Lê-se “A cerimônia do adeus”, de Simone de Beauvoir, com um olho no texto e outro na realidade. É certo que, não sendo ficção, mas um relato dos últimos dez anos de Sartre, a narrativa é realidade. Mas o leitor, que de uma forma ou de outra acompanhou a aventura intelectual do par famoso, não escapa ao impulso de bisbilhotar. Uma bisbilhotice superior e desculpável, cujo objetivo é surpreender contradições que revelem, por exemplo, a burla.
Simone e Sartre Willy Rizzo
A narrativa é bela, tensa. Simone de Beauvoir foi muito criticada por expor a decadência física do filósofo do existencialismo – achaques, incontinência urinária, obnubilações –, dessa forma atingindo-lhe a imagem. Wilson Martins viu no livro uma “vingança psicanalítica” – designação que não deixa de ser paradoxal, pois o sentido que o crítico procura reforçar é o de uma vingança voluntária e, como tal, consciente.
Ora, penso que a autora foi motivada sobretudo pela paixão da verdade. Ela não procurou diminuir nem esconder a sua dor, deixando patente um débito que não foi apenas afetivo. Perpassam a narrativa os sinais de uma profunda admiração intelectual, efeito de influências certamente decisivas.
Simone de Beauvoir Nova Fronteira
Benny Lévy @aregledujeu.org
“Fiquei consternada; não se tratava em absoluto do pensamento plural que Sartre mencionava em ‘Obliques’. Victor (o outro nome de Benny Lévy) não exprimiu diretamente nenhuma de suas opiniões: fazia com que Sartre as endossasse...”.
E resume, adiante:
“(Os amigos) ficaram, como eu, aterrados com o conteúdo das declarações extorquidas a Sartre.”
Simone e Sartre Alice Schwarzer
Devo dizer que sofri além do razoável com a náusea de Roquentin. Não adiantou dizerem que ela era produto de uma cultura decadente, nada tendo a ver com as necessidades e os valores de um país do Terceiro Mundo. Azar meu. Tive as naturais “quebradas de cabeça” de quem se metia a ler indiscriminadamente, ler o que aparecesse num Brasil (olhem aí o Terceiro Mundo!) que se descuidava – e ainda se descuida, e como! – da formação intelectual sistemática dos seus jovens.
Mas o tempo passou, estou escrevendo isto. Me salvei. E, por sobre ficções e equívocos, não posso deixar de enaltecer sinceridade de Simone – seu amor, mais até do que a Sartre, à verdade.























