No meu caminho tem uma loja de carros. Não é fácil sair à rua sem se achar à frente de uma loja dessas. Ou de uma farmácia de rede, pois a dos farmacêuticos que receitavam, por aqui só a de Arnaldo.
E me surpreendo parado, infantilmente atraído por uma loja por onde até pouco passava todas as manhãs. Vinha caminhando nos passos da idade e, de mãos para trás, sem mais
Andrei Anghel
Entrei sem sentir. O moço vendedor, sem outra leitura a não ser a do manual de vendas, começa a enumerar as vantagens da promoção de fim de estoque. Entre elas a do parcelamento, a primeira prestação daqui a 90 dias, além dos anos de garantia.
“Três anos de garantia?!” – ponderou o velho, os olhos baixos, retraídos do brilho faiscante do carro para as sombras do seu tempo.
É quando o velho que sou entra em si a fazer as contas, a associar a vantagem do prazo às desvantagens da sua idade. Mas não são apenas desvantagens. Na verdade, nunca sentira o automóvel ligado tão impositivamente às suas pernas, como extensão física e psíquica de si mesmo. Subindo a serra de Petrópolis, Alceu Amoroso, ainda escrevendo no antigo JB, descreve feliz essa mesma extensão.
GD'Art
“É um carro que não lhe maltrata a coluna” – insiste o vendedor, de olhos na corcunda que a lei sagrada trata com respeito.
E nesse vai e vem ressurge verdinho o menino que ainda me restava, com as peculiaridades inatas a cada ser sensível conforme o ambiente, o meio social, o espírito de casa e o de seu povo, como vamos sentir na expressão poética perene de um Luiz Augusto Crispim, que vendo a morte chegar, enfia os pés no tênis do Grupo Escolar Epitácio Pessoa, sai no cheiro dos eucaliptos, das mangueiras floradas, nos jasmins de Tambiá a deixar seus rastros nas vielas de barro, no casario único de cidade do interior que ainda possuímos. E com eles, em 22 crônicas de quem se despede, sai garantindo a perpetuidade de tudo o que as mãos do adolescente chegaram a tocar.
Luiz Augusto Crispim Acervo de família