O livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, contém passagens semelhantes às que encontramos em Êxodo. Como o povo do Egito partiu pelo deserto em busca de vida nova, no Sertão do Nordeste assolado pela seca, em estio prolongado, uma família estonteada pela fome busca terra onde possa encontrar água e pão, conta o narrador de Graciliano.
A partir de leituras, ele aproveitou nossos problemas sociais para fazer memória relacioná-los a um acontecimento bíblico de relevante sentido. Conhecemos pouco de Graciliano, diante da grandiosidade de sua obra. Montamos seu perfil com base em depoimentos e escritos produzidos desde quando despontou como um dos maiores escritores nacionais.
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Com prosa refinada, o poeta alagoano retratou o amigo com revelações surpreendentes. Disse que Graciliano era homem caturra, independentemente de suas atitudes, e que emitia gestos surpreendentes e pouco agradáveis.
Murilo Mendes
Fundação Rui Barbosa
Fundação Rui Barbosa
O poeta observou que, certa vez, o romancista de Alagoas participou de solenidade de investidura de Dom Martinho Michler na função de abade do Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro, uma cerimônia demorada, com duração de, pelo menos, três horas. Em pé, ele acompanhou o ofício por meio do texto litúrgico próprio para a ocasião. Depois, como manda a tradição hospitaleira dos beneditinos, os convidados foram recepcionados com almoço no amplo refeitório, entre eles Graciliano.
Conforme depoimento de Murilo, dias depois em conversa descontraída, quando falavam sobre a solenidade dos monges beneditinos, ainda tocado pelo ritual litúrgico ao qual tinha assistido dias antes, respondeu ser, no fundo, espiritualista, “tendo aderido ao marxismo por julgá-lo a única doutrina capaz de colocar na sua justa dimensão o trabalhador brasileiro”. Sem confessar abertamente, talvez ele admirasse Jesus pelas posições deste em defesa da vida.
Graciliano Ramos Biblioteca São Paulo
A fome tem forte identificação entre Vidas Secas e Êxodo. No desespero silencioso, Fabiano arrasta a família em busca de alimento, que dificilmente encontra, ao contrário de José que abriu os armazéns com cereais para alimentar o povo de Jacó. Em épocas diferentes, cada família experimentou sua tragédia: no Egito, sabiam que encontrariam alimento; no Sertão, essa era uma remota perspectiva. Nas duas situações, porém, o povo nunca perdeu a esperança.
Viviane Fonseca
O autor de São Bernardo penetrou na alma do povo. Compreendendo a proximidade dos espaços da eternidade, se tornou espiritualista. Acredito que esse olhar para o Transcendental começou cedo, ainda quando morava no interior de Alagoas.
Ele buscava entender a alma humana, assim como fizeram Dostoievski, Freud, Kafka, Pirandello e tantos outros que sondavam os desdobramentos da vida em suas diferentes situações.
Graciliano Ramos, com ressalvas, falava desse estranho relacionamento com a religião, mesmo que tivesse amigos padres. Seu primeiro livro, Caetés, teria sido redigido no silêncio da sacristia em Viçosa.
Em Caetés e no romance São Bernardo, é clara a presença da religião nas falas de seus personagens.
Viçosa (AL) Julio Vasconcelos























