Era a minha estreia no Rio de Janeiro, levado no meio de uma delegação de militantes da secção local da União Brasileira de Escritor...

Era no tempo de JK x Lacerda...

Era a minha estreia no Rio de Janeiro, levado no meio de uma delegação de militantes da secção local da União Brasileira de Escritores, uma das muitas entidades culturais dos anos 1950 que funcionavam a pretexto de justificar o patrocínio dessas iniciativas. Íamos participar de um festival de escritores, creio que o primeiro no Brasil, e me incluíram nessa delegação beneficiada pelos estímulos à cultura no governo Pedro Gondim.

Rua do Ouvidor (RJ) Arq. Nacional
Não deixa de ter sido estímulo, uma forte emoção no meu caso. Descer no Rio de Janeiro que a música popular brasileira tornara de todos nós. Tão longe de Alagoa Nova e tão dentro de nós pelas vozes de Marlene, de Dircinha, de Dalva de Oliveira em sua Ave-Maria no morro . De fazer ajoelhar. Vozes portadoras de um Rio mais buliçoso, já sem o charme machadiano das ruas do Ouvidor e Gonçalves Dias transferido por Dick Farney ou Lúcio Alves para Copacabana, a princesinha do mar .

E eis-nos na Praça Paris, tão feinha! onde ficava a pensão. Como era o nome da rua? Não tenho mais a quem perguntar. Além de Cartaxo, éramos Wilton Veloso, Waldemar Duarte, Wills e Carlos Romero. E na mesma noite nos vimos cara a cara, em carne e osso, com as entidades míticas que encimavam as capas do Jubiabá, do São Bernardo, da Evocação do Recife, da última página de O Cruzeiro corporizada em Rachel de Queiroz ou do rodapé do Jornal do Brasil de Alceu Amoroso Lima. Muita gente doida, frenesi, a empacar minha timidez na procura ansiosa dos mitos do meu convívio delirante com seus livros.

Heloísa Ramos SMC(SP)
Eu estava diretamente interessado, de modo contrito, em Graciliano Ramos, que já não se chateava mais entre os vivos, mas intensamente vivo aparecia ali, representado por D. Heloísa, a esposa. Já era muito para a minha admiração fervorosa. A Heloísa que eu antevira nas Memórias do Cárcere, na partida de trem do marido para a prisão no Recife, nas peregrinações pela Colônia Penal a se confortar naqueles poucos e atormentados minutos de convívio vigiado.

De repente todo o shopping-center acorre barulhento e volumoso a um dos acessos do festival. Nesse tempo, o substantivo pão deixava de ser o da padaria para se tornar o “gatão”, uma interjeição de sexo e volúpia.

E vi rolar sobre mim um bando de amazonas, nuas dentro do vestido, aos gritos de “pão”, ele é um “pão”, o que já haviam feito, minutos antes, com a chegada de Cauby Peixoto. Dessa vez o pão era Lacerda, que entrava trazido pela onda de cabeças femininas. Minutos depois via-se o mesmo com Juscelino.

Carlos Lacerda Arq. Nacional
Olhei Lacerda de perto, naqueles olhos duros e severos, e, por mais que me intrigassem as suas ideias, deslumbrou-me a onda solta em que navegava. A fera com as suas fagulhas de tribuno cedia o lugar, de repente, ao narrador de Xanam e outras histórias, lançado àquela hora, e que o escritor, o memorialista de A Casa do meu avô viria confirmar.

Anos depois, muito depois, estou no primeiro gole de café, não no Rio, mas em Campina Grande, quando descubro, vizinho a mim no mesmo balcão, a figura única de Lacerda. Sem gritaria nem multidão, tomando o São Braz que eu tomava num balcão que sempre me pareceu universal.

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