Noites atrás, tive um sonho. Naquele devaneio noturno, nosso mundo estava virado ao avesso. Não eram mais nós, que comandávamos o...

Minha inofensiva hipocrisia

gatos felinos vegetarianismo
Noites atrás, tive um sonho. Naquele devaneio noturno, nosso mundo estava virado ao avesso. Não eram mais nós, que comandávamos o planeta, nem uma civilização alienígena dando as cartas por aqui. Quem é admirador da sétima arte haveria de pensar que seriam os macacos. Nada disso, quem estava mandando no pedaço eram os felinos.

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O presidente era leão e a primeira dama, a leoa, é óbvio. O regime de governo era parlamentarista, o primeiro ministro escolhido foi o tigre. Nos ministérios estavam um leopardo, um chita, um guepardo, um lince, a pantera e acreditem, a nossa onça. Para evitar gastos nas contas públicas os ministros eram só esses. Leão e tigre eram muito responsáveis com o erário público e não permitiam gastanças acima do que arrecadavam.

Nesse mundo onde quem mandava eram os felinos, entre eles havia uma harmonia de fazer inveja. A jaguatirica vivia em paz com gato-maracajá. Teve até uma suçuarana que viveu maritalmente com um leopardo-das-neves. Nada de disputas acirradas em torno do ego de um ou de outro, tanto que o quepardo e chita não ficavam disputando para ver quem era o mais veloz só para se exibirem diante da mansidão de nossa onça pintada. Pensem numa paz! Pelo menos entre eles, tanto que o nosso gato doméstico aí que ficou preguiçoso mesmo, porque não estava na dieta dos grandões. Entenderam? Felino não comia felino, pelo menos no viés gastronômico. Aliás, o impala, a zebra, a girafa, a corça, todos os mais frágeis haviam saído do cardápio.

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Podem então, estar pensando que essas feras, os gatos (de todos os tamanhos) teriam se tornado vegetarianos, até o que é pior e mais radical, veganos?. Nada disso, continuavam carnívoros, só que a dieta básica era carne humana. Mantinham grandes criações de homo sapiens. Éramos criados no regime intensivo e era muito raro um de nós viver solto, a pasto, como diziam nossos tutores.

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Manejo ocorria em apartamentinhos minúsculos, tipo “minha casa, minha vida” e o entorno dessas gaiolas era cercado por alambrados intransponíveis. Ração balanceada para chegarmos na idade certa para o abate que era aos 18 anos.

Uma preferência no cardápio dos felinos era o “garoto a passarinho”. O pobrezinho era abatido antes dos 7 anos, e a receita sugeria cozimento para a carne ficar mais tenra e depois ir à frigideira e ser frito a alho e óleo. Lambuzavam os beiços com essa iguaria, segundo a onça parda,
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preciosidade digna dos mais apurados paladares.

Alguns humanos iam sendo rejeitados à época do abate; por esse descuido alguns chegavam até a envelhecer. Eram chamados de “pelancudos”. A carne era tida com imprestável porque demorava para cozinhar, então eram triturados e servidos aos porcos.

Os que engordavam muito eram guardados para o 4 de outubro, que é o dia de São Francisco de Assis, que passara ser nosso protetor, e não mais dos bichos. Dos rechonchudos, separavam a banha e depois eram assados no rolete nessas festanças. Fatiados e servidos com uma bebida que muito apreciavam, xixi de menino com suor de javali.

O maior drama mesmo era quando estávamos chegando ao ponto de abate. Que tristeza tomava conta do rebanho. Nunca vou me esquecer, que na véspera de um dia de São Francisco foram buscar um gorducho, muito meu amigo. É um escritor lá de Campina Grande, no pesadelo era meu amigo de cela. Como se debateu quando o pegaram. Gritava pela vida diante daquela faca pontuda que trouxeram para espetar e sangrar o pobre. A primeira cutelada não o venceu. Precisaram de outra, mais outra e por fim a última. Entre uma espetada e outra os gemidos lancinantes ao perceber que a vida estava se esvaindo.

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Acordei com os últimos ais de meu parceiro que ia virar torresmo e pernil assado. Ou talvez fosse direto ao rolete. Fiquei a refletir...Como somos maus, e a comparação me fez concluir como os bichos sofrem em nossas mãos.

Contei o sonho a um amigo em mesa de bar. Relatei minha indignação entre uma cerveja e outra pela agonia dos bichos quando vão ao abate. Foi quando veio a pergunta:


Fingi que não ouvi.

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