Hiperativos, imperativos. Comecei a semana dizendo “não” para poder dizer “sim” a um outro “eu”, que não se manifesta e que está cansado de ser demandado – e sufocado – pela vontade alheia. Cancelei compromissos que me impus para atender o outro, retirei cursos da lista, me desinscrevi de canais de Youtube, risquei livros da lista, doei alguns, suspendi a assinatura de algumas plataformas de “streaming”, organizei computador, pastas digitais, documentos, tudo isso na tentativa de organizar minha mente.
Mia Couto Fronteiras do Pensamento
A “hora cindida” é disputada pelos inúmeros estímulos daquilo que o ser humano criou na tentativa de preencher seus vazios e suprir as necessidades inventadas para nos esquecermos do essencial. Está cada vez mais desafiador manter o equilíbrio em meio à sociedade neoliberal. Por isso, é preciso almejar uma vida que funcione de fato — não no sentido restrito de cumprir funções, pois estas são passageiras, mas no de encontrar significado e propósito.
Pedro di SantiCelyn Kang
O verbo “contemplar”, para além de “admirar”, tem a acepção de “levar em conta, considerar”. Se não assumimos uma postura contemplativa diante da vida, então estamos descredibilizando nossas experiências e tornando-as apenas um tempo vazado – e apressado – de tal maneira que essa dessensibilização tem feito muita gente ansiar pelo fim de tudo...
O fluxo incessante de conectividade nos impossibilita o aprendizado oriundo da espera e do vazio. Como resultado, não se aprende a ter paciência, a lidar com o tédio e com a frustração. Quando não desenvolvemos essa competência, tornamo-nos reativos, agressivos e passamos a acreditar que a vida existe para nos servir e pouco servimos para a vida. Contudo, como diz a frase atribuída a Mahatma Gandhi: “Quem não vive para servir, não serve para viver”. Antes de sermos na coletividade, é preciso refletir sobre o que significa ser indivíduo.
Donald Winnicott @casadosaber.com.br
Na contramão disso, vemos crescer a concorrência consigo mesmo: o sujeito não apenas disputa espaços com os outros, mas também com sua própria versão idealizada. O “eu” de ontem já não basta para o hoje; é preciso superar-se sempre, manter-se produtivo, visível, conectado. Essa corrida constante gera esgotamento psíquico e físico — o chamado Burnout. A mente, ao não encontrar pausas nem espaços de refazimento, adoece.
Se a vida tem se tornado insustentável, talvez seja hora de nos perguntarmos: o que estamos sustentando? E, mais importante, o que ainda vale a pena sustentar? Talvez o silêncio, a pausa, a presença. Talvez menos metas e mais sentido.