Li um Poema, acabo de ler um Poema. Quantos poemas já li desde o longínquo: “Oh! Que saudades que tenho Da aurora da minha vida...

O reino encantado de Serafim

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Li um Poema, acabo de ler um Poema.

Quantos poemas já li desde o longínquo:

“Oh! Que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais!“

Só que os anos e séculos sempre os trazem de volta. E tornarão a voltar, seja no poeta menino que trina pelas cordas do sabiá no exílio além-mar ou do homem fiel ao menino e ao trinado agudo a ressoar do gume e penhascos da sua Aroeiras.

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Casimiro de Abreu CC0 (adap)
Quantas vezes alcei voo de pássaro de quem sai de si, desta prisão que as duras leis da vida impõem, nas asas do único voo feliz que não consegue terminar.

Criança interna, todas as manhãs eu acordava e levantava às seis, saía tangido em fila para o banheiro coletivo, o frio serrano juntando-se ao gelo da água. Tudo por severa obrigação. Obrigado à missa em jejum, a só falar no refeitório após o deo gratias, a quatro horas de leitura e do dever de casa - oito tantos de disciplina para quatro de recreio – de repente só um sabiá de livro me salvava.

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GD'Art
Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá. Sempre o sabiá de livro a nos dar asas e poderes sobre as nuvens do céu e os limites da terra e do tempo.

Quantas vezes senti dúvida se não existia uma vida além da que me obrigava a ficar entre paredes, sem estrada à vista, o olhar pregado na sisudez do inspetor ou limitado aos muros do internato.

No salão de estudos, minha carteira ficava colada a um janelão aberto para o nascente, o sol benzendo-me com seu clarão e seu calor, sem que eu desse por ele. Sol é o que mais tínhamos e temos, crestando a roça e faiscando no seixo dos caminhos. Mas aquele sopro raiado de luz forte e carregado pela apanha dos ventos e dos cheiros para as páginas da antologia aberta nos versos de Casimiro e Álvares de Azevedo levaram-me com eles. E vim esbarrar aqui, muito pouco para os que sonham alto, mas nas nuvens para o menino matuto dos meus grotões.

Não senti surpresa diferente, agora aos noventa anos, ao dar com Serafim, reino encantado, que o janelão do Gmail veio deixar no quarto três por quatro que é meu universo de hoje.

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Trata-se de um poema de dez estrofes, de onze a quinze versos cada, cuja leitura vai sumindo como tal à medida que a poesia feliz por ser a vida mesma vai imergindo em você. Por mais que o autor tenha levado a vida a exaltar a palavra, a consagrá-la em todas as situações e diferentes circunstâncias, mais a palavra ingressa no abstrato ou atinge a transcendência que se realiza, como esperava Augusto. E com as palavras mais simples como as que Rubem Braga apontou em Camões.

E parecendo tão vulgar: “Nasci numa tarde de chuva/ o Cariri era uma escuridão só.” Mas vá dentro, leitor e leitora amigos, e veja como sai!

Não sei se estou maltratando um autor da mais fecunda vocação poética e apurada consciência crítica como o mestre Hildeberto Barbosa Filho. Mas não tenho dúvida que Manuel Bandeira, sob os signos de hoje, não me faria sentir maior e mais pura emoção.

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