Jean-Paul Sartre, no livro As Palavras, de teor autobiográfico, recorda que começou sua vida no meio dos livros e esperava terminar seus dias da mesma forma. O avô era encadernador, e o menino sentia orgulho de ser neto de um artesão especializado na confecção de “objetos sagrados”. Sim, para Sartre, o livro era um objeto sagrado e exigia muito respeito.
Antes de aprender a ler, deitava-se no chão, pegava os livros e começava a cerimônia de apropriação: cheirava-os, apalpava-os, mas não tinha a sensação de possuí-los; não conseguia decifrar o que estava escrito. Recorreu à mãe, e as histórias contadas por sua genitora ganhavam vida; parecia que o livro falava.
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Quando aprendeu a ler, ficou louco de alegria e começou a vagabundear pela biblioteca do avô, a assaltar a sabedoria humana. Foi deitado sobre o tapete, com um livro nas mãos, que descobriu Fontenelle,
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A biblioteca passou a ser um templo, e Sartre se considerava neto de um sacerdote. O avô era um humanista, mas tinha pouca estima pelos romances. Alguns anos mais tarde, viu o avô deleitar-se com um extrato de Madame Bovary, selecionado por Mironneau para as Lectures, talvez esquecido de que Flaubert completo esperava-o havia vinte anos.
Adolescente, ouviu quando alguém disse: “Este garoto tem sede de instrução; ele devora o Larousse”. Sozinho, descobriu que o dicionário continha resumos de peças e romances, e isso o deleitava. Prosseguia com observações sobre suas leituras; porém, teve um grande dissabor quando foi matriculado no Liceu Montaigne. O avô disse ao diretor que o único defeito que o neto tinha era ser adiantado demais para a idade. Foi matriculado no terceiro ano primário.
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Eu também tive meus dissabores no colégio. Ao transferir-me do Colégio Santa Terezinha (Caicó – RN) para o Colégio das Damas, em Campina Grande, fui me matricular na companhia de meu pai. Tinha oito anos e já sabia ler, o que foi confirmado por meu genitor. Falei para a diretora que ia fazer o segundo ano primário; ela resolveu aplicar um pequeno teste oral comigo e escolheu a tabuada de somar e a de multiplicar. Logo a aritmética, como chamávamos na época; eu era fraquíssima quando se tratava de números.
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Meu pai era exímio nas contas e ficou um pouco decepcionado com o resultado do exame oral da filha. Repeti o primeiro ano primário, decorei a tabuada de somar e a de multiplicar, continuei sendo uma boa leitora pela vida afora.
Hoje me considero, como Sartre, uma pessoa apaixonada por livros. Acredito no futuro dos livros: sobreviverão mesmo diante das modernidades, e comungo com o pensamento de Umberto Eco — o livro poderá sofrer modificações, mas nunca chegará ao fim; poderá ser destruído por mentes insensatas, mas, como a fênix, renascerá das cinzas.
Conservo em meu apartamento duas pequenas bibliotecas, a do meu marido e a minha. Olho para as estantes cheias de livros e sinto que eles dialogam comigo, pedem-me para ser lidos. Lamento não atender a seus apelos; há muitos livros à espera da leitora. O tempo é curto para tantas leituras…


































