Melanie Klein (1882–1960) foi uma psicanalista austríaca pioneira na análise infantil, revolucionando a área ao introduzir o brincar como método de investigação do inconsciente. Fundadora da teoria das relações objetais, destacou a importância da fantasia precoce, da ansiedade e dos mecanismos de
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defesa nas posições esquizoparanoide e depressiva. Ela defendeu que sentimentos como a inveja são inerentes à vida psíquica desde o início, influenciando o desenvolvimento saudável das emoções e da mente, dependendo de como são simbolizados e trabalhados internamente. A reparação surge como uma resposta intrapsíquica à frustração causada pelos impulsos destrutivos e se manifesta quando o indivíduo reconhece a ambivalência dentro de si: amor e ódio coexistindo em relação ao mesmo objeto.
Para Klein, a inveja é uma experiência emocional primária e inata. Ela a define como o sentimento de raiva que surge porque outra pessoa possui ou usufrui de algo desejável — em especial aquilo que se percebe como fonte de sobrevivência. Em seus escritos sobre *Inveja e Gratidão*, publicado em 1957, no volume terceiro, Klein afirma que “inveja significa o desejo destrutivo de tirar ou estragar o bom que o outro possui”. Esse impulso é inerente à condição humana e interfere na capacidade de integrar aspectos bons e maus da experiência em uma coexistência harmoniosa.
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Tal fragmentação psíquica contribui para a ansiedade persecutória, a defensividade e a dificuldade em confiar no mundo externo, isto é, um estado de medo e desconfiança intensos, no qual a pessoa sente que está sendo constantemente ameaçada ou atacada, acreditando que outros têm a intenção de prejudicá-la, mesmo sem evidências concretas. Pode surgir em condições como transtorno de personalidade paranoide, esquizofrenia ou síndrome do pânico, sendo uma percepção do mundo como hostil e inseguro. Essa percepção pode estar associada a fatores genéticos e ambientais, persistindo ao longo da vida quando não simbolizada adequadamente — o que pode levar à hostilidade crônica, a dificuldades relacionais e à incapacidade de reconhecer o bem nos outros sem sentir ameaça à própria integridade.
Esse conflito não é uma patologia em si, podendo tornar-se um início de maturação psíquica, ou seja, a passagem da fragmentação persecutória para uma condição mais integrada, na qual o sujeito reconhece tanto a bondade quanto os impulsos agressivos dentro de si. Por meio dele, Klein formula o conceito de posição depressiva: nela, o ego tenta restaurar, cuidar
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e preservar o objeto amado (interno e externo) que sente ter danificado com suas fantasias agressivas.
Tal mecanismo depressivo não é uma patologia, mas um marco de maturação psíquica, no qual se dá a passagem para uma condição emocional mais integrada, potencializando o sujeito a reconhecer tanto a bondade quanto os impulsos agressivos existentes em si. Impulsionado pela autocompaixão, gera-se criatividade e busca pelo desenvolvimento emocional saudável, sublimando a própria ansiedade e o desejo de construir relacionamentos mais maduros. Enquanto a reparação lida com a culpa e o amor, a reparação maníaca busca consertar o objeto sem enfrentar a dor, negando o dano causado. Assim, o processo está relacionado à capacidade de tolerar o sofrimento e compreender a ambivalência nas relações.
Na origem da reparação, Klein defende a posição depressiva como uma organização psíquica caracterizada pela capacidade de reconhecer o objeto amado como simultaneamente bom e frustrante. Por exemplo: o objeto amado não é um aliado perfeito nem uma fonte unilateral de satisfação; os sentimentos de amor e raiva
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coexistem em relação ao mesmo objeto; e a própria agressividade interna pode ameaçar o objeto amado. Esse reconhecimento desperta sentimentos de culpa, como uma consciência emocional de que as fantasias destrutivas internas podem ter danificado o objeto. A reparação surge, então, como resposta a essa culpa. Klein afirma: “A reparação tem sua origem na angústia depressiva — no medo de ter danificado o objeto amado — e implica um desejo de restaurar, conservar e curar o objeto ameaçado pela agressividade interna” (*The Psycho-Analysis of Children*, 1932).
Diferentemente da inveja — que nega, perfura e destrói —, a reparação procura curar, restaurar e manter intacto o objeto bom. É um movimento psíquico essencial para a construção de relações estáveis e para o desenvolvimento da empatia e da responsabilidade afetiva. Klein utiliza um exemplo clássico para ilustrar esse fenômeno ao mencionar que uma criança, ao morder o seio da mãe ou demonstrar comportamentos agressivos, pode, em seguida, sentir remorso e procurar acariciar, aproximar-se ou oferecer presentes simbólicos. Isso é a reparação em ação — um esforço interior de consertar o dano imaginado ou real. Esse processo contribui para integrar aspectos separados da experiência emocional, reduzindo a fragmentação da personalidade.
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Para Klein, a inveja e a gratidão são afetos opostos. Se a inveja representa o desejo destrutivo de privar o outro do que é bom, a gratidão é a expressão de reconhecimento pelo bem recebido. Enquanto a inveja quer destruir o bom, a gratidão quer preservá-lo e compartilhá-lo. “A gratidão é o sentimento que (…) reconhece o bem que foi dado, aceita-o e, como consequência, desenvolve um vínculo mais seguro com o objeto” (Klein, *Inveja e Gratidão*, 1957). A gratidão é um movimento psicológico que favorece a integração, a confiança e o amadurecimento emocional, pois reconhece a bondade do objeto sem sentir que ela ameaça a própria integridade.
A superação da inveja não significa sua eliminação total, devido à sua natureza inata no ser humano, mas a sua transformação por meio da simbolização e da reparação. Quando a inveja é reconhecida, nomeada e elaborada, perde sua natureza
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persecutória e torna-se manejável. A capacidade de reparar indica que o indivíduo consegue reconhecer e tolerar sentimentos ambivalentes, pode assumir responsabilidade por seus impulsos agressivos internos, desenvolve empatia e consideração pelo bem-estar dos outros e integra aspectos opostos da experiência emocional. Essas habilidades são vitais à saúde mental, pois permitem que a pessoa se relacione com os outros de forma menos defensiva e mais colaborativa.
A teoria kleiniana sobre inveja, reparação e gratidão evidencia a inveja como um impulso destrutivo primário que pode ameaçar a relação com o objeto amado; a reparação como o movimento psíquico que busca restaurar e manter a integridade desse objeto, possibilitando um desenvolvimento emocional suportável e harmonioso; e a gratidão como antídoto contra a inveja primária, fortalecendo a capacidade de amar, a confiança interna e a relação com o objeto bom.