Algo que eu, resumindo mal e porcamente, direi que é o seguinte: não há coincidência entre o homem que conhecemos de maneira social ...

Proust escreveu

mascara hipocrisia mundanismo
Algo que eu, resumindo mal e porcamente, direi que é o seguinte: não há coincidência entre o homem que conhecemos de maneira social e mundana e o escritor que este mesmo homem é. Para Marcel, o Eu do escritor vem de silêncios e exílios que com o Eu social nada têm em comum. Assim, o mundano frívolo, bom conversador, agradável, festeiro, sedutor, pode ser bem o contrário de tudo isso ao se recolher para escrever.

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Renoir
E quem elogia um escritor por sua boa participação social, sua personalidade cativante, pode estar elogiando uma criatura fictícia e artificial, muito mais fictícia, aliás, do que aquelas que ele planta em sua ficção.

Por vezes, um escritor pode ser, socialmente falando, até uma criatura árida, desprovida de encanto e imaginação, já que reserva exclusivamente para seus livros o encanto que encontra na vida.

Proust escreveu isso em vários pontos de seu grande romance para enfatizar a diferença entre aparências e essências e destacar a superioridade da verdade artística sobre a futilidade dos meios sociais.

Mas isso é frequentemente esquecido. Quer dizer: um escritor nos olha de um lugar a que nunca de fato teremos acesso e que ele preserva zelosamente longe do mundo dos consensos e tapinhas nas costas. Só os leitores mais sensíveis, os que enxergam um tanto além, saberão que é um Outro aquele Eu com que todos inconsequentemente convivem.

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Renoir
Aliás, em geral o mundanismo literário é tão fútil quanto os demais. É composto de nadas, de etiquetas, frescuras e exigências que simplesmente não têm sentido e são varridas pelo Tempo, o verdadeiro juiz de todas as modas. Proust foi tido por muitos por frívolo - coisa dos que não o leram. Ninguém mais do que ele foi mais implacável com a sociedade e o mundanismo. Grã-finos nos seus livros acabam sendo vistos como iletrados, cruéis, incapazes de amizade verdadeira, caricatos, decadentes. Seus sete livros nos dão uma marcha segura de um narrador que parece esnobemente ligado a aristocracias e sobrenomes para a solidão, a criação, o exílio, a Arte, purgando-se e saindo do emaranhado de Nadas sociais.

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