Parafraseando Cecília Meireles, houve um tempo em que a minha janela se abria para a atividade como pastor à frente de uma modesta igre...

Alguém nos observa?

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Parafraseando Cecília Meireles, houve um tempo em que a minha janela se abria para a atividade como pastor à frente de uma modesta igreja reformada. Como na vida de Vincent Van Gogh, a experiência pastoral ficou para trás, com a diferença de que depois Van Gogh virou Van Gogh e eu continuo a ser apenas eu.

Tenho, porém, algumas recordações felizes daquela época.

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Uma delas é a seguinte: certo dia saí para pegar algo no carro, estacionado em frente à residência das minhas tias, e percebi um homem em situação de rua, cambaleando, sujo e faminto.

Aproximei-me e perguntei se ele precisava de ajuda. Uma pergunta retórica, porque era evidente.

Eu o ajudei a sentar num ponto sombreado da calçada, e entrei para pegar comida, suco e depois me posicionei ao seu lado por algum tempo, apenas para lhe fazer alguma companhia, e tentar incrementar uma "ajuda" que, em minha avaliação, era totalmente insignificante, inútil ou inócua.

Eu pensei que todos estavam almoçando e que ninguém iria perceber a minha ausência momentânea, mas meu filho, então com 10 anos, me seguiu em silêncio para verificar o que eu estava fazendo e acabou por testemunhar tudo.

Fui surpreendido, então, com a seguinte cena: ele chamou a família toda até a calçada e, apontando para mim, disse, em voz alta:

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- Olha um Pastor de verdade! Meu pai é um Pastor de verdade!

Eu me emocionei na época e me emociono ainda hoje, pois nunca me tomei como um exemplo para ninguém, mas, neste dia, meu filho se orgulhou de mim, num evento que me marcou e que me valeu a visita a esse mundo.

Somos constantemente observados em nossos gestos, por mais discretos que sejam. A vida é um espelho sensível que reflete, de maneira constante, os nossos menores movimentos.

Mesmo sem querer ou pretender, somos sempre uma referência. Cada um de nossos pensamentos, palavras e atos se irradia como um raio de luz ou como uma sombra que se projeta no mundo ao nosso redor.

Testemunhas, visíveis e invisíveis, acompanham os nossos passos com interesse e atenção.

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Há sempre quem tome nota de nossas atitudes, do nosso tom de voz, do nosso olhar e do nosso comportamento nas pequenas e grandes circunstâncias do dia a dia.

Ninguém se furta de influenciar a vida ao seu redor.

Mesmo quando julgamos estar sozinhos, há corações monitorando a nossa conduta. Há quem recolha, num mero sorriso nosso, a esperança de viver. Há aqueles que encontram, num inesperado gesto de honradez, renúncia ou paciência, o estímulo necessário para serem melhores.

Se a Eternidade nos contempla, nada é feito em vão. Nada se perde no campo da vida. Um copo d’água dado com amor, uma palavra que consola, um gesto que acolhe; tudo é semente lançada na alma do outro e, ao mesmo tempo, registro gravado em nossa própria trajetória.

Se a "nuvem de testemunhas", mencionada por Paulo em Hebreus 12:1, nos rodeia sempre, tudo o que fazemos para ajudar ou para prejudicar é registrado. A cada instante, estamos contribuindo na edificação ou no desmoronamento de valores que não pertencem apenas a nós, mas à coletividade humana que almeja um futuro melhor.

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Mesmo que alguém não seja um líder religioso, um orador, um escritor ou uma figura pública, a história de cada um ainda é uma mensagem viva na grande epopéia da existência.

Há olhos anônimos voltados para cada um de nós.

Por isso, devemos vigiar a nossa vida interior e o modo como ela se expressa fora de nós. Alimentar bons pensamentos, cultivar a gentileza, ser fiel ao bem nas mínimas ações, são tijolos na construção de um mundo melhor.

Todos podemos ser instrumentos da luz ou da sombra, dependendo apenas de nossa própria escolha.

Devemos estar conscientes de que nossa vida, por mais modesta que pareça, será incentivo para alguém, ou tropeço, se não vigiarmos.

Quando compreendemos que o nosso caminho pode ser um farol para outros corações, entenderemos também que a responsabilidade de existir não é um fardo, mas uma oportunidade. É a vida confiando em nós para que, no palco da existência, representemos, com humildade, o papel que nos cabe.

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Para além de todos os olhares, há o Olhar Amoroso de Deus, que tudo Vê, tudo Testemunha e sempre Espera o melhor de nós.

Em outra ocasião, o mesmo filho primogênito, me perguntou o que eu era, afinal. Eu já fiz tantas coisas na vida que talvez ele quisesse saber o que eu era mesmo: empresário, escritor, pastor, professor, consultor...

Intrigado, eu perguntei por que ele queria saber aquilo, e a sua resposta me comoveu:

- É porque, quando eu crescer, eu quero ser o que o senhor é, papai!

Não sei se ele continua com a mesma intenção. Pessoalmente, eu espero que ele se torne o que ele deve ser: ele mesmo, o que, por si só, já o projeta muito além de mim e de minhas possibilidades. Eu o amo e ele é uma das maiores alegrias da minha caminhada, mas o simples fato dele ter me visto de um modo inspirador em algumas ocasiões, já aqueceu o meu coração para sempre...

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