Com o título traduzido como "Uma bela vida", em cartaz nos cinemas, o filme Le dernier souffle aborda, com leveza, a finitude, o medo do fim, os cuidados paliativos, e aponta para o importante aumento da população idosa na França.
A história — baseada no livro Le dernier souffle (O último suspiro, em tradução literal), de Régis Debray e Claude Grange — é recheada de citações literárias, de Balzac e François Mauriac a Foucault, Prévert, Freud e Platão.
Então pesquisei algumas frases sobre a morte de alguns escritores nomeados por Costa-Gavras:
Mauriac é um autor cujo tema da morte é muito presente em sua obra. Ele sugere que talvez a morte não seja um fim, mas uma transformação, uma passagem para outra forma de vida. Para Balzac, a finitude está ligada à perda da alegria de viver, da paixão pela vida. Em A arqueologia do saber Foucault mostra que o homem não é atemporal, e diz que o homem (enquanto conceito) é entendido como uma construção histórica. Surge como uma figura como uma figura produzida por saberes específicos de certos períodos, e serve-se do conceito de Nietzsche sobre a morte de Deus para dizer que o homem é produzido para substituir esse Deus que não funciona mais.
O livro (no qual se baseia o filme) é um diálogo entre o escritor Régis Debray e o médico Claude Grange. Publicada em 2023, pela Gallimard, a obra explora os ensaios de um médico especialista em cuidados paliativos e as reflexões filosóficas de Régis Debray em torno do fim da vida.
O filme começa por um exame de rotina de um escritor que descobre uma pequena mancha no pulmão. Alguns médicos aconselham a biópsia, outros indicam apenas o acompanhamento com exames periódicos para observar se houve mudanças na mancha. Com essa preocupação o escritor começa a refletir sobre o fim da vida e decide compartilhar o cotidiano de um médico
Denis Podalydès (Fabrice), em Uma bela vida (2024).
Para abordar o tema discursivo, Costa-Gavras adaptou o livro colocando em cena o cotidiano de um Serviço de cuidados paliativos, no qual médicos, enfermos e familiares acompanham o fim da vida do paciente. Ao observar as situações clínicas, as ocorrências médicas do estado final do paciente e o comportamento dos familiares, o escritor passa a compreender melhor e obtém matéria para seu livro, ao mesmo tempo que se vê sob a pressão do seu próprio caso: o medo da evolução da mancha no seu pulmão. “Se pergunte sempre, e tente responder você mesmo”, aconselha o médico.
Hiam Abbass (Sra. Broquet), Denis Podalydès (Fabrice) e Kad Merad (Dr. Masset), em Uma bela vida (2024).
Costa-Gavras, em 1970, aos 37 anos.
Todos conhecemos a cinematografia de Costa-Gavras: Z; A confissão; Estado de sítio; Um homem, uma mulher; uma noite; Hanna K; O quarto poder etc., sempre mostrando os conflitos sociais e humanos, os dois lados dos conflitos, a dignidade, a grandeza do que é humano...
Neste filme, ele mostra a reflexão, a ética e o respeito diante da escolha individual de quem decide partir quando a ciência já não consegue responder pela cura. Aprende-se sobre o que é moralmente necessário para nortear decisões em momentos tão decisivos da vida.
Li, na imprensa francesa, que, com esse filme, Costa-Gavras, “no crepúsculo da vida (ele está com 92 anos), assina uma vibrante celebração da vida”.
No filme há uma tentativa de desdramatizar a morte. Em um convite à resiliência, e com a dignidade da personagem representada por Charlotte Rampling, ele nos convida a nos reconciliar com nossa própria finitude.
Costa-Gavras, em 2025, aos 92 anos.
O cineasta exprime um verdadeiro louvor a favor da ajuda para morrer, quando a ciência já não consegue curar. Em entrevista, Costa-Gavras comenta que ainda trabalha, mas, quando isso não for mais possível, ele perderá o gosto pela vida, e então se pergunta por que receber ajuda para permanecer e não a ajuda para partir como acontece na Bélgica e na Suíça? afirma isso ao criticar a França, que ainda não oferece a possibilidade legal da morte assistida. Diz que, em grego antigo, a palavra eutanásia significa boa morte.
Raros são os filmes que conseguem abordar o tema da morte com tanto brilho. Penso na obra-prima de Ingmar Bergman: O sétimo selo. Um cavaleiro que retorna das Cruzadas e se vê diante da peste negra reflete sobre o significado da vida. Pensa em ganhar tempo e propõe à morte um jogo de xadrez. A morte concorda, pois sabe que sairá vencedora.
Bengt Ekerot (A morte) e Max von Sydow (Antonius Block) em O sétimo selo (1957), de Ingmar Bergman.
Régis Debray é um filósofo e escritor francês com uma longa lista de obras publicadas. Nos anos 1960, foi para Cuba, engajou-se na política e seguiu Che Guevara na Bolívia.