Vivi um momento extraordinário, na manhã desta quinta-feira (24jul2025). Em tamanha conexão, no cenário visível, eu e o cronista-jornalista Gonzaga Rodrigues; no invisível, as memórias do nosso ilustre escritor e político paraibano José Américo de Almeida. Memórias perpetuadas no seu coração e expressadas nas suas emoções. O local: óbvio, o Museu Casa de José Américo, situado na hoje Fundação que leva o nome de seu patrono e sua residência, onde morou por cerca dos seus últimos trinta anos finais. Precisamente situada "entre o mar e a colina" (JAA), na orla do paradisíaco Cabo Branco.
Fundação Casa de José Américo - Cabo Branco - J. Pessoa (PB) Acervo da autora
Fundação Casa de José Américo - Cabo Branco - J. Pessoa (PB) Acervo da autora
Fátima Farias entrevista Gonzaga Rodrigues Acervo da autora
— Olha, eu tenho uma crônica com mais de 40 anos. Está escrito em 'Nota de meu lugar', em que já naquela época, ele vivo, eu entrava aqui como se entrasse num templo. Como se entrasse num livro de Eckermann. 'Eckermann era um autor, um poeta, escritor europeu, que era da predileção dele'.
Então, eu entrava aqui, sentindo a aura de um ambiente muito solene, mesmo ele vivo, porque ele era um mito vivo, sabe? Ele inspirava isso a todas as pessoas que vinham para cá, embora que ele não se comportava na rotina como o mito. Era um homem que parecia nunca ter nascido em Areia. Era um homem que falava a linguagem do povo, a linguagem comum, a linguagem de rotina, nunca sofisticou em linguagem, nunca mudou os hábitos e nem os gostos.
Fundação Casa de José Américo FCJA
José Américo de Almeira (2º à esquerda) com Getúlio Vargas (centro) e seus ministros CC0
— Olha, Fátima, as conversas variavam muito. Houve, no meu caso, uma identificação, uma aproximação que o acaso me proporcionou, quando ele fez uma conferência na Faculdade de Direito, sobre os ´50 anos do EU´. Então, nesse tempo, eu era subsecretário da União e consegui, numa edição de sábado para domingo, dar um tratamento especial, muito especial, e a conferência dele saiu no domingo. Eu achava que era uma coisa normal, mas vem Juarez Farias, Juarez Batista, que era íntimo dele, foi auxiliar dele, foi meio biógrafo dele, escreveu o melhor perfil dele, até hoje escrito. Pois bem, vem Juarez, passa na União de manhã, põe o jornal e se surpreende com o tratamento gráfico dado pela edição do domingo à conferência de José Américo: 'Augusto dos Anjos, um pássaro molhado'. A frase não é dele, a frase vem já do trabalho de Orris Soares, prefaciando Augusto. Mas ele enfatizou essa imagem.
Gonzaga Rodrigues e Fátima Farias Acervo da autora
Ele perguntou de onde você é? Eu disse: eu sou vizinho seu. Hoje o tratamento é o senhor, mas eu tomei a liberdade de dizer seu, e parece que ele gostou. Eu disse que tinha nascido do lado de Areia, mas tinha sido criado do outro lado do rio, e a conversa minha, a minha brejeirice coincidiu surpreendentemente com a dele.
Gonaga Rodrigues e José Americo de Almeida Acervo de família
Não mudou os hábitos naturais, estivesse em casa ou estivesse na esplanada do castelo, no Rio de Janeiro, fazendo discurso, grande discurso de candidato a presidente da República. Em qualquer desses instantes e desses momentos, na palavra de doméstica, de rotina, ou na linguagem culta do meio da tribuna, a expressão, a linguagem, as palavras eram as mesmas. Ele era um homem culto, lido, muito lido. A gente vai ver isso no livro ‘Eu e Eles’. Quando ele faz uma confissão das leituras que fez, dos clássicos que fez, ele lia, não lia bem em
José Américo FCJA
Gonzaga Rodrigues Fátima Farias
- Eu era da mesa dele. Ele me ensinava, como isso, como aquilo. A dieta dele era a dieta do homem comum. Não havia nada de sofisticado. Ele tinha um trato humano com a cozinheira Maria, com o motorista. Se eu fosse presidente da casa eu deixava eles aqui.
Fátima Farias e Gonzaga Rodrigues Acervo da autora
— Eu não sou especial, mas umas duas vezes ele me deixou lá. Eu tenho uma foto disso. Ele era um cavalheiro. Sabe quem ele deixava lá? Um pescador, que eu esqueço do nome, que era amigo dele, que ia conversar, dizia dos problemas.
Olha, o grande homem público que o doutor José Américo foi era porque era um homem que tinha a intimidade do homem pobre, do povo. O que ele falava, o povo sentia. E tem um negócio engraçado, que me ocorreu agora. Houve um momento, no começo do nosso relacionamento, que eu não sei por que eu fui encaminhado a dizer isso. Nós conversávamos e tal, então todo mundo chegava assim, para o grande A Bagaceira, era o elogio.
Então, voltando ao que eu falei agora, então, o que me seduziu em José Américo, eu menino de 12, 13 anos, em 1946, foi o discurso dele, o melhor discurso da Paraíba, era um discurso de substância. E ele mesmo dizia, eu sou melhor de improviso. Ele não tinha discurso escrito. O único que fazia escrito era uma conferência. Duas conferências que ele fez, uma sobre Augusto dos Anjos, que deu lugar à nossa aproximação, e outra sobre o patrono da cadeira dele na Academia Brasileira de Letras.
José Américo FCJA
Sim, você perguntou como era esse convívio meu com ele. Eu tenho a liberdade de dizer que chegou a uma certa intimidade. Houve uma coisa que também me ajudou: a secretária dele, Lourdinha Luna. Era muito amiga minha. Amiga de Assembleia, quase conterrânea,
Lourdinha Luna
Quando não era isso, a gente ia ao pomar, ele mostrava, a gente discutia o problema das fruteiras. Eu querendo estranhar que na beira da praia, que é uma região arenosa de restinga, pudesse dar mangueira e todas as plantas que a gente tinha lá no Brejo.
— Está indo bem aí, Fátima?
— Está ótimo.
Eu estava no Brejo. Então, eu me lembro bem, para você ver o nível, na coisa que chegou: ele me chamou para me mostrar uma surpresa, uma vez que eu vinha aqui. Era, não todos, mas quase todos os sábados.
Existia um grupo de amigos de Zé Américo, que quase todos os sábados, de manhã, passavam aqui para conversar com ele. Eu estava entre eles. Aurélio de Albuquerque era o mais fiel, que não faltava. Juarez da
Juarez da Gama Batista EPC
E um dia, na hora do almoço, Lourdinha disse: 'Ministro, o almoço está na mesa'. Aí ele disse: vamos almoçar? Júlio se levantou e disse: 'José, para eu passar fome, eu passo fome em casa'. Então, havia esse nível, entendeu? Numa dessas vezes, ele me chamou para mostrar uma novidade no Pomar. O pomar ia a partir daí desse quintal, até encostar lá. Quando foram fazer essas duas casas, derrubaram. No meu entender, em vez de derrubar, deixava a casa como ficou, a casa que foi do imperador, permaneceria inteira, tal como ele deixou. O mais que poderia se admitir, no meu entender, era plantá-lo aqui no quintal dele, deixar o túmulo dele aqui, tudo aí do jeito que ele deixou. E esse terreno aí, era um terreno, livre, desocupado, comprava e fazia o Museu de José Américo, lá. O museu não, toda essa burocracia ficaria lá e o museu ficava íntegro.
Então, quando a gente vai para o quintal.
(Pausa, emocionou-se, e prossegue)
Gonzaga Rodrigues na FCJA Acervo da autora
— E comeu?
— Comeu não. Então era isso.
A perda do filho e Guerra de 30
José Américo FCJA
Foi um momento muito difícil. Mas houve muitos outros momentos críticos, que ele passou. Ele brigou, brigou, ele foi ao campo, na Guerra de 30. Ele foi lá, não pegou em fuzil, mas foi lá, esteve perto, de cima.
'Escada é bom para velho'
1⁰ andar - aconchego, poesia e inspiração
1⁰ andar - aconchego, poesia e inspiração
Após a entrevista geral sobre José Américo, fomos revisitar o primeiro andar, onde ficam o gabinete e o dormitório do casal. Aí Gonzaga fez revelações e ensinamentos, oriundos do então anfitrião.
Gonzaga Rodrigues na Fundação Casa de José Américo FCJA
Outro fato ou curiosidade, revelado pelo entrevistado: José Américo demonstrava independência e não queria que ninguém segurasse no seu braço. Informou que no seu gabinete, ele mantinha uma cama hospitalar, para dar-lhe mais conforto.
Recanto de inspiração
E no tour, com o cronista Gonzaga, chegamos à sacada da varanda do 1⁰ andar, onde ficam o gabinete e o dormitório do casal. Uma vista panorâmica extraordinária que alcança o ponto mais oriental das Américas.
Gonzaga Rodrigues / Fundação Casa de José Américo FCJA
Após isso, voltamos ao térreo. Entrevista concluída, entrevistado ainda emocionado, mas feliz com o tour no tempo. E a entrevistadora? Simplesmente gratificada, pela feliz oportunidade de conhecer mais sobre um de seus ídolos.
Acervo da autora
* Gonzaga Rodrigues e Carlos Romero: amigos *
▪️ Carlos Romero, que nomeia este destacado espaço, foi um grande companheiro de jornada sua. Como era essa relação?
Ah, ele era meu conterrâneo, meu amigo. A mãe dele era amiga de minha mãe. Ele era de minha terra, filho de dona Piinha. Mamãe dizia que ela era a mulher mais bonita de Alagoa Nova. Então minha amizade começou dali. Nós éramos conterrâneos. Quando eu
Carlos Romero
Nota:
Certa vez, numa das visitas, Carlos Romero dispensou de levá-lo até o portão, porque José Américo já estava bem avançado na idade, porém o anfitrião fez questão de acompanhar o amigo, assim mesmo. Segundo narrava, Carlos ainda insistiu, no meio do caminho: "Ministro, não precisa ir até o portão". José Américo aproximou-se e, quase cochichando, disse: "Eu não venho pra todo mundo não".
Certa vez, numa das visitas, Carlos Romero dispensou de levá-lo até o portão, porque José Américo já estava bem avançado na idade, porém o anfitrião fez questão de acompanhar o amigo, assim mesmo. Segundo narrava, Carlos ainda insistiu, no meio do caminho: "Ministro, não precisa ir até o portão". José Américo aproximou-se e, quase cochichando, disse: "Eu não venho pra todo mundo não".
Estou feliz, emocionada e gratificada, por nesta matéria reunir, in memorian, pessoas queridas, além da vida. Neste sentido, considerando a imortalidade da alma, eu e Gonzaga saudamos José Américo, Lourdinha Luna e Carlos Romero. Gratidão Gonzaga, pela ampliação de informações em torno do nosso patrono, nesta brilhante entrevista.