Não sei por que insisto em caminhar de manhãzinha se faz tanto frio estes dias. Comigo segue uma solidão invencível que se enrola em véus ...
Pessegueiro em flor
Depois que ficou viúvo meu avô paterno Samuel passou a dividir a casa com o filho mais novo, tio Chico, e Luiza, uma senhora a quem nós ac...
Elefante de louça
Cabia-lhe a função de arrumar e cozinhar, e o fazia com tanto zelo que meu avô, às vezes, reclamava, pedindo que fosse descansar, que não precisava de tanto.
Ele acreditava que Pepeta, talvez, tivesse feito alguma promessa à minha avó na hora da sua morte, pois cuidava dos interesses da casa como se sua salvação dependesse daquilo.
Parecia estar em todos os lugares, e volta e meia nos surpreendia, surgindo silenciosa e inesperadamente.
- No tempo da finada, essa casa tinha ordem! – protestava, aos gritos, erguendo o cabo da vassoura contra nós. Mas acabava rindo. Era um riso doce, mudo, de quem tinha a alma pura.
Na sala extensa havia uma mesinha ornada com um elefante grande, cinzento, de louça. A tromba estava sempre voltada para a parede. Eu achava aquilo esquisito e, quando passava, mudava sua posição.
Na manhã seguinte encontrava-o de costas novamente, e tinha pena de vê-lo daquele jeito. Era como se ele não participasse dos acontecimentos do mundo.
E não demorou. Dias depois Pepeta me surpreendeu no momento em que eu me aproximava da mesinha.
- Ah... é você? Vá simbora antes que eu lhe mate! – explodiu medonha, ameaçando-me com a vassoura.
Depois meu tio me explicou que elefantes de bunda para rua traziam sorte. A partir dali tudo de bom que acontecia em nossa família eu pensava no elefante.
Observei, contudo, que nem na casa de Luiz nem da de Rubinho, dois amigos da rua, tinham elefantes na sala.
“Talvez não saibam que elefantes com a bunda para a rua trazem sorte”, pensei. Depois imaginei algo mais objetivo: “ Eles não têm elefantes porque não acreditam em elefantes.”
Quando perguntei ao meu tio a respeito, disse-me que era isso mesmo, que a sorte dependia do tamanho da vontade de cada um.
“ Quando você acredita, tem vontade, e quem tem vontade tem sorte!”
A não ser galinhas e patos, na casa de vovô não tinha animais domésticos. Mas um dia meu tio arranjou um gato amarelo, assanhado, com listras brancas e pelo espesso.
Achou que sua aparência lembrava, de algum modo, o cantor Erasmo Carlos, que fazia muito sucesso na época.
Então o gato passou a se chamar Tremendão, o apelido do cantor. Pepeta não gostou muito, por isso lhe deu outro nome: Tupin.
Uma vez cheguei na sala com Tremendão nos braços. Vovô folheava o jornal.
- Vô, quando morrer o senhor deixa o elefante cinza para mim?
Ele me olhou por cima dos óculos, meio intrigado, perguntou:
- Está desejando minha morte?
- Não, vô! O senhor vai morrer um dia, não vai? É só quando morrer.
- Para que tanto interesse em meu elefante?
- Tio Chico falou que eles dão sorte.
- Você gosta de mim?
- Sim, vô, gosto muito.
- Então peça sorte para mim, aí eu não vou morrer.
Eu achei que ele estava certo, mas lembro que lhe disse:
- Só quero que morra quando ficar muito velho. Também quero que deixe Tremendão para mim. O senhor deixa?
Na esquina da nossa rua ficava a casa de dr. Willian, um tipo alto, entufado e de muita conversa. O homem criava canários-da-terra e se gabava dos seus pássaros, dizendo onde chegava que, para briga, não existiam melhores na região.
Nesses dias escutei uma discussão na calçada. Saí para ver. O tal doutor, desaforado, fora enredar ao meu tio que que um gato amarelo tinha comido seus canários. Meu tio, que não ficou por baixo, disse-lhe que havia outros gatos em nosso bairro, dezenas deles.
Sem provas, o homem foi embora. Mas pelo jeito não se dera por vencido.
E não se dera mesmo. Na noite seguinte Pepeta reclamou que Tremendão - para ela Tupin - tinha sumido, pois não o vira hora nenhuma e que sua tigela do leite continuava cheia.
Por trás da casa dos canários existia um terreno baldio, com mato crescido, lixo por toda parte. Um caminho estreito cortava o terreno.
Eu passeava de bicicleta, de repente entrei ali, na esperança de encontrar Tremendão. Foi quando senti um cheiro de podre, de bicho morto, quase insuportável. Estava sobre o monturo, de pernas para cima, rijo e coberto de moscas.
Muito triste, entrei na casa do meu avô para dar a notícia. Num canto da sala vi a mesinha, sobre ela o elefante de louça.
Você sabe quantos anjos podem dançar na ponta de uma agulha? Ou quantos dedos dos pés são necessários doer para sentir que é hora de tirar...
Inquietações
Você sabe quanto vento bate na sua cortina ou assanha seu cabelo e suas pestanas ao ponto de você não conseguir respirar? Respirar é mesmo necessário? Quando é que respirar faz entender que estamos vivos?
A história ocorre em Portugal, século XIX. Por ocasião da morte dos pais, o pequeno Teodorico Raposo, então com 7 anos, vai morar com a t...
Venturas e desventuras de Teodorico Raposo
Waldemar N.J.P. era um homenzinho desse tamanhico, trabalhador, responsável na vida pessoal e no emprego; além disso, muito educado. Esse...
Tirinha, Bastião e o metrô
Era o futuro, um espaço imenso que se abriu aos meus olhos. E fui transportado involuntariamente, levado, diferente de antes, quando eu de...
Tempo regente
Fiquei parado, medindo cada palavra, cada gesto, a apreensão do olhar no apelo que o governador João Azevedo fez para as pessoas se cuida...
Mudar o comportamento?
as cigarras são guitarras trágicas. plugam-se/se/se/se nas árvores em dós sustenidos. kipling recitam a plenos pulmões. ...
Zoo imaginário faz 16 anos
são guitarras trágicas. plugam-se/se/se/se nas árvores em dós sustenidos. kipling recitam a plenos pulmões. gargarejam vidros moídos. o cristal dos verões poeta X poema
nem sempre o poeta ronda o poema como uma fera a presa. às vezes, fera presa e acuada entre as grades do poema-jaula, doma-o o chicote das palavras. o elefante a João de Farias Pimentel Neto (Netinho)
a cor de pólvora que não explode barril de pólvora mansa apesar do pavio da tromba a coruja
são todo ouvidos os teus olhos de vigília. olhos acesos luzeiros de sabedoria. olhos atentos à geografia do dentro, és uma concha. um encorujado caramujo. monja em voto de silêncio. a zebra a Manoel Jaime Xavier Filho e Silvino Espínola
a zebra é a edição extra de um cavalo que virou notícia do leão, a juba
sol de pelos ao redor da cabeça, a fulva juba flameja: estrela de primeiríssima grandeza! a girafa (II)
a girafa é girassol, a girafa é de lua, não gira bem. é top model, é audrey hepburn, olhem o pescoço que a girafa tem! a girafa (IV)
da terra antípoda, és um gajeiro que só nuvens avista. sarapintado mastro de uma nau à deriva. a girafa (V)
mastro de um circo a céu aberto, sem empanada. aéreo caniço pensante do nada. a garça
na tarde gris, a garça encolhe a perna: ariano saci entre vitórias-régias? a araponga A Sergio Faraco
carcereira, abre a lingueta da garganta e aperta-me o cerco: o canto que a liberta dos ferros me faz prisioneiro. andorinha, andorinha À Maria Carolina, filha caçula
a andorinha anda breve e mínima, tão confusa e cheia de ser fusa ou semicolcheia na pauta dos fios de eletricidade, que já chilreia em alta voltagem. os pardais
os pardais são me(l)ros vira-latas de asas fuçando os quintais o pavão
são tantos olhos abertos sobre a cauda polvilhados que em leque entreaberto há sempre quem o enxergue qual um indiscreto voyeur em um narciso disfarçado noturnos c) nenhuma ovelha pula a cerca de minha insônia. abato a todas. e quanto à lã, serve de enchimento para o travesseiro. serve - a cada manhã – para travestir-me de cordeiro.
Conquanto o desejemos, podemos viver sem a felicidade. Esperamos para conquistá-la. Se a felicidade não vem, a esperança se prolonga e o c...
O que está por vir
Jean Jacques Rousseau
Tem muita gente que não está preparada para ser vidraça, porque se acostumou a ser estilingue. Críticos ferrenhos de outrora, ficam incomo...
De estilingues e vidraças
Paris é um corpo vivo, dinâmico, que troca a pele e se transforma continuamente; que se veste e que se desnuda; que se entrega ao trabalh...
Paris dos grandes magazines
Em 1994 veio a público, pela Nova Aguilar, a Obra Completa de Augusto dos Anjos . Organizada por Alexei Bueno , ela reunia pela primeira v...
Augusto dos Anjos, clássico da língua
Mais uma imensa perda humana e cultural para a Paraíba. É assim que vejo, que vemos todos a recente partida de Otinaldo Lourenço, ícone do...
Otinaldo: uma voz e muito mais
Lembram dos religiosos que batem de porta em porta querendo nos convencer que seu Deus é o único que merece nossa devoção? Pois é, as pes...
'Torre de Babel'
Talvez não haja outra explicação para essa sobrevida literária que, bem ou mal, Edilson Limeira vem alcançando no tempo: à medid...
O Retoque (Parte 2)
Em 1978 Maria Betânia lançou um de seus melhores álbuns: Álibi. Todas as músicas são bonitas, mas uma se destaca, para mim: a canção A Voz...
Vitoriosas
Da autoria de Caetano Veloso e Waly Salomão, a letra da canção exalta aquela pessoa que venceu, mesmo enfrentando as adversidades. E se impõe pela sua personalidade, representada pela sua Voz. De forma parecida, Ilma Espínola também se enquadra nesse perfil. Senão, vejamos.