Recentemente foi publicado, em Vitória, um livro de poesias com o título assaz insólito: O mais Eu de todos em mim vive me desconhecendo. Tal livro, de autoria do poeta Jorge Elias Neto e do fotógrafo Vítor Nogueira descortina a miséria nas ruas da capital.
Todos os textos introdutórios e poemas são apresentados em letras brancas sobre fundo preto. A ausência de cor retrata, simbolicamente, “a vida tal qual ela é” para os mais necessitados. As fotos dos moradores de rua ao relento falam por si. O Fotógrafo conseguiu captar detalhes impressionantes de cenas do cotidiano da capital capixaba, cenas essas que denunciam “a exclusão e a ausência de dignidade humana das pessoas em situação de rua."
Ilustrações do livro O mais Eu de todos em mim vive me desconhecendo
de Jorge Elias Neto e Vitor Nogueira
O poeta Jorge Elias, com sua magistral verve literária, inspirando-se nesses retratos de “situação de extrema pobreza”, conseguiu extrair poesia do deplorável cotidiano das ruas. Para cada foto, um belo poema.
de Jorge Elias Neto e Vitor Nogueira
Não pude fazer presença no dia do lançamento, pelo fato de estar em Belo Horizonte. Por coincidência, o fato que mais atraiu minha atenção na capital mineira foi justamente a quantidade de pessoas ao relento, nesse rigoroso inverno de 2025.
Nunca houve tantos moradores de rua em Belo Horizonte como nos últimos tempos. Eles se aboletam em qualquer canto, tentando se proteger da chuva, do frio e do vento. Alguns estabelecimentos comerciais chegam a colocar grades extras, como as da foto abaixo, para evitar o pernoite dos indesejados. O transtorno maior não é a presença dos
Jô Drumond
Neste domingo (01.06.25), resolvi descer a pé, sozinha, às sete horas da manhã, da Praça da Liberdade até à Avenida Afonso Pena para flanar na enorme feira de artesanato, iniciada nos anos 50 ou 60, chamada até os dias de hoje de Feira Hippie. A cidade ainda dormia, mas muitos moradores de rua já estavam despertos. Tive receio durante o percurso. Não via viva alma além dos mendicantes. Ao passar pelo cruzamento da Avenida João Pinheiro com Av. Álvares Cabral, assustei-me ao ver um vulto sair do oco do tronco de uma árvore centenária. Parei para observar o rapaz recém-saído daquele abrigo. Era um jovem de baixa estatura, moreno, de cabelos longos e desgrenhados, usando roupas esfarrapadas, sujas e malcheirosas. Saiu de sua (má)loca, formada pela natureza, e ganhou a rua.
Jô Drumond
Vitor Nogueira
O livro O mais Eu de todos em mim
vive me desconhecendo ■ de Vitor Nogueira e Jorge Elias Neto, disponível no site da Editora Cousa.É impossível não pensar no aniquilamento, no apocalipse, “no lugar de toda pobreza”, nos algoritmos da soberba, na força centrípeta vencida dos muros, no “deus mercado”, na impassibilidade crescente da artificialização da inteligência, na indigência, na condição humana.
(Jorge Elias Neto)
(Jorge Elias Neto)