Clique nessa foto (abaixo) com “A Vista de Naarden” de Jacob van Ruisdael, pra ampliá-la. Eu a vi pela primeira vez quando, já bem perto do museu do Prado, Madri, 1994, atraiu-me, no Thyssen-Borniemisza, o título da mostra “El Siglo de Oro del Paisaje Holandés”. Rembrandt, Frans Hals e Vermeer viveram cercados de geniais criadores de naturezas-mortas, marinhas e paisagistas.
A Vista de Naarden (Museu Thyssen-Bornemisza) Jacob Isaacksz van Ruisdael (1647)
E estes, em particular, sempre me fascinaram porque, como o nome diz, os Países Baixos não têm cadeias de montanhas tipo Alpes e Pirineus, nem – consequentemente - grandes lagos. Em que esses artistas supremos se pegaram? Nas nuvens! Veja as que preenchem 60% desta tela... e seus estupendos efeitos na planície, com belíssimos contrastes de chiaroscuro, grandes spots de luz em áreas comuns que se tornam deslumbrantes com os enormes clarões. Tamanho do quadro? 35 X 67 CENTÍMETROS!
Paisagem com ruínas (National Gallery, Londres) Jacob van Ruisdael (c.1665-1675)
A Espanha é rica em obras enormes, que sideram turistas de todas as partes do mundo. “O Enterro do Conde de Orgaz” e o “Espólio”, ambos de El Greco, em Toledo, são de nos deixar sem fala. Como o “Las Meninas” de Velásquez, no Prado. Mas tudo tem seu tempo certo , como diz o Eclesiastes. Defina-se “perfeição”.
O Enterro do Conde de Orgaz (det)El Greco (1586)
É o resultado da capacidade, do artista, de se sair genialmente bem do problema estético que lhe foi proposto ou que ele mesmo se impôs. Há o momento de se ouvir a majestosa “Tocata e Fuga em Ré”, de Bach, para gigantescos órgãos, como há os instantes mágicos das pequenas peças para piano, de Satie, como suas Gymnopédies e Gnossiennes.
Ante o outdoor com vários emes da logomarca do Mcdonald's fazendo Mmmmm, só pude dizer “Putz!” Mas a interjeição foi a mesma quando vi a marca de uma revista que jamais foi publicada – Mother & Child -, em que o & está inserido no “o” de Mother – feito um feto. Quando perguntaram a Borges por que não se dedicara ao romance, mas aos contos, disse que “uno puede verlo como un todo”. Trabalhava com isso.
Logomarca da revista Mother & Child / Marketing da Mcdonald's
Sérgio de Castro Pinto pertence à classe dos joalheiros. Sua profissão de fé é a mesma de Bilac, pois também “No verso de ouro engasta a rima,/ como um rubim”. Decidiu-se a ocupar menos espaço do que Ruisdael, menos tempo do que Satie, para compor pequenas maravilhas como quando diz sobre a girafa que ela “é top model / é audrey hepburn”. Nesse mister, pinça associações ainda mais precisas, em que vê as cigarras como “guitarras trágicas” que “gargarejam/ vidros/ moídos.” E o que posso dizer quando leio:
“dou duas voltas
na chave
e trancafio
a paisagem
lá fora”?
Sérgio de Castro Pinto
“Astúcia verbal”, Fábio Lucas vê no nosso poeta. Sérgio aprendeu isso no tempo da ditadura. Lembro-me de que, ao me encomendar o texto teatral “O Vermelho e o Branco”, em 68, Ariosvaldo Coqueijo me pediu – por causa da censura - que fosse o mais enxuto possível. A que apegar-se, no caso, a que nuvens? Ao subentendido, às meias verdades, à… poesia.
Fábio Lucas Gladyston Rodrigues
Sérgio fez coisas semelhantes tão bem, que alguns de seus poemas hoje são tão citados na Paraíba quanto os de Augusto dos Anjos:
“O medo
se aloja na medula
como um cubo
de gelo.”
"A carta branca do montilla
não era de alforria
o papagaio era calado
o cuba-libre nos prendia.”
Pode, um poeta de tal país, dormir em paz?
"Nas fronhas da infância
ensaquei meus sonhos
hoje, ensaco pesadelos”
“Nenhuma ovelha
pula a cerca
de minha insônia."
Astúcia e concisão.
Como se vê, os poemas dele são, realmente, como disse Cascudo, “claros, ágeis, nítidos,... suficientes.” Porque ele, como Ruisdael, tem a chave do tamanho.
Texto de SOBRE 50 LIVROS (BRASILEIROS/CONTEMPORÂNEOS) QUE EU GOSTARIA DE TER ASSINADO (Ideia, 2012) ▪️ Disponível na Amazon