O ensaio Profissões para Mulheres , de Virginia Woolf, foi lido pela primeira vez em uma palestra que a autora proferiu para o “Women´...

Virginia Woolf e o ensaio ''Profissões para Mulheres''

virginia woolf adriana lisboa feminismo
O ensaio Profissões para Mulheres, de Virginia Woolf, foi lido pela primeira vez em uma palestra que a autora proferiu para o “Women´s Service League” (Sociedade Nacional de Auxílio às Mulheres), no dia 21 de janeiro de 1931, em Londres. Este ensaio que aparece ilustrado pela primeira vez em língua portuguesa foi traduzido por Adriana Lisboa e recebeu criativas ilustrações de Marilda Castanha. É um projeto ambicioso da editora Maralto (2024), capa dura, folha internas em papel couché, ilustrações em cores neutras, com alguns detalhes em vermelho e amarelo. A gráfica Santa Marta (PB) foi responsável pela impressão e acabamento.

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Adriana Lisboa e Marilda Castanha Editora Maralto
Uma imagem visual recorrente nas ilustrações é a presença de relógios, eles estão nas cabeças das pessoas, em forma de coração no peito, nas xícaras de café ou de chá, nas casas em estilo vitoriano, sempre marcando horas diferentes, isso tudo pode ser associado ao deslizar do tempo e à tela de Salvador Dalí – A Persistência da Memória que veio a público também em 1931. Os relógios de Dalí aparecem em cenários incomuns – pendurados em galhos de árvore, sobre uma mesa, marcando horários distintos.

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Marilda Castanha
Ao se apresentar para o auditório formado só por mulheres, Virginia Woolf afirma que atendeu ao convite da secretária da Sociedade de Auxílio às Mulheres para falar sobre suas próprias experiências e começa com uma pergunta dirigida a ela mesma: “Que experiências eu tive?” Responde que considera difícil dizer, pois sua profissão é a literatura e ela oferece às mulheres menos experiências do que qualquer outra, à exceção do palco.

Reconhece que o caminho foi aberto por antecessoras, como Fanny Burney, Aphra Behn, Harriet Martineau, Jane Austin e George Eliot. Esta última utilizava um pseudônimo masculino para que seus escritos fossem levados a sério. Seu nome real era Mary Ann Evans. A mesma coisa
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George Eliot / FannyBurney CC0
aconteceu na França com George Sand, pseudônimo de Amandine Aurore Lucile Dupin. Foram essas mulheres que aplainaram seu caminho e conduziram seus passos. Com certa dose de ironia, ela diz que quando começou a escrever havia poucos obstáculos no seu caminho, pois escrever era uma ocupação respeitável e inofensiva. “O arranhar de uma caneta não perturbava a paz da família. Em nada se comprometia o orçamento doméstico” ( 2024:p. 17). O papel era barato e o seu baixo custo era a razão pela qual as mulheres tiveram sucesso como escritoras, antes de terem sucesso nas outras profissões.

A vida de escritora teve início escrevendo para jornais, tudo muito simples. Ficava no quarto com uma caneta na mão, escrevia algumas páginas, colocava-as dentro de um envelope, colava selo e levava até a caixa vermelha da esquina mais próxima. No início do mês seguinte, recebia uma carta do editor contendo um cheque de uma libra, dex xelins e seus peince. Iniciou a vida literária como resenhista de livros.

O que será que a jornalista fez com o primeiro dinheiro que ganhou? Comprou mais papel para escrever? Gastou
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Virginia Woolf Adoc/Corbis
com pão e manteiga? Comprou sapatos e meias? Pagou as contas do açougueiro? Nada disso. Comprou um lindo gato, um gato persa, que logo a envolveu em sérias altercações com seus vizinhos.

Esses primeiros escritos eram sobre romances. Certa vez escreveu a resenha de um romance escrito por um homem famoso e houve o encontro com o “Anjo do Lar”. O anjo sussurrava-lhe o que devia escrever com esses conselhos:

“Minha querida, você é uma moça. Está escrevendo sobre o livro de um homem. Seja afável, bajule, recorra a todas as artes e artimanhas do nosso sexo. Nunca deixe ninguém suspeitar de que tem opiniões próprias” (p. 35).

O que aconteceu depois? Ela sentiu que não era possível ficar presa à voz que a conduzia, que não permitia ter opinião própria, tudo era ditado pelo “Anjo do Lar”, era preciso exterminar o Anjo que não deixava que tivesse vez nem voz e aos poucos foi matando o fantasma. Foi necessário exterminá-lo para alcançar a liberdade sonhada, começou a escrever sem rodeios, deixou de mentir, passou a ser verdadeira. Mas como custou! E vem esta constatação:

“É muito mais difícil matar um fantasma do que uma realidade.” (p. 38).
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Virginia Woolf Pictorial Press Ltd
Virginia Woolf reconhece que a mulher ainda enfrenta muitos fantasmas e tem que lutar contra eles, há muitos preconceitos a vencer, isso vai levar muito tempo para mudar, há pedras nos caminhos que precisam ser removidas. E surge mais uma indagação: “se é assim na literatura, a mais livre de todas as profissões para mulheres, como será nas novas profissões que vocês pela primeira vez exercem?” (p. 67). É outra pergunta que faz, desta vez dirigida ao auditório.

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No posfácio do livro, com o título Como matar um fantasma, Adriana Lisboa explica quem era o “Anjo do Lar”. Em meados do século XIX, o poeta e crítico inglês Coventry Patmore publicou uma obra famosa, um longo poema narrativo — The Angel in the House (“O Anjo da Casa” ou “O Anjo do Lar”), inspirado por sua esposa. Neste poema, ele enaltecia as virtudes da mulher ideal, aquela mulher dedicada ao lar e ao marido – “dócil, pia , graciosa, pura” – indicava o mapa do casamento feliz.

No ensaio que apresentou para as mulheres em 1931, a escritora revistou o fantasma do Anjo, assassinou-o e apontou novos rumos que deveriam ser seguidos pela nova mulher – nada de sujeição à vontade alheia, nada de servilismo. A mulher deveria lutar para ter um teto todo seu, ter liberdade de escolher uma profissão, qualquer que fosse.

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Adriana Lisboa @adrianalisboa.com
Muito à frente de seu tempo, Virginia Woolf abraçou a causa feminista antes do surgimento desse movimento. Encorajou as mulheres a lutarem por seus direitos, a terem independência financeira. O espaço físico e simbólico “um teto todo seu “ ou “um quarto só nosso” representa a emancipação da mulher em muitos sentidos.

Concluo com palavras de Adriana Lisboa: “Além de um quarto só nosso, nos tempos atuais, precisamos de uma mente só nossa também”.

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