A miséria humana não se restringe à carência de recursos financeiros ou bens materiais; trata-se, sobretudo, da negação da dignidade, da escuta, do cuidado e do sentimento de pertencimento. Embora tenha raízes estruturais na injustiça social, a miséria se aprofunda por meio do silêncio, da indiferença e da naturalização do sofrimento. As chamadas "dores sociais" emergem de ambientes marcados
Vitor Nogueira
pela exploração e pela desigualdade, e se manifestam no corpo e na psique por meio de sintomas como a depressão, os transtornos neuróticos ou de personalidade — caracterizados pela forma como o indivíduo interpreta a si mesmo e estabelece relações com os outros.
A superação dessas formas de sofrimento requer políticas públicas estruturais, ações solidárias efetivas, processos educativos críticos, reconstrução dos laços sociais e afetivos, bem como uma reflexão filosófica e sociológica sobre o papel da cidadania no espaço coletivo de existência. O enfrentamento da miséria, portanto, demanda empatia social, mobilização coletiva e, sobretudo, vontade política.
As formas de indiferença intensificam o sofrimento humano. Ambientes constituídos por diferentes formas de violência — seja doméstica, urbana, institucional ou simbólica — produzem traumas, geram medo e fragilizam os laços emocionais. Em muitos casos, o ódio constitui uma das manifestações mais perversas da miséria social, funcionando tanto
Vitor Nogueira
como causa quanto como consequência da crueldade humana. Cidadãos expostos a situações violentas tendem a internalizar comportamentos agressivos ou a carregar, ao longo da vida, os efeitos psíquicos e sociais destrutivos desse convívio com o terror e a insegurança. Fenômenos como a alienação e a perda de sentido de vida não se limitam às populações em situação de vulnerabilidade extrema. O individualismo, característico de sociedades contemporâneas marcadas pelo consumismo e pela competição, rompe o senso de coletividade e solidariedade, tornando-o cada vez mais solitário e invisível.
Hannah Arendt (1906–1975), em sua obra Sobre a violência, afirma que “a violência é, por natureza, instrumental; como todos os meios, requer sempre orientação e justificação através do fim que visa” (1970, p. 55–56). Para a autora, a violência não é um fim em si, mas um instrumento que depende de justificativas externas para sua legitimação. Outro conceito fundamental em seu pensamento é o da banalidade do mal.
Hannah Arendt Barbara Niggl Radloff
Arendt identificou uma forma de mal que não nasce do ódio extremo, mas da indiferença, do conformismo burocrático e da obediência cega às ordens, sem reflexão crítica. Ela descreveu como a ausência de consciência moral pode ser, paradoxalmente, causa e consequência da própria indiferença. A banalização do sofrimento alheio — ou seja, a naturalização da violência e da miséria como se fossem fatos neutros ou inevitáveis — intensifica a perda da capacidade de julgamento e de empatia. Para Arendt, a falta de pensamento autônomo e a recusa em emitir juízos morais contribuem para a manutenção de estruturas opressoras. Segundo sua análise, “o maior mal do mundo é cometido por pessoas que nunca decidiram ser boas ou más”.
A indiferença moral, quando internalizada, manifesta-se sob a forma de dor psíquica e perda do sentido existencial. A exclusão social gera sentimentos de vergonha, humilhação e ansiedade. Em situações de pobreza, há presença de traumas intergeracionais, nas quais experiências como fome, violência e abandono são transmitidas de uma geração à outra. Para alguns, o enfrentamento da miséria exige uma transformação interna — um movimento de compaixão e ressignificação que os leva a reconstruir afetos, identidades e a buscar consciência de mudança pessoal e coletiva.