha problemas (ainda tenho) com saltos. Desdenhava os frufrus e tudo o que era feminino me era estranho.
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Desejava ir por um outro caminho: o da subversão. Usar roupas masculinas (calças largas, camisas de marinheiro) e esconder o corpo desse padrão normatizado.

Queria, também, conversar assuntos de homem, beber, transgredir os véus e as transparências. A calça jeans rasgada caiu como uma luva para o meu padrão solitário no Cine Municipal e na Lagoa. Como o sentir ainda era nebuloso, sofria. Queria uma roupa destoante. Queria um vestido solto que não fosse solto. Minha mãe, que fazia nossas roupas, enlouquecia nos debruns e cortes desestruturados, que nunca ficavam ao nosso gosto.

A minha sedução, com certeza, nunca passou pelos vestidos das meninas. Nem passa! Tudo que se impõe me causa irritação. Em minha lua de mel não houve camisola de núpcias. Nem núpcias! Já fui de uma geração que não se esperava tanto. Tínhamos urgência e o sexo se antecipava pulsante.

Por entre os pacotes de feijão, no supermercado, fiquei também a filosofar sobre o que é ser uma menina. Não é de hoje que falo que ser menina é querer ser mulher antes do tempo. É lidar com o perigo iminente da violência sexual! Naquele momento, pensei do "ser menina antigamente", quando eu própria fui uma delas. Brincar de roda, sentar com as pernas juntas, não responder aos mais velhos, uniforme das Lourdinas no joelho, usar meia combinação, fazer cozinhado no quintal e tudo o mais.

Sou a mais velha de uma casa feminina. Quatro irmãs. E por meio de bonecas, saias, modess, sutiãs e namorados, vivi. Não tive filhas. E há muito vivo longe do universo das meninas. Recentemente, convivo com minha sobrinha Hanna, que já é uma adolescente, e quer lonjura do mundo das garotas pequenas. As mulheres lhe interessam!

Ao observar minha amiga com suas netas meninas lindas, fiquei a pensar de como seria como avó. E por favor meninos meus: vejam se quando forem pais, me trazem alguma menina!! Já estou satisfeita com o mundo dos homens.
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Em casa, digo! Que tipo de avó serei? Como lidarei com esse amor que dizem ser a cereja do bolo?

Fico pensativa ao testemunhar as mulheres/avós da minha geração. Percebo que, de modo geral e com raras exceções, os netos preenchem um espaço gigante em suas vidas. Muitas avós agem como se não tivessem mais uma vida toda sua; sem interesses outros, como se só os netos restassem, como se toda a seiva da vida jorrasse desse único caminho, como se a vida dos adultos tivesse ficado opaca e finda. Nada de namorar os maridos nem trabalhar nem socializar nem ler nem ficar sem fazer nada nem encontrar amigos, conversar, participar ativamente das atividades que um dia gostaram. Tudo fica resumido à escola de neto, aniversário de neto, natação de neto, correr com neto, balanço de neto, creches, comidinhas para os netos.

Nada contra os netos. Aliás, bem vindos os netos! Fico a lembrar de outras mulheres alhures que morrem de amor pelos netos e, no entanto, mantêm-se mais distanciadas, para que possam também viver as vidas outras e não somente a vida e avós. Falo assim porque ainda não tenho os pequenos. Pode até ser, mas pela mãe que fui e sou, com todas as presenças e ausências que fui capaz de exercer, e uma vida toda minha que demorei tanto a construir, tentarei incorporar os netos, mas não gostaria de ter todo o meu dia pautado pelo papel de avó. Terei sempre meus interesses outros, minhas necessidades outras e minhas solidões outras também, seja lá o que esses "outros" signifiquem.

Olhando a minha amiga a passear com as netas por entre bananas e abacaxis, pude vislumbrar uma cena: eu mesma levando algum neto para fazer a feira e comprar-lhe um doce. E falar de amor, esse artigo de luxo!
Em tempo: Hoje tenho uma neta, Luísa, de um ano e três meses, e tenho me deliciado com ela. Mas ainda não a levei para fazer a feira comigo. Em breve!


Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura, professora e escritora

O mês de setembro nem sempre se chamou setembro, mas o equinócio nunca deixou de acontecer nesse mês, fosse ele, de origem, no calendário ro...

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O mês de setembro nem sempre se chamou setembro, mas o equinócio nunca deixou de acontecer nesse mês, fosse ele, de origem, no calendário romulano, o sétimo mês, quando o ano começava em março, ou tivesse sido transformado no nono mês, com o deslocamento dos meses de janeiro e fevereiro para o início do ano.

AGNOSE Para que remotos anciãos da terra a percebam A poesia nascerá intraduzível na própria língua E isto fará dela o que é:

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AGNOSE


Para que remotos anciãos da terra a percebam
A poesia nascerá intraduzível na própria língua
E isto fará dela o que é:

“A árvore da Serra” é um dos sonetos mais populares de Augusto dos Anjos . Comumente o vemos recitado em aulas, festas, saraus literários e ...

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“A árvore da Serra” é um dos sonetos mais populares de Augusto dos Anjos. Comumente o vemos recitado em aulas, festas, saraus literários e demais reuniões em que se declama o poeta. A atração que exerce sobre o público vem em grande parte da sua carga dramática. Eis a composição:

Não, leitor, não tema. Não se trata de nenhuma teorização solene sobre a História. Até porque, não sendo historiador, não sou qualificado ...

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Não, leitor, não tema. Não se trata de nenhuma teorização solene sobre a História. Até porque, não sendo historiador, não sou qualificado para tal mister. O que temos aqui, como bem adverte o inequívoco título, são meras divagações – e ainda por cima diletantes, ou seja, absolutamente amadorísticas, isto é, feitas apenas por amor à reflexão descompromissada sobre um tema importante, direito de todos e de qualquer um. Mas advirta-se: a qualidade de diletante não desqualifica necessariamente a divagação. É o que espero que ocorra aqui.

Mais um episódio da ALCR TV entra no ar com atualidades do mundo cultural, participação dos autores, leitores e telespectadores do Ambiente...


Mais um episódio da ALCR TV entra no ar com atualidades do mundo cultural, participação dos autores, leitores e telespectadores do Ambiente de Leitura Carlos Romero.

Nesta pauta, comentários sobre publicações de Sonia Zagheto, Rejane Vieira e Frutuoso Chaves. Não deixem de assistir até o final.

Contam que há uma loja onde compram e vendem tempo. É uma loja agitada, pois, além de vender, ela também faz permutas. Se alguém tiver um t...


Contam que há uma loja onde compram e vendem tempo. É uma loja agitada, pois, além de vender, ela também faz permutas. Se alguém tiver um tempo sobrando, pode oferecê-lo a outro que precise de mais tempo.

Entrega Fiz dos meus olhos Dois pedaços de uma noite comprida Dois atalhos de um caminho vasto Duas portas escancaradas Sem tranca e...

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Entrega


Fiz dos meus olhos
Dois pedaços de uma noite comprida
Dois atalhos de um caminho vasto
Duas portas escancaradas
Sem tranca e sem nada
Em posição de espera.

Jovem ainda, Astier Basílio deixou de ser apenas uma promessa, uma revelação, para se firmar como um poeta que reservará boas surpresas ao ...

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Jovem ainda, Astier Basílio deixou de ser apenas uma promessa, uma revelação, para se firmar como um poeta que reservará boas surpresas ao público leitor. E boas surpresas a partir mesmo deste “Antimercadoria”, cuja epígrafe bem que poderia ser os seguintes versos de Jorge de Lima: “Se vós não tendes sal-gema, / não entreis neste poema”. E isso por uma razão muito simples: Astier não faz qualquer tipo de concessão no sentido de que a sua poesia se transforme num bem de consumo. Pois, na verdade, torná-la palatável, acessível, seria nivelá-la ao gosto daqueles que só compram livros cuja leitura não ofereça nenhum grau de dificuldade. Poesia-prato-feito. Pior ainda: como alimento já mastigado que a mamãe-índia servia ao seu curumim. E Astier sabe que não convém tratar o leitor como um curumim. E, muito menos, se comportar - na condição de poeta – como uma dadivosa mamãe-índia.

Em 1980, um dos mais importantes músicos brasileiros, que presumia ter 55 anos de idade, morando, há anos, em Pasadena, na Califórnia, onde...

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Em 1980, um dos mais importantes músicos brasileiros, que presumia ter 55 anos de idade, morando, há anos, em Pasadena, na Califórnia, onde se estabelecera como professor, decidiu realizar uma viagem ao sertão de Pernambuco, para tentar esclarecer uma dúvida que o perseguira até então: quando e em que lugar nascera e qual era mesmo o seu nome. Em depoimento de 1992, para o Museu da Imagem e do Som/MIS, no Rio de Janeiro, ele relata:

Queria poder escrever sobre o Amazonas ou a Amazônia. Quem, no ramo, não curte essa vontade? O rio imenso, primeiro orgulho interno e fama...

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Queria poder escrever sobre o Amazonas ou a Amazônia. Quem, no ramo, não curte essa vontade? O rio imenso, primeiro orgulho interno e fama universal do Brasil, irrigando o maior bioma do mundo, a Amazônia. Mas bem cedo, menino ainda (e ainda mais por ser menino), o mapa que mandaram o menino pintar de verde de mangueira foi perdendo a alegria, ficando sempre mais escuro e impenetrável.

Fiz do mar morada. A cada mergulho menino, a cada olhar sob o Sol veraneio, cada visita em qualquer estação ou mesmo direção. Embarquei par...

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Fiz do mar morada. A cada mergulho menino, a cada olhar sob o Sol veraneio, cada visita em qualquer estação ou mesmo direção. Embarquei para amar o mar ao encontrá-lo aqui e alhures, sob o céu azul, ou sob nuvens, pronto para ser banhado pela chuva. Sal adocicado pelo vento, pela água do céu, pelos coqueiros curvos em deferência ao mestre mar.

Fugindo de Javert, Jean Valjean invade o terreno do convento do Petit-Picpus-Saint-Antoine , na pequena rua Picpus, onde viviam enclausura...

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Fugindo de Javert, Jean Valjean invade o terreno do convento do Petit-Picpus-Saint-Antoine, na pequena rua Picpus, onde viviam enclausuradas as bernardinas da adoração perpétua. Lá, ele encontra Fauchelevant, por ele ajudado em uma ocasião anterior (Parte I, Livro V), trabalhando como jardineiro (Parte II, Livros V-VI).

Salvo momentaneamente da perseguição, Jean Valjean precisa arranjar um jeito de sair do convento, para entrar novamente, passando-se por irmão de Fauchelavant, deixar Cosette como interna e ali trabalhar como ajudante de jardineiro. A única forma é sair dentro de um caixão de defunto, que deveria levar o corpo da madre Crucifixion, morta ao raiar do dia.
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A madre Innocente, superiora do convento, quer enterrá-la por baixo do altar, contrariando a lei. Para isso, ela pede a ajuda de Fauchelevant que, além de jardineiro, é também coveiro. Para que a morta pareça estar dentro do caixão, o plano é enchê-lo de terra. Assim, ficcionalmente, cria-se uma situação que permite Jean Valjean se evadir do convento. Se a madre Innocente decide burlar a lei, Fauchelevant decide burlar a madre, preenchendo o caixão, não com terra, mas com o nosso herói.

Há risco de Jean Valjean morrer sufocado, pois ele deve ser enterrado, com a ajuda do coveiro do cemitério Vaugirard, e depois desenterrado. Não há outra solução, no entanto. Fauchelevant, preocupado com a situação, pergunta a Jean Valjean o que aconteceria se ele tossisse ou espirrasse, quando estivesse dentro do caixão. Nosso herói, sempre determinado, responde-lhe com segurança e clareza: “Quem foge não tosse, nem espirra” (“Celui qui s’évade ne tousse pas et n’éternue pas.”, Parte II, Livro VIII, Capítulo IV).

Esta contextualização é necessária para que entendamos a nossa crítica à série, em 4 capítulos, Les Misérables (França, Itália, Estados Unidos, Alemanha e Espanha, 2000), adaptada do romance de Victor Hugo por Didier Decoin e dirigida por Josée Dayan, tendo no elenco Gérard Depardieu (Jean Valjean), John Malkovich (Javert) e Christian Clavier (Thénardier).

Consideramos essa série uma das melhores adaptações da obra, tendo em vista que o tempo de duração, 6 horas, dá uma boa margem para se contar a história de um romance copioso, como é o caso de Os Miseráveis. Reconhecemos a dificuldade das adaptações e, mais ainda, o fato de que as linguagens romanesca e cinematográfica são diferentes.


Por outro lado, seria purismo de nossa parte esperar uma fidelidade total na adaptação. No entanto, consideramos também que há adaptações de situações que só complicam a trama. A caracterização da personagem Toussaint como homem, na série, é um bom exemplo disso. No romance, Toussaint é uma moça velha, salva por Jean Valjean do hospital e da miséria. Na série, Toussaint é um homem mudo, que esteve na prisão com o nosso conhecido personagem.

Pode parecer implicância criticar essa transformação de uma personagem feminina em uma masculina. Não é. Isto fere a estrutura da narrativa de Hugo. Não esqueçamos nunca que todo texto é uma estrutura e se alguma peça da estrutura é trocada, acaba comprometendo a verossimilhança interna.

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O narrador deixa bem claro o porquê da escolha de Toussaint como doméstica: “une fille [...] qui était vieille, provinciale et bègue, trois qualités qui avaient déterminé Jean Valjen à la prendre avec lui” (“uma moça [...] que era idosa, provinciana e tinha dificuldades no falar, três qualidades que determinaram Jean Valjean a tomá-la consigo.”, Parte IV, Livro III, Capítulo I). Estas qualidades são fundamentais para quem está se escondendo e busca discrição.

No caso de Toussaint como homem, o comprometimento da condição de fugitivo de Jean Valjean é claro. Mesmo que o personagem seja mudo, a sua condição de ex-presidiário e ex-colega de Jean Valjean falam por ele. Além disso ele é forte e careca. O que chamaria mais atenção em Paris, ainda que no resguardo da casa da rue Plumet, uma moça bem madura, com deficiência na fala, e provinciana, ou um homem mudo, forte e careca?

Há, portanto, uma questão estrutural dentro do romance, que não deve ser esquecida: a necessidade de discrição e de anonimato. Jean Valjean se esfuma no ar, encurralado por Javert e seus esbirros, numa rua sem saída, em Paris, galgando um muro enorme, levando consigo Cosette, pulando para dentro do convento Picpus, onde permanece anos sem sair.

É essa fidelidade à estrutura que nos leva a outro episódio dentro da série. Durante uma festividade, uma alta autoridade da magistratura visita o convento e Jean Valjean tem uma altercação sobre justiça, com esse senhor. A cena não ocorre no romance, pois o nosso personagem, como ajudante do jardineiro Fauchelevant, de quem se faz um falso irmão, evita que as pessoas o vejam. Tudo o que Jean Valjean deseja é a obscuridade, o anonimato, nos anos em que Cosette está como interna do convento. Não ser visto ou notado é fundamental para ele, que tem em seu encalço o inspetor Javert, a persegui-lo obsessivamente.


O que nos parece é que o adaptador e o diretor da série projetam no personagem o seu próprio ativismo social. Hugo era um homem reconhecidamente engajado na luta pela justiça, ainda que não fosse necessariamente de esquerda, ele sabia que ter consciência da justiça social não é prioridade de partidos políticos.

Ao longo do romance, o escritor vai disseminando suas ideias contra as injustiças sociais, a ponto de Os Miseráveis ser um dos maiores romances de toda a literatura mundial sobre o assunto, mas não as coloca na boca de Jean Valjean. O personagem é de pouco falar e de muito agir; ele procura ser justo não por palavras, mas pela ação, como faz quando se entrega para salvar alguém de uma injustiça. É o caso do pobre miserável, conhecido como “le père Champmathieu”, confundido com Jean Valjean e que está prestes a ser condenado à prisão em Toulon, o lugar horrível onde nosso herói passara 19 anos, pela tentativa frustrada do roubo de um pedaço de pão.

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Valjean, nessa ocasião, encontrava-se na cômoda posição de prefeito de Montreuil-sur-Mer, atendendo pelo nome de Monsieur Madeleine. Ele se desloca até Arras, a tempo de revelar sua identidade perante o júri de Champmathieu, por não ter como ficar em paz consigo próprio, caso um inocente fosse condenado em seu lugar (Parte I, Livro VII). Se ele tivesse se omitido, estaria livre de Javert para sempre, mas não estaria livre de si mesmo, de sua consciência. Atento, talvez, às lições platônicas, Victor Hugo sabia que a Justiça começa quando a buscamos e a encontramos dentro de nós mesmos.

O pensamento em busca de justiça contido em Os Miseráveis tem três fontes: o amor ao próximo, de Jean Valjean; a obsessão doentia de Javert pelo cumprimento estrito da lei; a ação violenta dos revolucionários da Turma do ABC, simbolizada nas barricadas de 1832, contra o rei Louis-Philippe. Os revolucionários são mortos pelas forças da monarquia; Javert se suicida, diante do conflito de não poder mais perseguir quem lhe salvou a vida. A única busca que resulta em algo é a de Jean Valjean, que aprendeu, desde cedo, a partir da transformação operada em si pelo Monseigneur Myriel, o bispo de Digne, que palavras não tornam uma pessoa justa, mas as suas ações:

“Il sentait qu’il touchait à l’autre moment décisif de sa conscience et de sa destinée; que l’évêque avait marqué la première phase de sa vie nouvelle, et que ce Champmathieu en marquait la seconde. Après la grande crise, la grande épreuve.” (Parte I, Livro VII, Capítulo 3)

“Ele sentia que tocava o outro momento decisivo de sua consciência e de seu destino; que o bispo marcara a primeira fase de sua nova vida e que este Champmathieu marcava a segunda. Após a grande crise, a grande provação.”

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Victor Hugo
Ações coerentes com o que se pensa e se prega, ainda que em prejuízo de si mesmo. Discursos belos, eloquentes, inflamados e idealistas caem bem em estudantes revolucionários, como Enjolras. Jean Valjean fala pouco, como já dissemos, pouco discursa, mas age o suficiente para livrar uma cidade da miséria, um inocente da cadeia, uma órfã da exploração e um jovem da morte.

Nosso herói relutara em ser prefeito de Montreuil-sur-Mer, para não chamar a atenção sobre si. Por insistência da população, que o tinha como um bom administrador aceitou, com reservas, o cargo. De imediato, atraiu a atenção de Javert, prontamente desviada pelo caso do père Champmathieu. Jean Valjean deu a sua lição de coragem e justiça ao se revelar, mas também aprendeu que não deveria mais chamar a atenção sobre si, se quisesse ficar longe das garras inflexíveis de Javert. Jamais, portanto, ele iria altercar com um magistrado.

Quem se evade não tosse e nem espirra...


Milton Marques Júnior é doutor em letras, professor, escritor e membro da APL