Não sei por que insisto em caminhar de manhãzinha se faz tanto frio estes dias. Comigo segue uma solidão invencível que se enrola em véus ...

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Não sei por que insisto em caminhar de manhãzinha se faz tanto frio estes dias. Comigo segue uma solidão invencível que se enrola em véus de neblina, nuvens de grafite e árvores sem folhas. Ando com amendoins no bolso do casaco para dar aos corvos e esquilos. É fim de inverno e os bichos têm fome. A minha é outra fome, a de ver tudo renascer no parto anual da Terra.

Depois que ficou viúvo meu avô paterno Samuel passou a dividir a casa com o filho mais novo, tio Chico, e Luiza, uma senhora a quem nós ac...

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Depois que ficou viúvo meu avô paterno Samuel passou a dividir a casa com o filho mais novo, tio Chico, e Luiza, uma senhora a quem nós achamávamos carinhosamente de Pepeta. Era neta de escravos e quando nasci já fazia parte da família.

Cabia-lhe a função de arrumar e cozinhar, e o fazia com tanto zelo que meu avô, às vezes, reclamava, pedindo que fosse descansar, que não precisava de tanto.

Ele acreditava que Pepeta, talvez, tivesse feito alguma promessa à minha avó na hora da sua morte, pois cuidava dos interesses da casa como se sua salvação dependesse daquilo.

Parecia estar em todos os lugares, e volta e meia nos surpreendia, surgindo silenciosa e inesperadamente.

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- No tempo da finada, essa casa tinha ordem! – protestava, aos gritos, erguendo o cabo da vassoura contra nós. Mas acabava rindo. Era um riso doce, mudo, de quem tinha a alma pura.

Na sala extensa havia uma mesinha ornada com um elefante grande, cinzento, de louça. A tromba estava sempre voltada para a parede. Eu achava aquilo esquisito e, quando passava, mudava sua posição.

Na manhã seguinte encontrava-o de costas novamente, e tinha pena de vê-lo daquele jeito. Era como se ele não participasse dos acontecimentos do mundo.

E não demorou. Dias depois Pepeta me surpreendeu no momento em que eu me aproximava da mesinha.

- Ah... é você? Vá simbora antes que eu lhe mate! – explodiu medonha, ameaçando-me com a vassoura.

Depois meu tio me explicou que elefantes de bunda para rua traziam sorte. A partir dali tudo de bom que acontecia em nossa família eu pensava no elefante.

Observei, contudo, que nem na casa de Luiz nem da de Rubinho, dois amigos da rua, tinham elefantes na sala.

“Talvez não saibam que elefantes com a bunda para a rua trazem sorte”, pensei. Depois imaginei algo mais objetivo: “ Eles não têm elefantes porque não acreditam em elefantes.”

Quando perguntei ao meu tio a respeito, disse-me que era isso mesmo, que a sorte dependia do tamanho da vontade de cada um.

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“ Quando você acredita, tem vontade, e quem tem vontade tem sorte!”

A não ser galinhas e patos, na casa de vovô não tinha animais domésticos. Mas um dia meu tio arranjou um gato amarelo, assanhado, com listras brancas e pelo espesso.

Achou que sua aparência lembrava, de algum modo, o cantor Erasmo Carlos, que fazia muito sucesso na época.

Então o gato passou a se chamar Tremendão, o apelido do cantor. Pepeta não gostou muito, por isso lhe deu outro nome: Tupin.

Uma vez cheguei na sala com Tremendão nos braços. Vovô folheava o jornal.

- Vô, quando morrer o senhor deixa o elefante cinza para mim?

Ele me olhou por cima dos óculos, meio intrigado, perguntou:

- Está desejando minha morte?

- Não, vô! O senhor vai morrer um dia, não vai? É só quando morrer.

- Para que tanto interesse em meu elefante?

- Tio Chico falou que eles dão sorte.

- Você gosta de mim?

- Sim, vô, gosto muito.

- Então peça sorte para mim, aí eu não vou morrer.

Eu achei que ele estava certo, mas lembro que lhe disse:

- Só quero que morra quando ficar muito velho. Também quero que deixe Tremendão para mim. O senhor deixa?

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Na esquina da nossa rua ficava a casa de dr. Willian, um tipo alto, entufado e de muita conversa. O homem criava canários-da-terra e se gabava dos seus pássaros, dizendo onde chegava que, para briga, não existiam melhores na região.

Nesses dias escutei uma discussão na calçada. Saí para ver. O tal doutor, desaforado, fora enredar ao meu tio que que um gato amarelo tinha comido seus canários. Meu tio, que não ficou por baixo, disse-lhe que havia outros gatos em nosso bairro, dezenas deles.

Sem provas, o homem foi embora. Mas pelo jeito não se dera por vencido.

E não se dera mesmo. Na noite seguinte Pepeta reclamou que Tremendão - para ela Tupin - tinha sumido, pois não o vira hora nenhuma e que sua tigela do leite continuava cheia.

Por trás da casa dos canários existia um terreno baldio, com mato crescido, lixo por toda parte. Um caminho estreito cortava o terreno.

Eu passeava de bicicleta, de repente entrei ali, na esperança de encontrar Tremendão. Foi quando senti um cheiro de podre, de bicho morto, quase insuportável. Estava sobre o monturo, de pernas para cima, rijo e coberto de moscas.

Muito triste, entrei na casa do meu avô para dar a notícia. Num canto da sala vi a mesinha, sobre ela o elefante de louça.

Você sabe quantos anjos podem dançar na ponta de uma agulha? Ou quantos dedos dos pés são necessários doer para sentir que é hora de tirar...

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Você sabe quantos anjos podem dançar na ponta de uma agulha? Ou quantos dedos dos pés são necessários doer para sentir que é hora de tirar os sapatos de salto alto e deixá-los soltos ao vento?

Você sabe quanto vento bate na sua cortina ou assanha seu cabelo e suas pestanas ao ponto de você não conseguir respirar? Respirar é mesmo necessário? Quando é que respirar faz entender que estamos vivos?

A história ocorre em Portugal, século XIX. Por ocasião da morte dos pais, o pequeno Teodorico Raposo, então com 7 anos, vai morar com a t...

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A história ocorre em Portugal, século XIX. Por ocasião da morte dos pais, o pequeno Teodorico Raposo, então com 7 anos, vai morar com a tia Patrocínio das Neves. Dona Patrocínio, ou a tia Titi, alcunha a ela destinada, é uma senhora muito rica e extremamente carola. Ajuda muito a igreja, mas ao mesmo tempo é destituída de caridade até para com as pessoas pobres da família que lhe procuram pedindo auxílio.

Waldemar N.J.P. era um homenzinho desse tamanhico, trabalhador, responsável na vida pessoal e no emprego; além disso, muito educado. Esse...

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Waldemar N.J.P. era um homenzinho desse tamanhico, trabalhador, responsável na vida pessoal e no emprego; além disso, muito educado. Esse detalhe: educado; é muito importante para este causo.

Era o futuro, um espaço imenso que se abriu aos meus olhos. E fui transportado involuntariamente, levado, diferente de antes, quando eu de...

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Era o futuro, um espaço imenso que se abriu aos meus olhos. E fui transportado involuntariamente, levado, diferente de antes, quando eu desejei a viagem. Sim, eu estava à frente do tempo, digo, temporalmente, na verdade, paralelamente. Eu conseguia ver o que ainda estava por vir, mas não saíra também do presente. Eu flutuava entre o advir e o agora.

Fiquei parado, medindo cada palavra, cada gesto, a apreensão do olhar no apelo que o governador João Azevedo fez para as pessoas se cuida...

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Fiquei parado, medindo cada palavra, cada gesto, a apreensão do olhar no apelo que o governador João Azevedo fez para as pessoas se cuidarem.

as cigarras são guitarras trágicas. plugam-se/se/se/se nas árvores em dós sustenidos. kipling recitam a plenos pulmões. ...

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as cigarras
são guitarras trágicas. plugam-se/se/se/se nas árvores em dós sustenidos. kipling recitam a plenos pulmões. gargarejam vidros moídos. o cristal dos verões poeta X poema
nem sempre o poeta ronda o poema como uma fera a presa. às vezes, fera presa e acuada entre as grades do poema-jaula, doma-o o chicote das palavras. o elefante a João de Farias Pimentel Neto (Netinho)
a cor de pólvora que não explode barril de pólvora mansa apesar do pavio da tromba a coruja
são todo ouvidos os teus olhos de vigília. olhos acesos luzeiros de sabedoria. olhos atentos à geografia do dentro, és uma concha. um encorujado caramujo. monja em voto de silêncio. a zebra a Manoel Jaime Xavier Filho e Silvino Espínola
a zebra é a edição extra de um cavalo que virou notícia do leão, a juba
sol de pelos ao redor da cabeça, a fulva juba flameja: estrela de primeiríssima grandeza! a girafa (II)
a girafa é girassol, a girafa é de lua, não gira bem. é top model, é audrey hepburn, olhem o pescoço que a girafa tem! a girafa (IV)
da terra antípoda, és um gajeiro que só nuvens avista. sarapintado mastro de uma nau à deriva. a girafa (V)
mastro de um circo a céu aberto, sem empanada. aéreo caniço pensante do nada. a garça
na tarde gris, a garça encolhe a perna: ariano saci entre vitórias-régias? a araponga A Sergio Faraco
carcereira, abre a lingueta da garganta e aperta-me o cerco: o canto que a liberta dos ferros me faz prisioneiro. andorinha, andorinha À Maria Carolina, filha caçula
a andorinha anda breve e mínima, tão confusa e cheia de ser fusa ou semicolcheia na pauta dos fios de eletricidade, que já chilreia em alta voltagem. os pardais
os pardais são me(l)ros vira-latas de asas fuçando os quintais o pavão
são tantos olhos abertos sobre a cauda polvilhados que em leque entreaberto há sempre quem o enxergue qual um indiscreto voyeur em um narciso disfarçado noturnos c) nenhuma ovelha pula a cerca de minha insônia. abato a todas. e quanto à lã, serve de enchimento para o travesseiro. serve - a cada manhã – para travestir-me de cordeiro.

*Poemas do livro "Zoo imaginário", que atingiu a maioridade: 16 anos do seu lançamento (2005). O Zoo é ilustrado pelo artista plástico paraibano Flávio Tavares, recebeu o prêmio Guilherme de Almeida, Melhor Livro do Ano (2005), outorgado pela União Brasileira de Escritores. Foi adotado nas escolas públicas de 1º e 2º graus do estado de São Paulo, através do programa Lendo e Aprendendo. Em 2009, por iniciativa do Ministério da Educação, teve uma tiragem de 25 mil exemplares, passando a integrar o acervo do Programa Nacional Biblioteca na Escola. No mesmo ano, a Prefeitura Municipal de João Pessoa (PB) também o adotou - no ano cultural Sérgio de Castro Pinto - para ser lido e analisado por professores e alunos das escolas públicas da capital paraibana.

Conquanto o desejemos, podemos viver sem a felicidade. Esperamos para conquistá-la. Se a felicidade não vem, a esperança se prolonga e o c...

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Conquanto o desejemos, podemos viver sem a felicidade. Esperamos para conquistá-la. Se a felicidade não vem, a esperança se prolonga e o charme da ilusão dura o mesmo tempo que a paixão que a causa. Assim, esse estado basta a si mesmo e a inquietude que ele traz é uma espécie de alegria que suplanta a realidade, talvez melhorando-a. Pena de quem não tem nada a desejar. Ele perde tudo aquilo que possui. Gostamos menos daquilo que obtemos do que daquilo que desejamos e ficamos felizes antes de realmente nos tornarmos.
Jean Jacques Rousseau

Tem muita gente que não está preparada para ser vidraça, porque se acostumou a ser estilingue. Críticos ferrenhos de outrora, ficam incomo...

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Tem muita gente que não está preparada para ser vidraça, porque se acostumou a ser estilingue. Críticos ferrenhos de outrora, ficam incomodados quando são apontados os erros e equívocos que antes eram motivos de suas desaprovações. Se a vidraça não está preparada para receber as pedradas que lhe são lançadas, corre o risco de se despedaçar com rapidez.

Paris é um corpo vivo, dinâmico, que troca a pele e se transforma continuamente; que se veste e que se desnuda; que se entrega ao trabalh...

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Paris é um corpo vivo, dinâmico, que troca a pele e se transforma continuamente; que se veste e que se desnuda; que se entrega ao trabalho e ao prazer. O seu ventre é Les Halles; sua cabeça e coração, a política, a especulação e o empreendimento; seus braços, a pequena e média burguesia; suas pernas, o operário; seu baixo-ventre, os prazeres lícitos e ilícitos do amor.

Em 1994 veio a público, pela Nova Aguilar, a Obra Completa de Augusto dos Anjos . Organizada por Alexei Bueno , ela reunia pela primeira v...

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Em 1994 veio a público, pela Nova Aguilar, a Obra Completa de Augusto dos Anjos. Organizada por Alexei Bueno, ela reunia pela primeira vez toda a produção do paraibano. Nas palavras do organizador, o volume “constitui o depósito formal de tudo que (Augusto) produziu, do mais contingente ao mais sublime”. Ou seja: não apenas o “Eu” e as outras poesias, coligidas por Órris Soares, como também os Poemas Esquecidos, a Prosa Dispersa, a Correspondência e os chamados versos de circunstância.

Mais uma imensa perda humana e cultural para a Paraíba. É assim que vejo, que vemos todos a recente partida de Otinaldo Lourenço, ícone do...

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Mais uma imensa perda humana e cultural para a Paraíba. É assim que vejo, que vemos todos a recente partida de Otinaldo Lourenço, ícone do jornalismo e do rádio paraibanos. E assim vai se alastrando nossa pobreza aldeã, confirmando a sabedoria popular que diz, desalentada: “De onde se tira e não se bota, a tendência é se acabar”. Pois é. É como se, com essas perdas todas, estivéssemos findando, pouco a pouco, nosso parco patrimônio humano, o único que nos coube desde sempre e que não raro temos, burramente, desperdiçado ou desconhecido.

Lembram dos religiosos que batem de porta em porta querendo nos convencer que seu Deus é o único que merece nossa devoção? Pois é, as pes...

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Lembram dos religiosos que batem de porta em porta querendo nos convencer que seu Deus é o único que merece nossa devoção? Pois é, as pessoas estão meio que agindo assim. Ninguém mais quer apenas dar sua opinião sobre determinado assunto. Quer bem mais que isso. Quer convencer o outro de que sua opinião é a única correta.

Talvez não haja outra explicação para essa sobrevida literária que, bem ou mal, Edilson Limeira vem alcançando no tempo: à medid...

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Talvez não haja outra explicação para essa sobrevida literária que, bem ou mal, Edilson Limeira vem alcançando no tempo: à medida que mais pessoas o liam, certas características suas de estilo se foram aos poucos aclarando, e, dentre tais, já é possível prever, com um mínimo de certeza, que a agilidade ainda vá ser aclamada como um de seus atributos mais notáveis, uma qualidade por si já evidente, e supostamente capaz de amordaçar possíveis detratores.

Em 1978 Maria Betânia lançou um de seus melhores álbuns: Álibi. Todas as músicas são bonitas, mas uma se destaca, para mim: a canção A Voz...

Em 1978 Maria Betânia lançou um de seus melhores álbuns: Álibi. Todas as músicas são bonitas, mas uma se destaca, para mim: a canção A Voz de Uma Pessoa Vitoriosa.

Da autoria de Caetano Veloso e Waly Salomão, a letra da canção exalta aquela pessoa que venceu, mesmo enfrentando as adversidades. E se impõe pela sua personalidade, representada pela sua Voz. De forma parecida, Ilma Espínola também se enquadra nesse perfil. Senão, vejamos.