Era o ano de 1975, meu terceiro ano de universidade, depois de passar dois anos no chamado “curso básico” da Área I, que abrigava todos os alunos candidatos aos cursos de engenharia, matemática, física, química, informática, e estatística. Eu havia escolhido o curso de física, apesar do estranhamento da família, já que não se sabia exatamente o que significava ser físico, além de ser professor. Mas eu havia abraçado a carreira de físico com enorme entusiasmo, principalmente quando descobri que, além de professor, poderia ser pesquisador, ser um cientista.
O curso de física da UFPB ainda estava no começo. A grande maioria dos professores vinha de fora, eram sudestinos. Havia, entretanto, três estrangeiros:
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O prédio do Instituto de Física, onde ficavam os laboratórios e as salas de aula, me impressionava pela sua beleza. Era um prazer passar o dia ali, num ambiente que me incentivava ao estudo, ainda mais quando entrava na biblioteca. Pois é, havia uma ótima biblioteca, onde o silêncio e as estantes repletas de livros me faziam me esquecer do tempo.
Meus colegas eram pouquíssimos. A imensa maioria dos alunos do ciclo básico optava pelas engenharias. Contava-se nos dedos aqueles que queriam ser físicos, matemáticos ou químicos. Por isso, as turmas eram restritas a, no máximo, cinco alunos. Por duas vezes fui o único aluno da turma.
Valdir Barbosa Bezerra
CCEN/UFPB
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Ao concluir meu curso de bacharelado resolvi ingressar no curso de mestrado do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, que no final da década de setenta despontava como um dos melhores e tradicionais centros de pesquisa do país. O ambiente científico do CBPF era, naquele particular momento, altamente estimulante, em parte motivado pela a volta de ex-professores exilados pela ditadura militar brasileira e argentina. Faziam parte desses os brasileiros José Leite Lopes e Jayme Tiomno, e os argentinos Juan José Giambiagi e Carlos Guido Bollini.
Já no mestrado, depois do primeiro ano de cursos, comecei a ficar fascinado pelos avanços da física teórica naqueles anos, especialmente numa área conhecida como “teorias de gauge”. Essas teorias tinham pra mim um “flavour” especial, porque buscavam encontrar um princípio unificador das interações fundamentais das partículas elementares. Essas idéias me atraiam muito, não só pelo seu lado filosófico e estético da unificação, mas também pelo belo e sofisticado aparato matemático que as fundamenta. Resolvi, então, numa atitude
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
CBPF
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Fui aceito por ele imediatamente e comecei também a assistir seus cursos de eletrodinâmica quântica, e também os cursos de teoria quântica de campos, ministrado pelo seu colaborador, o Prof. Bollini. O tema de minha dissertação não era fácil e eu tive que estudar muito para avançar no assunto. Eis, então, que acontece algo inesperado. O meu amigo Valdir acabava de ingressar no CBPF para fazer seu doutorado, tendo escolhido como orientador, para minha surpresa, ninguém mais do que o Prof. Giambiagi. Daí por diante podíamos trabalhar juntos, já que nossos estudos giravam em tornos das teorias de gauge, em que Giambiagi e Bollini eram especialistas de renome mundial. Tudo se tornou mais fácil pra mim com a nossa constante interação. Além disso, compartilhávamos o sabor de estar estudando um assunto de fronteira e importante.
Alguns anos mais tarde regressei ao CBPF para fazer o doutorado. Nesse meio tempo, Valdir tinha terminado sua tese, que versava sobre um assunto que viria a ser seu tema de pesquisa durante vários anos, quando se tornou conhecido internacionalmente por seus trabalhos. Quanto a mim, as teorias de gauge, por uma razão muito especial relacionada com a geometria do espaço-tempo, me levaram para uma outra área da Física: a teoria da relatividade geral de Einstein. São teorias semelhantes em vários aspectos. Ambas possuem uma conexão muito forte com a matemática e o estudo das simetrias da natureza, e que levam a obtenção de resultados físicos surpreendentes.
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Tom Kibble @nature.com
Os anos se passaram. Juntos criamos um grupo de pesquisa na área de gravitação e cosmologia. Juntos ministramos cursos nessa área e orientamos dezenas de alunos de pós-graduação. Ele, a quem informalmente passei a chamar de “meu grande cientista”, continuou seu trabalho, sempre abnegado e entusiasmado como nos tempos de juventude. E veio o reconhecimento maior, o reconhecimento que faltava. E foi com com grande alegria que eu soube que o meu grande cientista, o professor Valdir Barbosa Bezerra, tinha sido eleito em maio deste ano para a prestigiosa Academia Brasileira de Ciências. Não pude deixar de compartilhar a emoção de vê-lo finalmente reconhecido, pelo seu trabalho incansável e a dedicação de toda uma vida voltada para a ciência brasileira. Meu grande cientista tinha virado acadêmico. E é assim que agora eu me dirijo a ele, a esse meu amigo de muitos anos: MEU GRANDE CIENTISTA E ACADÊMICO!
Professor Valdir Bezerra (UFPB) tomou posse na Academia Brasileira de Ciências
UFPB
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