*Ou uma pequena tragédia hortifrutigranjeira Quando a conversa gira em torno das preferências, no que diz respeito às frutas, já vou...

A pitanga*

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*Ou uma pequena tragédia hortifrutigranjeira

Quando a conversa gira em torno das preferências, no que diz respeito às frutas, já vou esclarecendo que para mim só existem duas: a pitanga e as outras. Hão de estranhar. Por que pitanga? Bem, meus amigos e minhas amigas, já diziam que nariz e gosto cada um tem o seu (no original era outra parte do corpo e não nariz, mas vamos considerar assim). Pois bem, gosto de pitanga e pronto!

Há preferências que não têm explicação e esta me acompanha desde meus verdes anos. Já adulto, cuidei de ter pelo menos um exemplar dessa arvorezinha, a eugenia uniflora, vulgo pitangueira, se a casa tivesse quintal e neste houvesse espaço e luminosidade suficientes.

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Pitangueira Tatiana Gerus
Advinda de semente, com quatro anos frutifica, com clima, trato e solo favoráveis em no máximo três. Essa frutinha tem algumas variedades. Pode ser quanto à coloração que vai desde a uma espécie arroxeada à quase amarela, passando pelo vermelho, a mais comum. E ainda quanto ao sabor, que pode ser ligeiramente ácido, ou até maravilhosamente doce. Só que o sabor conta não só com a genética, mas com a incidência de raios solares e o pH do solo.

Posso não ser um especialista, mas essa minha predileção leva-me a sair à cata de informações. E essa curiosidade me fez saber que no Instituto Agronômico de Campinas,
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Viveiro Ciprest
pesquisadores chegaram a duas variedades que já estão em diversos pomares Brasil afora: a “IAC 137”, com polpa mais doce, fruto escuro e muito produtiva. A outra variedade é a “IAC Vermelha” com frutos maiores e menos ácidos.

Onde resido, cultivo quatro e de variedades diferentes. De um lado do quintal uma produz frutos vermelhos, pequenos e doces como um torrão de açúcar; do outro lado a de frutos amarelos, um pouco ácidos, ótimas quando o destino é a jarra com o melhor dos sucos.

Outras duas estão em vasos onde o cultivo exige cuidados de amante. Tem-se que estar atento às regras, à adubação, à retirada de alguma erva daninha que venha querer competir na absorção de nutrientes. Haja cuidados, mas esta devoção traz resultados esplendorosos.

Estimo ver quando a uruçu e a iraí, aquelas abelhinhas atrevidas, vêm polinizar as floradas de minhas pitangueiras. Neste julho chuvoso, minhas “meninas” resolveram me presentear com uma florada daquelas, farta e promissora. Como entre a polinização e colheita dos frutos decorre um período de umas seis semanas, quero estar presente para deliciar “in natura”
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tropicalplantae.com
esse presente ao meu paladar. Tudo isso porque devo me ausentar até os idos de agosto. E me perguntarão: Então, onde está a tragédia anunciada no início deste texto?

Começou quando uma das pitangueiras, a de um dos vasos, resolveu antecipar a produção e floriu timidamente antes dessa exuberância que está no momento. Segunda-feira, a penúltima que passou, percorrendo meu quintal notei que Maria do Carmo (todas minhas pitangueiras têm nome), a arvorezinha em questão, exibia um fruto ainda verde, mas de dimensões apreciáveis. Único e solitário.

Socorrido por uma aritmética elementar, calculei que mais cinco dias o fruto estaria maduro; isto é, no sábado seguinte, exatamente quando estava previsto eu viajar. Preparei a alma e o mais aguçado dos meus cinco sentidos naqueles momentos; digo, o paladar. Antes de partir, meu último ato seria degustar aquela maravilha que viçava diante de meus olhos e de meus desejos.

Acontece, que quando viajo, alguém me socorre cuidando dos meus bichos e de minhas plantas.
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imibio.misiones.gob.ar/
Esse “caba” é o Rafael, criatura da melhor qualidade que logo requisitei a presença para as devidas recomendações.

Ouvi o chamamento que vinha do portão.

— Cheguei! - era Rafael.
— Vai entrando que já vou indo

Nosso camarada, já no quintal, enquanto eu me desocupava no meu gabinete de alguns afazeres. Foi quando me lembrei: Minha pitanga!

Não deu tempo. Quando cheguei perto e ele foi dizendo:

— Que pitanga danada de doce!

Foi quando me lembrei do artigo 129 do código penal que trata de lesão corporal gravíssima seguida de morte. Silenciei por alguns segundos até a raiva passar. Passou, mas…

Não era uma simples pitanga, meus caros. Era a pitanga.

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