Agrupamentos de artistas têm lugar na História da Arte em seus vários momentos. Porém, desde o início do século XX, essas associações se particularizaram em relação à estrutura dos ateliês, baseados anteriormente no modelo próprio das guildas medievais onde a presença
Guilda medieval: na oficina, ferreiros trabalham em torno da bigorna, moldando o metal incandescente enquanto o fole alimenta a fornalha. A imagem destaca o caráter coletivo do ofício na Idade Média.
do mestre se impunha hierarquicamente em relação aos seus discípulos. Os coletivos contemporâneos são caracterizados por um poder de comunhão e decisão repartidas equitativamente.
A ideia de proposições semelhantes e até mesmo de espaços comuns não exclui a individualidade de expressão dos seus membros. Os integrantes de uma prática coletiva se agrupam para possibilitar ações, projetos e visibilidade, procurando a troca, a memória e o compartilhamento de criações. O coletivo, dessa forma, se fortalece, resiste. É o estar junto que opera essa forma de resistência às imposições sociais e políticas do sistema das artes, que pode ser definido como “instância de produção, circulação, reflexão, apreciação, ensino e consumo da arte” (PAIM, Cláudia, 2009, p. 81).
No Nordeste brasileiro, a proposta associativa de artistas ganha contornos marcantes de resistência em um ambiente social no qual é comum a ausência de incentivos materiais e a marginalização ao sistema de arte nacional
Cena do documentário Aruanda (1960), de Linduarte Noronha. Mulheres do sertão paraibano trabalham na confecção de potes de barro, destinados à venda na feira local. O filme evidencia o papel desse trabalho artesanal feminino na economia de subsistência e na organização da vida comunitária.
funciona como uma prolongação das relações coloniais de poder. Associadas a essa forma de exclusão colonialista alinham-se também outras batalhas, no que diz respeito ao coletivo em questão, entre as quais a luta pela igualdade de gênero, por um reconhecimento enquanto corpo feminino capaz, mas que teve que se adequar às regras sociais androcêntricas que estabeleceram a sua existência com qualidades e aptidões diferenciadas. Essa realidade, ainda presente em vários espaços sociais, é enraizada na região e se naturaliza ainda no aqui e agora consagrando “a ordem estabelecida, trazendo-a a existência conhecida e reconhecida, oficial» (BOURDIEU, 2007.p.17). É a partir da ideia de resistência a essa “consagração” que o coletivo “Mulheres da Arte Naïf na Paraíba” (CMANA-PB), se formou e atua na contemporaneidade artística paraibana.
Um olhar sobre a História
Em 1881, uma associação de mulheres artistas intitulada L’Union des femmes peintres et sculpteurs foi fundada na França pela escultora Hélène Bertaux. Ela agrupava mulheres francesas e estrangeiras, experientes ou debutantes, nobres ou plebeias, com o objetivo de defender os direitos das mulheres artistas, principalmente no sentido de que elas pudessem receber uma formação de qualidade. Longeva, a organização só desapareceu em 1995, tendo contribuído significativamente para o reconhecimento das artistas mulheres pelas instituições. Essa associação foi marcante para novos modos de resistência e resistência em sociedades fortemente androcêntricas.
União das mulheres pintoras e escultoras (L’Union des femmes peintres et sculpteurs), durante exposição no Grand Palais, Paris. ▪ Ilustração do jornal L'Art et da mode, 27.02.1904, ▪ Fonte: Gallica.
Com o tempo, os agrupamentos femininos conquistaram cada vez mais espaços. Dos institucionais eles passaram a ocupar as ruas, encorajando outras artistas a se expressarem através de uma mobilização feita a partir da união e da resistência que estabelece marcos e investe na conquista. No Brasil, o aparecimento de agrupamentos femininos se faz cada vez mais presentes, provocando fissuras e abrindo brechas no modelo opressor e catalisando em sua volta um ativismo presente e produtivo. O Nordeste do Brasil não foge à regra, embora nunca se torne demais lembrar que, na sua pirâmide social, estruturada a partir da sociedade colonial brasileira, as mulheres eram e ainda são cidadãs de segunda categoria.
Integrantes do Partido Republicano Feminino (fundado por Leolinda Daltro) marcham pelas ruas do Rio de Janeiro, entre 1910 e 1920, reivindicando o direito ao voto e à participação política. A passeata simboliza a entrada organizada das mulheres no espaço público e antecipa as conquistas que culminariam no sufrágio feminino, reconhecido no Brasil apenas em 1932. ▪ Fonte: Wikimedia
Mulheres, brancas ou pretas, eram, (e ainda são) tratadas como corpos/marionetes. Um corpo sobre o qual “as relações de poder tinham alcance imediato sobre ele; elas o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-nos a cerimônias, exigem-lhes sinais”. (FOUCAULT, 1989, p.31). Essa realidade não está tão distante assim no aqui e agora.
Estratégias de subversão podem provocar reflexões sobre esse determinismo e buscar romper com ele. A arte é uma delas, um veículo político e subversor. Nas palavras de Jacques Rancière:
Registro do 1º Salão Feminino de Belas Artes, realizado no Rio de Janeiro, em 1931. A fotografia reúne artistas expositoras em um momento histórico de afirmação da presença feminina no campo das artes plásticas, então marcado por forte exclusão institucional. ▪ Fonte: O Cruzeiro, 13.06.1931
“a ação artística identifica-se com a produção de subversões pontuais e simbólicas do sistema” (RANCIERE, 2010, p. 108). A arte e suas subversões contribuem, portanto, para a construção de novas formas de sentir e compartilhar esse corpo em construção.
A realidade no Nordeste para a formação artística feminina foi marcada pela exclusão e pelo amadorismo. Inicialmente, era um caminho percorrido por poucas mulheres. Ele significava buscar por uma formação a ser feita preferencialmente no Sudeste do país ou na Europa, o que era uma situação rara para a realidade nordestina a qual pouquíssimas mulheres tiveram acesso. No início do século XX, ainda prevalecia o consenso de que a arte para as mulheres era apenas um passatempo, uma prenda a mais para as moças de famílias abastadas, consolidando uma formação voltada principalmente para o casamento.
O jornal Imprensa Popular, do Rio de Janeiro, registra a realização do Ateliê Coletivo, em Pernambuco (1955). A reportagem revela um campo artístico predominantemente masculino: todos os artistas citados são homens, evidenciando a exclusão das mulheres do reconhecimento crítico e da cobertura cultural. ▪ Fonte: BN
Mesmo no Ateliê Coletivo fundado por Abelardo da Hora em Recife na década de 50, a presença de mulheres era pouca, embora fundamental. Entre estas, algumas foram obrigadas a abandonar o espaço coletivo por imposição paterna, como é o caso de Nelbe Rios, que assim se manifestou em depoimento:
Depois da experiência do Ateliê Coletivo que me foi frustrada por imposição paterna, pois eu tinha também que conviver com rapazes, nunca mais participei de outro grupo de arte. Ficou o desenho esporádico quando havia necessidade de um desabafo.
RIOS, 2012 p.84
A realidade regional, portanto, foi feita de exclusão, amadorismo e esquecimento. Iniciativas posteriores voltadas para a participação e promoção das mulheres no espaço artístico nordestino geraram relações sociais menos hierárquicas e se transformam em uma rede de apoio e valorização de gênero. É nessa proposta que se enquadra o coletivo “Mulheres da Arte Naïf PB”.
Arte primitiva / olhares “civilizados”
O que entendemos sobre arte primitiva/naïf? Nenhum outro termo em Antropologia ou História da Arte suscita tantas reticências por parte daqueles que hesitam em lhe dar legitimidade. Um historiador de arte conhecido e respeitado como Janson (1962. P.35),
Jogo de dominó (2008), óleo sobre tela do artista cubano José Rodríguez Fuster. ▪ Fonte: Wikimedia
por exemplo, não abandona em seus escritos um sentido de evolucionismo da arte e define o termo “arte primitiva” como “uma etiqueta prática para designar um modo de vida que atravessou a revolução neolítica, mas não manifesta nenhum. Signo de evolução em relação às civilizações históricas”.
Provocar um reexame crítico de conceitos como esse, que se baseiam em uma visão evolucionista da arte e que têm como referência a cultura europeia, faz parte de uma reavaliação necessária daqueles que ainda são correntes em nossa sociedade. São olhares e percepções tão familiares que foram naturalizados como simples senso comum, tornando-se parte do nosso pensamento e imaginário ocidental ou ocidentalizado. Isso se aplica também aos conceitos de supremacia de gênero, por exemplo, ou às hierarquias de valor atribuídas a diferentes formas de expressão artísticas ao longo do espaço e do tempo.
A Procissão (1937), do artista croata Mirko Virius (1889–1943). ▪ Galeria de Arte Naïf de Hlebine, departamento independente do Museu Municipal de Koprivnica, Cróacia.
No que diz respeito ao “primitivo”, ao “naïf”, Bourdieu (1979, p.3) nos lembra de que “o olho é um produto da história reproduzido pela educação”. O que pode ser considerado como arte é, portanto, determinado pela história sob o ponto de vista do conquistador e se naturaliza a partir da educação do olhar.
Arte “civilizada” e “primitiva” ocupam espaços definidos e é necessário lembrar que desde o século XX, a noção de arte "primitiva" vem sendo usada como uma espécie de guarda-chuva que engloba manifestações diversas como produções dos povos originários, polos não hegemônicos ou artefatos produzidos por cidadãos ocidentais sem instrução artística. Dessa forma, a arte bruta, a arte naïf ou popular, a arte das margens ou
Criança com uma boneca na paisagem (S.XIX), arte naïf de Henri Rousseau. ▪ Southampton City Art Gallery, Inglaterra.
a arte indígena, embora sejam diferentes entre si, foram ou são rotuladas como primitivas, satisfazendo assim uma estética dominante. Essa estética é associada ao “connnaisseur” que, segundo Price (2012, p.27) passa a imagem de alguém refinado, culto, bem-educado e que, sobretudo, tem suas opiniões sobre arte e bom gosto acatadas pelos espaços do poder institucional que repassam esses julgamentos ao senso comum.
Particularizando a arte naïf, ela se destaca principalmente por suas pinturas coloridas e espontâneas, marcadas pela ausência de conhecimentos acadêmicos tais como regras de composição e perspectiva. No entanto, essas características não impediram o reconhecimento oficial dessa forma de expressão e Henri "Douanier" Rousseau (1844-1910), considerado o primeiro pintor reconhecido como naïf de que se tem notícia, marcou a História da Arte. Esse alfandegário francês foi descoberto no final do século XIX, durante o Salão dos Independentes, e acabou aclamado e reconhecido.
Henri Rousseau (1844–1910), pintor francês autodidata, conhecido por cenas imaginárias de selvas e paisagens oníricas. Seu estilo direto e não acadêmico, inicialmente desprezado, tornou-se referência decisiva para as vanguardas do início do século XX. Ao lado, duas de suas mais famosas pinturas em arte naïf: A cigana adormecida (1897) e O sonho (1910)
No início dos anos 1970, os artistas naïf eram conhecidos no Brasil ainda como “primitivos”, em virtude de não terem formação artística e de serem de origem social humilde. No contexto do livro O mundo da arte popular brasileira: Museu Casa do Pontal, de Angela Mascelani (2002), discute-se a diversidade de temas abordados por artistas populares, desde a realidade até a fantasia, o cotidiano árduo, mistérios da vida e do amor,
humor e violência, sonhos e celebrações, além de esperança e fé. Mascelani (2002) enfatiza que esses artistas desempenham o papel de representantes do povo, expressando um conjunto de valores que caracteriza uma autêntica forma de (re) existir e criar. A influência de figuras como o folclorista Sílvio Romero e outros pesquisadores é destacada pela autora, evidenciando o interesse na poética popular como um meio de fortalecer as raízes autênticas que constituíram a identidade nacional. A transição do termo "arte popular" para "arte naïf" está alinhada com essas mudanças epistemológicas e reconhecimento crescente, marcando uma mudança no entendimento e valorização dessas expressões artísticas distintas.
Sobre o coletivo Mulheres da Arte Naïf PB (CMANA-PB)
Segundo a própria definição do grupo:
O coletivo MULHERES DA ARTE NAÏF PB” (CMANA-PB), foi criado por um grupo de mulheres artistas veteranas e estreantes, nascidas ou residentes
na Paraíba há mais de 20 anos. Tem como principal objetivo o de “lutar pela igualdade de gênero nas Artes Visuais, em especial na expressão Naïf, no cenário estadual, nacional e internacional de forma organizada e dinâmica visando o protagonismo feminino”.
COLETIVO MULHERES DA ARTE NAÏF PB. Informativo do coletivo, 2022
Mediante projetos e ações desenvolvidos ao longo a história do coletivo, as artistas que dele fazem parte visam a afirmação e consolidação da linguagem naïf bem como contribuir para que as mulheres do Estado e da região que por ela optaram sejam reconhecidas, valorizadas e visibilizadas como mulheres e como artistas lutando por uma política de igualdade de gênero. Ele é composto por nove artistas paraibanas que se diferenciam entre si em conceitos desenvolvidos através da mesma linguagem. Em comum a linguagem e a resistência.
Painel Africanidades, obra coletiva assinada por Lu Maia, Ana Lima, Analice Uchôa, Célia Gondim, Letícia Lucena, Laucilene Rocha, Márcia Margarida, Manu da Pazz, Patrícia Lucena, Walesca Silveira e Val Margarida. As pinturas celebram memórias, identidades e saberes afro-brasileiros, com forte presença do feminino, da ancestralidade e da vida comunitária. ▪ Fonte: Coletivo MAN-PB / Div., via A União.
O coletivo reúne Ana Lima que trabalha com gravura, desenho, pintura e fotografia; Analice Uchôa que se utiliza da pintura, desenho e escultura; Célia Gondim que pinta, desenha, esculpe e grava; Letícia Lucena que se expressa através da pintura e do desenho; Laucilene Rocha que também pinta e desenha; Lu Maia, pintora, desenhista, fotógrafa e atuando por vezes como porta voz do grupo; Manu da Pazz, que se ocupa da pintura e do desenho; Patrícia Lucena também pintora e desenhista e Val Margarida, que se insere com o mesmo vocabulário. A maioria das artistas é de
Painel de pinturas com motivos juninos do Coletivo Mulheres da Arte Naïf da Paraíba. ▪ Fonte: Instagram
João Pessoa com duas representantes de outras cidades paraibanas. A saber: Laucilene Rocha, de São Bento, e Val Margarida, de Campina Grande.
O coletivo teve início em 08 de julho de 2022. Nesse pouco tempo de existência, entretanto, ele já participou da Exposição Universo Naïf que teve lugar no Centro Cultural Ariano Suassuna do Tribunal de Contas de João Pessoa em abril-maio de 2023; do Festival Internacional de Arte Naïf, PB, FIAN realizado na cidade de Guarabira na Paraíba em 2023; da “Exposição Sororidade” realizada no Celeiro Espaço Criativo nos meses de abril e maio de 2023; da mostra realizada na Feira de Arte Capim Fashion, na Ville des Plantes, João Pessoa em maio de 2022 e também expuseram no Centro Cultural São Francisco no ano da fundação do agrupamento de artistas.
A artista Analice Uchôa (1948), natural de Campina Grande (residente em João Pessoa desde 1998), mostra seu trabalho em espaços regionais, nacionais e internacionais. Atua também como ilustradora de livros infantis. Graduada em psicologia essa antiga militante do naïf investe em paisagens, festas populares ou conjuntos arquiteturais. A sua paisagem urbana envolve personagens que povoam o dia a dia de uma cidade idealizada. Bidimensional e colorida ela foge das cronologias e abriga momentos urbanos presentes na memória.
Analice Uchôa, artista naïf, com seus quadros Brincadeiras de criança (2024) e Casarões de minha cidade (2009). ▪ Fonte: @analice_uchoa
Outra participante do coletivo é Ana Lima. Natural de Lagoa, na Paraíba, mas residente na capital do Estado desde 1987. Sua formação envolve a tecnologia de edificações e a participação em cursos de artes ministrados por artistas locais. Premiada, Ana participou de várias exposições coletivas com sua poética que remete a visões líricas de espaços e existências que resistem ao tempo e suas transformações.
Célia Gondim é pernambucana, mas optou por residir em João Pessoa. Autodidata, dedica-se à pintura acrílica sobre tela e outras técnicas artísticas. Veterana em exposições e premiações ela participa de coletivas desde 2014, consolidando assim sua carreira Individual. Célia é atuante na organização e gestão de associações de artistas plásticos em João Pessoa e agente importante nas ações do coletivo. Seus trabalhos priorizam os detalhes minuciosos, coloridos e delicados. Sua poética é centralizada em cenas familiares e urbanas constituídas de momentos especiais. Tudo acontece como se um mundo doce e colorido posasse para o olhar da artista que o registra em detalhes.
Célia Gondim, artista naïf, com suas pinturas Barraca das Delícias e Mãe e Filha (2020). ▪ Fonte: @celiagondim_
Laucilene Rocha, uma potiguar natural de Jardim do Seridó, radicada na Paraíba, é outro membro do coletivo. Vive hoje no interior do Estado na cidade de São Bento. A artista sempre gostou de pintar, desde a infância e hoje, dona de casa e mãe, Laucilene é uma artista de formação autodidata e trabalha com técnicas de pintura em acrílico sobre tela, madeira e parede. Bastante reconhecida e festejada na cidade que a acolheu e onde fez várias exposições ela destaca-se também por sua atuação na organização de eventos culturais.
A artista Laucilene Rocha e seu trabalho naïf: Rito de Esperança (2025), Arraiá do balançar na rede (2022) e Pavão misterioso (2023). ▪ Fonte: @vlaucilene_rocha
Letícia Lucena, paraibana de João Pessoa, é filha do também artista naïf José Lucena, bastante conhecido no meio artístico paraibano e já falecido. Iniciou-se na arte naïf aos 15 anos de idade e a partir de 1982 ela expõe de forma coletiva e individual. Artesã, ela dedica-se à técnica do crochê. Sua temática volta-se principalmente para as festas populares nordestinas onde a cor se faz presente, forte e pura, na bidimensionalidade de suas telas.
A arte naïf de Letícia Lucena: Comerciante (1986), Casal de ceremistas (2022) e Pesca em Cabedelo (2025). ▪ Fonte: @leticialucenaart
Lu Maia nasceu em Tarauacá, no Acre, em 1966, e é filha de um seringueiro e de uma costureira. Desde a infância, em meio aos relatos sobre o seringal, estava presente a fascinação pelas artes visuais. À medida que crescia, passou a desenhar as histórias que escutava. Lu formou-se em Biblioteconomia, mas é autodidata em suas duas expressões artísticas: pintura e fotografia. Radicada em João Pessoa desde 1992 começou recentemente, em 2019, a participar ativamente da cena artística com exposições locais, nacionais e internacionais como a já tradicional mostra do Museu Internacional de Magog-Canadá (FIAN/MUSEU).
Manu da Pazz é natural de João Pessoa-PB onde nasceu em 2005. É um dos mais jovens membros do coletivo “Mulheres da Arte Naïf PB (CMANA-PB)”. Atualmente estuda no CEEEA Sesquicentenário, onde cursa o 1º ano do ensino médio. Desde criança, manifestou interesse pela expressão plástica. Durante a pandemia aumentou a pesquisa e a produção de trabalhos sobre a paisagem urbana do bairro onde reside. Recentemente, recebeu Menção Honrosa na Mostra Atual Paraibana de Arte Naïf do SESC João Pessoa/Guarabira/PB.
Manu Pazz e dois de seus trabalhos marcantes, catalogados no Vivemos Arte. ▪ Fonte:
Patrícia Lucena nasceu em Campina Grande, Paraíba em 1965. Aos oito anos de idade mudou-se para João Pessoa. O início de sua trajetória como artista se deu em 2007. Patrícia retrata em seus trabalhos a vida cotidiana. Seus traços peculiares abordam a natureza, sua visão da sociedade e da religiosidade. (Imagem 8)
Val Margarida nasceu em Bezerros – Pernambuco, em 1970. Mora em Campina Grande/PB desde 1975 e é professora da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB e artista plástica. Começou a pintar em 2001, mas só em 2017 disponibilizou as suas obras ao público. Participou de diversos eventos nacionais e internacionais e é idealizadora e organizadora, juntamente com outros artistas, da Mostra Internacional Naïf de Arte Erótica.
Val Margarida com algumas das telas exibidas na Mostra Internacional Naïf de Arte Erótica. ▪ Fonte: @val.margarida
Descentrar o olhar e futuros possíveis para a Arte Naïf
Os coletivos de arte são espaços alternativos de criação e exposição artística e o coletivo “Mulheres da Arte Naïf PB (CMANA-PB)” demarca sua importância política e ativista através da arte naif. O coletivo é também um espaço
Poster do 3º Festival Internacional de Arte Naïf (FIAN), realizado na cidade de Guarabira, Paraíba, em 2023.
de resistência, de apoio mútuo e enfrentamentos. Por meio dele e da ocupação dos espaços de arte pelas artistas é possível questionar o papel do sistema da arte e das instituições no reconhecimento e valorização das vozes coletivas, das mulheres enquanto artistas/criadoras e da arte naïf enquanto produção artística.
Diante das questões colocadas no decorrer do texto e na tentativa de fortalecer a cena artística e a ocupação dos espaços, é urgente repensar as terminologias atribuídas à arte naïf, associada ao "primitivo", "regional” ou "local". Marcadores que reforçam estereótipos de distância geográfica e temporal, além de perpetuar desigualdades sociais. É o que nos confirma em entrevista a artista Celia Gondim (2023), membro do coletivo:
Temos o propósito de lutar pela igualdade de gênero nas artes visuais especificamente através da estética naïf. Nossas bases são a sororidade, o companheirismo, e o respeito mútuo para que resulte, de forma organizada e dinâmica o protagonismo feminino. (Gondim. Entrevista aos autores. Março de 2003).
Estação das flores (detalhe), de Célia Gondim. ▪ Fonte: Instagram
A construção de um debate contemporâneo sobre a arte “primitiva” descentrada se torna ainda mais relevante. Torna-se fundamental refletir sobre como esses conceitos estão sendo tensionados, reconfigurados e subvertidos. Neste caso, pelas mulheres artistas naïf associadas que impactam diretamente a História da Arte, as curadorias e os processos museológicos.
Percorrer as trajetórias dessas mulheres artistas organizadas em um Coletivo pode auxiliar na construção de uma abordagem inovadora e complexa das produções artísticas Naïf, desvinculando-as de estigmas e estereótipos e reconhecendo a
Sororidade, acrílico sobre tela (16x22cm), de Lu Maia. ▪ Fonte: @lumaia
diversidade de agentes, saberes e territórios envolvidos.
Ao investigar a arte naïf como forma de expressão que transcende a racionalidade acadêmica, somos convidados a refletir sobre a importância da valorização das expressões e agentes artísticos – no caso as mulheres – marginalizadas no decorrer da História da Arte. Essas artistas naïf, representam um elo entre passado e presente, entre o universo dito ‘primitivo’ e o contemporâneo, desafiando noções convencionais sobre a arte e abrindo espaço para uma compreensão mais ampla da diversidade cultural e das múltiplas formas de construção de conhecimento para uma História da Arte descentrada.
O Coletivo “Mulheres da Arte Naïf PB” (CMANA-PB) e as poéticas dessas artistas são formas de resistência cultural, uma possibilidade de reinvenção estética a partir da potência da imagem com capacidade de transformar o mundo e gerar novos saberes. A arte, enquanto veículo político e subversivo, fundamenta a proposta de resistência dessas mulheres com trajetórias singulares, unidas pela arte Naïf. Através de suas obras e da inserção nos espaços de arte, o coletivo desafia normas estabelecidas, reconfigura imagens, pensamentos e promove uma desobediência estética e epistêmica, (re) criando futuros possíveis para a arte Naïf e praticando um ativismo de gênero.