Político gosta de sorrir. Pelo menos, publicamente. Gosta de parecer simpático. Acredita que isso lhe rende votos. O eleitor, pensa ele ou ela, não gosta de cara feia, ou seja, séria. O eleitor gosta de ser enganado, em outras palavras. Por sorrisos falsos e, pior ainda, por falsas palavras. Assim tem sido no Brasil e no mundo, principalmente a partir da segunda metade do século passado, após o advento da televisão e dos marqueteiros profissionais.
Eisenhower, que não era político e sim militar, deve ter ganho a eleição presidencial nos EUA de fins dos anos 1950 sem um sorriso sequer. Era sério por natureza e formação, e não mudou seu jeito de ser para agradar aos eleitores. Estes, gratos ao vencedor da
Aqui no Brasil, os políticos da chamada República Velha eram todos sérios. Alguns, mais que isso: sisudos. Com direito a barba e bigode. Getúlio era mais sorridente. Não por premeditação eleitoreira, já que de 1930 a 1945 não precisou disputar eleição nenhuma, até porque eleição não houve. Sua maneira natural era cordial, cativante, mesmo sendo um ditador assumido após 1937. A eleição, pelo voto popular, em 1950, mostrou aos descrentes que ele conquistara de fato o coração das massas. E para isso deve talvez ter contribuído em alguma medida sua congênita simpatia. O povo quis a volta do “velhinho” sorridente. E o acompanhou, depois do suicídio, no maior enterro brasileiro de que se tem notícia até hoje. Entretanto, era cioso de sua privacidade, não concedia intimidades. Os ministros e os auxiliares diretos tratavam-no com cerimônia, pois havia uma distância a separá-los, um muro invisível, atrás do qual preservava-se solitariamente, até o fim, uma esfinge nunca decifrada.
Getúlio Vargas ▪ 1882—1954
E o nosso José Américo? Fiel ao seu tempo e a si mesmo, ele foi indiscutivelmente um político sério. Em todos os sentidos. Já vi muita foto sua, mas não lembro de nenhum sorriso fácil em seu rosto. Está sempre circunspecto, como se presenciasse acontecimentos graves. Essa explícita austeridade fazia parte de sua natureza. Austero na política e na vida privada. Homem que não concedia intimidades. Reservado, autopreservado, até em casa, com os mais próximos. Mas sem ser hostil, desagradável no convívio, áspero.
Agora mesmo tenho em mãos o precioso livro de Aspásia Camargo, Eduardo Raposo e Sérgio Flaksman, O Nordeste e a Política – Diálogo com José Américo de Almeida, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1984.
José Américo de Almeida ▪ 1887—1980
José Américo na cerimônia de sua posse na Academia Brasileira de Letras, em 1966.
Num de seus discursos, por ocasião de seu ingresso numa confraria literária, afirmou não ser “ave de bando”, confessando assim sua solitária individualidade. Daí ter chegado tardiamente àquele colegiado, quando outros, mais jeitosos, mais sociáveis e não raro menos merecedores o tinham precedido na agremiação. Essa assumida solidão tinha tudo a ver com a sua personalidade. Não era homem de buscar as convivências fáceis, aquelas mais superficiais que profundas, ditadas por interesses e vaidades mundanas. As frivolidades não o atraíam; daí não cultivar sorrisos gratuitos e enganosos, requisitos essenciais da chamada “vida social”.
Provavelmente, era orgulhoso, no sentido de que lhe bastava seu próprio aplauso. Essa, talvez, a razão de ter abandonado a política após a derrota em sua derradeira disputa. Deve ter pensado em silêncio algo parecido com “os que não me querem, não me merecem”,
Os grandes homens não podem ser reduzidos a rótulos estreitos, a carimbos sumários, como os “de direita” e “de esquerda”. Eles trafegam para além das margens do rio.bela frase com que Clemente Rosas comentou um dia um injusto revés. Seu voluntário recolhimento no casarão do Cabo Branco foi sua resposta altiva à volubilidade popular. A partir dali, não iria mais a ninguém; quem quisesse que viesse até ele. E a romaria foi grande e contínua: desde presidentes a anônimos do povo, passando pelos adversários de antes, todos unidos na reverência àquele que se convertera em reserva moral da nação. Quando nada mais pleiteou, de tudo se fez merecedor, confirmando a sentença bíblica de que “os últimos serão os primeiros”.
A outra grande liderança política paraibana de seu tempo foi Rui Carneiro, aquele que, em plena ditadura militar, afirmou que “forte é o povo”. E esse povo foi sempre sensível à sua natural bonomia, o que prova que a
Rui Carneiro ▪ 1906—1977
Mas volto a José Américo para concluir. Já escrevi e repito: quem quiser constatar a austeridade do patriarca do Cabo Branco, é só visitar sua casa-museu, subir ao seu quarto de dormir e contemplar suas camisas penduradas no armário. Camisas simples de mangas longas, guardadoras de seu recato, que nunca (ou quase) mostrou o braço nu. Até mesmo nas caminhadas à beira-mar. Tudo aquilo, em sua simplicidade autêntica, é um retrato fiel do homem. O nosso admirável e perene “homem de Areia”. Que não precisou sorrir para conquistar seu tempo e a posteridade.
Não quer isto dizer que foi um santo, que não teve defeitos. Os perrepistas ainda estão aí apregoando suas falhas reais e fictícias. Quem quiser santificar-se, que vá para os mosteiros, nunca para a arena quase sempre suja da política. Nesta, mesmo quando exercida por estadistas, não raro as razões de Estado se impõem às razões da moral comum. É o que Max Weber chamou de “ética da responsabilidade”, em contraposição à “ética da convicção”. Daí serem geralmente complexas as decisões políticas mais graves, exigindo uma análise que vá além do simples maniqueísmo, e para que se distingua, com argumentos, o verdadeiro “homem de Estado” do canalha e do assassino.
José Américo, no jardim do casarão na praia do Cabo Branco.































