É na transição que me despeço pois outro em torno passa a ter sentido Não que seja felicidade a sucessão de portas, imagens, e a nova transparência do Mundo Não saber o nome que se diz quando se está surpreso passa a ser a vida (o recorte de cada adeus é essa bruma triste afastada dos olhos) e algo chamado silêncio ficou atado ao último pórtico onde calamos nossas vozes e partimos, mutilados de nosso amor.
Não vou falar o nome das coisas, elas se bastam em sua incompletude Nome e sobrenome do homem, este ser de farpas e paixões O enredo, o embrenhar no azul, é uma busca do eterno no desmedido No ínfimo, substituto da razão, o consolo, o suspiro de alívio Não vou falar o nome das pessoas, elas são muitas e várias em seus tons de voz, de súplicas, de verdades.
(escorrer entre os dedos é uma necessidade sagrada) O formato das mãos não se presta a guardar as lágrimas, não comportam sua rebeldia De gestos impacientes, permitem frestas e luz.
Em algum momento há de se aprender sobre o desaparecimento Os dentes assinam as raízes das coisas (algo desapercebido – o lapidar da esfinge) A vida tem sua fome de glória e guerra pela verdade e estende seu piso até a Terra que nos preenche com a derradeira surpresa.
Tudo é casual, até o sentido da vida, o zelo, o olhar. (Eu te trouxe, mas você não me serve mais.) Não cabe em minha tristeza o que não me sustenta, não me dá “likes”. Mas você insiste em estar, mesmo quando desiste da vida.
O outono colorido, as folhas de plástico, a Bíblia sob a vitrine, (receptáculo de minha esperança) As lentes do paraíso, protegidas pela Praia Forte – 3225-4170 e a minha carne, meus ossos, saltando sob os traços tribais E no reflexo da vitrine o homem com seu cigarro, seu celular e sua sensibilidade para com os excluídos.
Muitas vezes percebemos o trovão e não nos assustamos com o silêncio da destruição.
Santo, sei do relicário de ossos sem céu e sem teto.
Nestes tempos de dicotomia nas paixões
Fernando Pessoa, o assumido poeta do EU, sabia que o olhar necessita de um objeto, daquilo em que se depositam o desejo, a angustia, a dor, a febre – e, é claro, a esperança e tudo que a circunda. Inclua nesse rol, a compaixão. Eis a questão tão inequívoca quanto necessária: como, situado neste mundo, pode o poeta abster-se do real e ignorar o que lhe cerca? A dupla Vitor Nogueira – Jorge Elias Neto encara esse real e, cada um com seu olhar – complementares, diga-se -, observa que o mundo não é exatamente o que se mostra: ele é mais intenso, mais vil e mais desigual do que imagens e palavras possam expressar. Daí a necessidade de compadecer-se e agir. A ação em “O mais EU de todos em mim vive me desconhecendo”, num certo sentido, confirma o português Pessoa: a realidade faz com que nos reconheçamos de todos os modos possíveis, e a poesia e a fotografia (ambas de uma beleza crua e essencial, definitiva) podem nos levar muito além, plenas de luz e vida, impelindo-nos a reconhecer que fazemos parte de um mundo que, ao menor descuido, tende a nos abominar e a nos rejeitar.
Estamos, todavia, todos juntos. E, felizmente, para o nosso consolo, com Vitor e Jorge nos guiando.
(Francisco Grijó - escritor)