Para Nereu Abro o baú de sucupira, madeira do sítio Mucuim, trabalho artesanal de um marceneiro de Pitimbu. Comunicaram a queda da á...

Baú de sucupira

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Para Nereu

Abro o baú de sucupira, madeira do sítio Mucuim, trabalho artesanal de um marceneiro de Pitimbu. Comunicaram a queda da árvore; você, sempre ligado à natureza e inimigo da derrubada de árvores, lamentou profundamente, e o único jeito foi transformar a madeira em objetos úteis. Mandou fazer três baús; fiquei com um deles. Não me recordo do que guardei no baú logo que chegou ao apartamento — isso já faz algum tempo... Hoje resolvi abri-lo e encontrei os lençóis que você usava, todos engomados e bem arrumados; bateu uma saudade muito grande. Saudade do tempo das viagens semanais ao sítio Mucuim, do tempo em que o baú ainda não existia, era
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GD'Art
uma bela sucupira enfeitando a paisagem. Morta, derrubada por algum vento impetuoso ou fruto de alguém que desejava aproveitar a madeira para uso próprio, a sucupira foi transformada em baús.

As árvores, como as pessoas, também morrem e podem ser transformadas em baús, mesas, bancos, cadeiras e muitos outros objetos. E as pessoas? Qual será seu destino? Para aqueles que acreditam na eternidade, os bons encontram-se com Deus; para os que acreditam apenas na volta do corpo à terra, resta alguma coisa — lembranças, saudades da pessoa querida. Não sou descrente de tudo. Você está presente de muitas maneiras em nossas vidas — nas músicas que gostava de ouvir, nos livros que estava sempre lendo, no seu gabinete desordenado, que não era tão desorganizado como eu pensava: tudo tinha seu lugar. Está presente nos CDs e discos de música clássica, nos lençóis que estão guardados no baú, nas inúmeras cartas dos familiares que conservou durante muitos anos, na cadeira antiga, estilo colonial, adquirida quando ainda morava em Campina Grande.

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O baú já teve outras utilidades. Virou haicai no livro Relicário e recebeu uma bonita ilustração de Miguel Bertollo, pintor que você conheceu muito bem. No dia do lançamento do livro, aqui pertinho, na Fundação Casa de José Américo, em 18 de março de 2023, você não pôde ir; estava acamado, mas o baú compareceu. Nair Martinelli, exímia funcionária da Casa, decorou-o com fotos antigas, blusa de mamãe, livro que ganhei de Dona Nativa quando tinha oito anos — A Chave do Tamanho —, toalha de crochê antiga, uma estola portuguesa adquirida em uma das nossas viagens a Portugal, muitas lembranças afetivas. Evelyn, a neta caçula, enfeitou o ambiente do lançamento do livro com arranjos japoneses. Katsumy, uma ex-aluna da UFPB, que também é funcionária da FCJA, foi a mestre de cerimônias e preparou um café cappuccino excelente, que foi servido aos convidados. Tudo isso está registrado nas fotos de Geraldo Guilherme, o mesmo fotógrafo que tirou as fotos das nossas Bodas de Ouro.

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Miguel Bertollo
No dia 25 de março, reinauguração do Museu da Casa de José Américo, Katsumy me pediu o baú de sucupira emprestado para montar uma exposição com trabalhos das artesãs paraibanas, quase um ano depois que o baú se tornou público. Você já não estava entre nós, mas sua ideia de transformar a madeira em baú tem dado bons frutos.

Se “de tudo fica um pouco”, como disse Drummond, ficou o baú de sucupira e as muitas lembranças que conservo com carinho até hoje: a coleção de livros franceses, os dicionários de várias línguas, os inúmeros CDs de música clássica. Você sempre teve uma alma grandiosa, não era afeito a coisas pequenas — gostava de ler, colecionar livros, era um bibliófilo e, acima de tudo, um grande amante da natureza e da música clássica. Gostava de repetir a frase de Artur da Távola: “Música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão.”

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