*Ou uma pequena tragédia hortifrutigranjeira
Quando a conversa gira em torno das preferências, no que diz respeito às frutas, já vou esclarecendo que para mim só existem duas: a pitanga e as outras. Hão de estranhar. Por que pitanga? Bem, meus amigos e minhas amigas, já diziam que nariz e gosto cada um tem o seu (no original era outra parte do corpo e não nariz, mas vamos considerar assim). Pois bem, gosto de pitanga e pronto!
Há preferências que não têm explicação e esta me acompanha desde meus verdes anos. Já adulto, cuidei de ter pelo menos um exemplar dessa arvorezinha, a eugenia uniflora, vulgo pitangueira, se a casa tivesse quintal e neste houvesse espaço e luminosidade suficientes.
Pitangueira Tatiana Gerus
Posso não ser um especialista, mas essa minha predileção leva-me a sair à cata de informações. E essa curiosidade me fez saber que no Instituto Agronômico de Campinas,
Viveiro Ciprest
Onde resido, cultivo quatro e de variedades diferentes. De um lado do quintal uma produz frutos vermelhos, pequenos e doces como um torrão de açúcar; do outro lado a de frutos amarelos, um pouco ácidos, ótimas quando o destino é a jarra com o melhor dos sucos.
Outras duas estão em vasos onde o cultivo exige cuidados de amante. Tem-se que estar atento às regras, à adubação, à retirada de alguma erva daninha que venha querer competir na absorção de nutrientes. Haja cuidados, mas esta devoção traz resultados esplendorosos.
Estimo ver quando a uruçu e a iraí, aquelas abelhinhas atrevidas, vêm polinizar as floradas de minhas pitangueiras. Neste julho chuvoso, minhas “meninas” resolveram me presentear com uma florada daquelas, farta e promissora. Como entre a polinização e colheita dos frutos decorre um período de umas seis semanas, quero estar presente para deliciar “in natura”
tropicalplantae.com
Começou quando uma das pitangueiras, a de um dos vasos, resolveu antecipar a produção e floriu timidamente antes dessa exuberância que está no momento. Segunda-feira, a penúltima que passou, percorrendo meu quintal notei que Maria do Carmo (todas minhas pitangueiras têm nome), a arvorezinha em questão, exibia um fruto ainda verde, mas de dimensões apreciáveis. Único e solitário.
Socorrido por uma aritmética elementar, calculei que mais cinco dias o fruto estaria maduro; isto é, no sábado seguinte, exatamente quando estava previsto eu viajar. Preparei a alma e o mais aguçado dos meus cinco sentidos naqueles momentos; digo, o paladar. Antes de partir, meu último ato seria degustar aquela maravilha que viçava diante de meus olhos e de meus desejos.
Acontece, que quando viajo, alguém me socorre cuidando dos meus bichos e de minhas plantas.
imibio.misiones.gob.ar/
Ouvi o chamamento que vinha do portão.
— Cheguei! - era Rafael.
— Vai entrando que já vou indo
Nosso camarada, já no quintal, enquanto eu me desocupava no meu gabinete de alguns afazeres. Foi quando me lembrei: Minha pitanga!
Não deu tempo. Quando cheguei perto e ele foi dizendo:
— Que pitanga danada de doce!
Foi quando me lembrei do artigo 129 do código penal que trata de lesão corporal gravíssima seguida de morte. Silenciei por alguns segundos até a raiva passar. Passou, mas…
Não era uma simples pitanga, meus caros. Era a pitanga.