Ontem, ela resolveu arrumar um dos seus armários. Bem aquele que fica no outro quarto, o da procrastinação, o que ela olhava e falava: depois arrumo.
Mas dessa vez foi diferente. Pegou firme e mergulhou nas pilhas de lençóis, fronhas, toalhas. Mesmo sendo prática, reconheceu que ali havia excesso e que, por mais afeto cada uma das peças trouxesse, não havia necessidade daquilo tudo.
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Depois, veio a parte mais delicada, mais sensível: as caixas. Nelas estavam guardadas uma vida inteira. Fotos antigas, roupinhas dos filhos, ingressos de shows, bilhetes, cartas da madrinha querida, cartões amarelados pelo tempo.
Abriu cada caixa com cuidado, como se abrisse janelas para outros tempos. As sensações invadiram aquele momento e a aqueceram como se estivesse recebendo uma visita querida.
É possível viver muitos anos em minutos. Um cartão trouxe a lembrança das flores que o acompanharam. Poucas palavras escritas, mas um enorme amor impregnado em cada uma delas. Para ela, as lembranças não eram doloridas, ao contrário, a refloresciam. Eram provas de uma vida bem vivida.
As fotos de uma viagem à Bahia a remeteram a um tempo de descobertas. A estrada cortava intensa floresta e ela observava cada tronco, cada folha, o vento e o cheiro da mata que entrava pela janela aberta.
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Agora, pensava que também queria isso, redes seguras para atravessar os dias com calma, com entrega, com olhos atentos ao mistério que a vida, certamente, ainda teria a lhe oferecer.
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Concluiu que só quer chegar a espaços onde se sirva café com bolo, onde o afeto seja a maior riqueza, onde o toque de mão ou um olhar sincero valham mais do que qualquer tesouro.
Afinal, para integrar-se ao mundo, só precisa abrandar sua natureza impulsiva e agitada, aprender a cruzar florestas em silêncio, observar mais, falar menos, e ser sábia nas escolhas.
No fim do dia, tudo voltou para o armário. Lençóis dobrados, fronhas reunidas, caixas cuidadosamente fechadas. O coração, que percorreu memórias e devaneios durante o arranjo, agora repousa sereno.
Definitivamente, um armário arrumado é um gesto de cuidado e carinho com a própria alma.