Dizem que no início dos tempos não havia distância entre as palavras e as coisas. Cada objeto ou ser era o que significava e, reciprocamente, significava o que era. A palavra “fogo” queimava, a palavra “medo” tremia, e um vocábulo como “dor” parecia gemer.
Falar disso é entrar no reino da animização, mas não podemos fugir da metáfora quando nos referimos às origens do homem e da linguagem. A própria ideia de que palavra e coisa se identificavam era uma interpretação mítica. Essa união original entre palavra e objeto, ainda que fundada no animismo, servia como um ponto de partida para compreender a complexa natureza da comunicação.
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Especulações metafísicas à parte, sabemos hoje que é próprio das palavras representar o que não são. O pai da linguística moderna, Ferdinand de Saussure, descreve essa
Ferdinand de Saussure CC0
O que nos faz chamar uma bola de “bola”? O artefato esférico de couro com que jogamos uma boa pelada bem podia se chamar “linguiça”. E diríamos com a maior naturalidade: “chute a linguiça”, “rebata a linguiça”, “encaixe a linguiça”. Essa arbitrariedade diminui no plano da realização artística, em que os signos são motivados devido à maior vinculação entre significado e significante, mas mesmo aí não se desfaz totalmente.
Daí concluímos que, se o sentido das palavras é convencional, não existe uma essência da linguagem. Toda semântica, ou seja, toda relação entre significante e significado envolve uma mentira, um jogo em que a verdade se dissimula pela própria insuficiência do signo.
Se acrescentamos a isso a natural má-fé do ser humano, que é um mestre na arte de disfarçar seus desejos e intenções, compreendemos o quanto estamos longe de nos entendermos. A comunicação entre os homens é uma teia de equívocos, em que cada um imagina dizer o que os outros supõem estar ouvindo.