Nas manhãs de sábado, quase sempre acontece, ao redor de mesas na Livraria do Luiz, na Galeria Poeta Augusto d...

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Nas manhãs de sábado, quase sempre acontece, ao redor de mesas na Livraria do Luiz, na Galeria Poeta Augusto dos Anjos, conversa em torno da literatura, das artes, da poesia, da política e questões atinentes ao nosso País.

Natália pensou em chamar Paulo para celebrar seu casamento. Não sabia por que de rep...

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Natália pensou em chamar Paulo para celebrar seu casamento. Não sabia por que de repente lhe ocorrera isso, mas tinha curiosidade de o rever. Como foi ele quem a deixou, não se constrangeria de ser o celebrante – mesmo que o futuro esposo fosse o antigo rival. Tomou coragem, ligou para a igreja e perguntou quando podia encontrá-lo. Para lhe fazer uma surpresa, não disse de quem se tratava.

Horas depois, entrava no recinto contíguo ao altar. Sentou-se e, enquanto esperava o ex-namorado (achou esquisito pensar nessa palavra), correu os olhos pelo ambiente. Os móveis escuros, pesados, sugeriam renúncia e gravidade. Do conjunto emanava uma paz que devia ser o que ele procurava quando a deixou. Chegava a compreender que a tivesse trocado por uma vida solitária e sem maiores inquietações.

Paulo entrou. Quando a reconheceu, ficou levemente pálido e deu um sorriso.

– Você?!

Ela também sorriu, buscando afetar naturalidade. O rapaz mudara pouco; perdeu alguns cabelos e ganhou um ar meio espiritualizado, comum nos que desistem dos prazeres deste mundo. Sentaram-se um de frente para o outro, e Natália explicou o motivo de estar ali. Falou do casamento próximo, com Saulo.

– Saulo?!
– Sim. Sei que você não gostava dele, mas faz tanto tempo, não é? Além do mais, você (hesitou um pouco, e corrigiu)... o senhor foi quem desapareceu.
– Mas como eu não podia desaparecer depois daquela carta?
– Que carta?
– A carta que você me escreveu terminando tudo – esclareceu com um sorriso amargo, revivendo por instantes a emoção de anos atrás.

Natália sentiu uma pequena tontura e mal ouvia as palavras de Paulo. Ele disse que a carta tinha sido um marco; após ler aquelas palavras, caiu numa melancolia que só encontrou alívio em Deus. “Fechou-se” por um tempo, sem falar com ninguém, depois entrou no seminário.

– Sua carta doeu tanto, que não consegui mais ser o mesmo. Ainda assim guardei ela comigo, junto da Bíblia. Afinal de contas, uma entrou na minha vida por causa da outra.

Depois de dizer isso foi a um recinto lateral, de onde voltou com um envelope amarelado. Entregou-o a Natália, que àquela altura compreendera o que tinha acontecido.

– A carta... não era para você.
– Como não era? Olhe aqui: “Para Paulo”, no envelope. E depois o vocativo: “Caro Paulo”.
– Isso não é um “P”. É um “S”. A carta era para Saulo. Quando eu pedi a uma colega da escola que entregasse a ele, não pronunciei o nome do destinatário. Ela também deve ter confundido as letras. Meus professores de redação sempre disseram que eu devia corrigir isso, mas nunca dei importância.

Paulo se levantou, atordoado.

– Se a carta era para Saulo, por que o casamento agora?

– Depois que você me deixou sem dar notícias, comecei a me sentir muito só. Saulo agia como se nada tivesse acontecido (e não aconteceu mesmo!). Imaginei que ele se comportava assim por ser persistente e não aceitar me perder, então não toquei no assunto da carta. Comparada com a sua atitude, a dele me parecia muito superior. Terminei aceitando-o como uma forma de lhe esquecer.

Ficaram em silêncio por um bom tempo. Quem primeiro falou foi Natália:

– E então? Faz o casamento?
– Faço, é claro. E sei que vou me emocionar mais do que das outras vezes. Afinal, o noivo era para ser eu.
– Mas não vai dizer isso no sermão...
– Não vou. Apenas eu e você vamos ficar sabendo. No sermão, o máximo que eu vou fazer é retificar o ditado. Em vez de “Deus escreve certo por linhas tortas”, “Deus às vezes escreve certo por letras trocadas”.


É comum se querer apontar a moral de uma história. Se o texto acima tem alguma, pode se resumir nesta prosaica lição, que costumo passar aos alunos: “Ao redigir, escreva com legra legível. A falta de clareza pode mudar um destino.”

Algumas pessoas tem a capacidade de ler os outros sem que esses percebam que seus atos entregaram suas personalidades através do olhar...

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Algumas pessoas tem a capacidade de ler os outros sem que esses percebam que seus atos entregaram suas personalidades através do olhar dado ao afeto, ódio, medo, ou quem sabe, através de suas almas.

Charles-Louis de Secondat (1689–1755), mais conhecido por Montesquieu, foi um filósofo, escritor e teórico político iluminista. Ele con...

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Charles-Louis de Secondat (1689–1755), mais conhecido por Montesquieu, foi um filósofo, escritor e teórico político iluminista. Ele contribuiu para criar a ideia de tripartição dos poderes do Estado. Em 1748, o pensador publicou o seu livro Do Espírito das Leis. Neste trabalho, uma de suas teses é o liberalismo político.

Só mesmo uma oriental para comemorar a conquista do Nobel de literatura tomando chá, em silêncio. Pois foi isto que fez a escritora...

Só mesmo uma oriental para comemorar a conquista do Nobel de literatura tomando chá, em silêncio. Pois foi isto que fez a escritora sul-coreana Han Kang, 53 anos, ao receber a notícia da grande vitória. “Tomarei chá com meu filho, em silêncio”. Só esta frase, esta reação tão serena e tão sábia, justificam, para mim, a outorga do prêmio, não tivesse ela escrito, apesar de ainda jovem, livros que, segundo a Academia Sueca, “inovaram a prosa contemporânea”. “Tomarei chá com meu filho, em silêncio”. É preciso repetir esta frase extraordinária para penetrar-lhe o profundo sentido e alcance. Nada da algazarra do mundano e previsível champanhe que outros elegeriam para momento tão festivo, mas a sóbria ancestralidade do chá e o recolhimento do silêncio, símbolo de modéstia, de reflexão e, quem sabe, de oração.

“Como foi bom te ver...” Operava-se nesta exclamação um milagre de supermercado, abelheiro em que nem sempre as vistas se dispõem a s...

cartorio souto jose carneiro
“Como foi bom te ver...”

Operava-se nesta exclamação um milagre de supermercado, abelheiro em que nem sempre as vistas se dispõem a sair da lista de compras ou do chamariz das gôndolas.

Apesar da prolação generalizada pego (com /e/ (= < ê >), de preferência, e não com /ε/ (= < é > ), há razões para crer q...

gramatica lingua portugues
Apesar da prolação generalizada pego (com /e/ (= < ê >), de preferência, e não com /ε/ (= < é > ), há razões para crer que o verbo pegar só admita pegado como particípio.

A língua francesa define tour de force como uma ação que exige uma força além da necessária, seja no sentido físico, seja no sentid...

A língua francesa define tour de force como uma ação que exige uma força além da necessária, seja no sentido físico, seja no sentido moral. Linguisticamente falando, fazer um tour de force é, portanto, se jogar num exercício de contorcionismo linguístico, para explicar alguma coisa ou expor um argumento difícil de se sustentar. É o que temos visto, com frequência, na política que se pratica, especialmente, no Brasil.

Desde muito tempo deixei de frequentar bares. Razões não faltam; da possibilidade de confusões que degenerem em algo trágico até o ...

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Desde muito tempo deixei de frequentar bares. Razões não faltam; da possibilidade de confusões que degenerem em algo trágico até o prosaico fato de que alguém que não está ingerindo bebidas alcoólicas jamais consegue conversar com um bêbado. Elegi a padaria Bonfim para conversar, ouvir histórias e principalmente rir. Vou lá diariamente e convivo com grupos bem diferentes, que cobrem todo o tecido social da cidade. Tem de tudo; empresários, servidores públicos, um milionário e muitos falsos milionários, mentirosos (os que mais me fascinam), um doido e de vez em quando um ou outro intelectual. Na maior parte do tempo a conversa é puro entretenimento pelos debates políticos, futebolísticos e religiosos (tudo sobre o que não se deveria discutir) travados em altos brados e com os argumentos mais escalafobéticos possíveis. Porém às vezes a coisa engrena.

Conhecem Jerome Kern? Conhecem, sim, mesmo que disso não deem conta. É o compositor americano que até perto de 1945, ano de sua mort...

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Conhecem Jerome Kern? Conhecem, sim, mesmo que disso não deem conta. É o compositor americano que até perto de 1945, ano de sua morte, musicou quase setecentas canções, muitas imortalizadas por vozes sucessivas, geração após geração, em uns cem filmes e espetáculos. Esse camarada está na trilha de “Swing Time”, o filme de 1936 estrelado por Fred Astaire e Ginger Rogers. Foi Kern quem teve a ideia das danças no compasso 4 por 4. Hollywood o homenageou com um Oscar. Dele, pois bem, o bom e velho Fred cantou para Ginger “The way you look tonight”, peça icônica com versos escritos por Dorothy Fields.

" A invenção da imprensa é o maior acontecimento da história. É a revolução mãe... é o pensamento humano que larga uma forma e ves...

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"A invenção da imprensa é o maior acontecimento da história. É a revolução mãe... é o pensamento humano que larga uma forma e veste outra... é a completa e definitiva mudança de pele dessa serpente diabólica, que, desde Adão, representa a inteligência."
(Victor Hugo, Nossa Senhora de Paris, 1831)

 
O exercício era recortar o jornal picotar as palavras lançá-las no aquário as bolhas de um solitário peixe tratavam de desmentir qualquer verdade


Em um mundo cada vez mais acelerado e repleto de desafios, as relações interpessoais tornam-se um terreno delicado, onde o diálogo pare...

Em um mundo cada vez mais acelerado e repleto de desafios, as relações interpessoais tornam-se um terreno delicado, onde o diálogo parece dar lugar ao conflito e à desavença.

Valtinho estava já em sua décima primavera e frequentando a quarta série, o que era absolutamente normal para sua idade. Na escola, ...

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Valtinho estava já em sua décima primavera e frequentando a quarta série, o que era absolutamente normal para sua idade. Na escola, apreciava as aulas de história, mas ficava muito revoltado quando a professora dizia que enforcaram um tal de Tiradentes, só porque esse sujeito queria nos separar de Portugal. No entanto, ficou muito empolgado quando Dona Matilde contou que anos depois teve alguém que deu um grito e de espada em punho mandou os portugueses para aquele lugar. “Quero ver se eles têm coragem de enforcar Dom Pedro”, pensou Valtinho lá com seus botões.

maternidade adocao patinho feio Quando eu era criança, sentia uma profunda empatia (e simpati...

maternidade adocao patinho feio
maternidade adocao patinho feio
Quando eu era criança, sentia uma profunda empatia (e simpatia) pelo Patinho Feio, não que eu me considerasse um pequeno monstrinho, mas por – quem sabe – não me reconhecer tão acolhido quanto desejava. Sempre achei que eu fosse, e às vezes acho, confesso, que não sou o filho que meus pais idealizaram. Porém, quem deve ser, de fato?

Depois das palavras do professor Milton Marques Júnior sobre o livro Antes de Atravessar , de José Nêumanne Pinto , apontando os cami...

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Depois das palavras do professor Milton Marques Júnior sobre o livro Antes de Atravessar, de José Nêumanne Pinto, apontando os caminhos para o percurso da leitura dessa obra, retornei à poesia do poeta de Uiraúna com a mente fresca para mergulhar nos segredos do magnetismo dos poemas.

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Ele vai mais uma vez ao laboratório fazer exame de sangue. Com a idade, esse procedimento tem se tornado rotineiro. Entra e permanece em pé, embora haja cadeiras vazias. Vazias mas excessivamente contíguas, o que contraria o distanciamento indicado em locais como esse.