Quando nasci (em 41), o Super-Homem de 38 ) e o Capitão Márvel (39) tinham acabado de ser criados. Minha infância foi tomada pelo de...
Identidades secretas
Já na Paraíba a partir de 62, vi muito doutor dizer tauba em lugar de tábua, auga — e não água — , além de preciosidades como estrupo, ...
Tarugos de expressão
No sertão, em que vivi de 62 a 70, ouvi frequentemente coisas como telça-feira, galfo, mulé lindra, latra di leitche, o di cumê, e tive trabalho pra fazer uma mocinha, numa peça que montei para as freiras, deixar de dizer “mas-si” em lugar de “más”. De repente, um som d'Espanha em plena caatinga: otcho como oito, mutcho como muito. Ou da França, com tanta véia em lugar de velha, teia em lugar de telha. Na montagem de “A Bátalha de OL contra o Gígante FERR”, Dema – que fazia o protagonista – disse, no primeiro ensaio, ao dar ênfase à frase “Rol irá!”:
“Rol irrá!”.
— Não: "Rol irá!"
— Não foi o que eu disse?
Já a expressão “visse”, em vez de “viste” virou forma de carinho. Ô, mas há coisas lindas, no linguajar do povo. Fiquei encantado quando meu pedreiro me mostrou as pedras no muro de uma casa, sugerindo-me botar equivalentes no da minha, ou seja: “tarugos desta expressão”. E quando o minifundiário me contou, na carteira agrícola do BB, em Pombal, que tivera de atravessar o riacho na enchente, com “água batendo aqui, no casamento”!
Jamais me esquecerei de que a primeira coisa que fiz no meu primeiro dia de trabalho na Paraíba, um paulista na carteira agrícola da agência do Banco do Brasil de Patos, foi a chamada do primeiro camponês a ser atendido, no meio de uma multidão deles:
— Severino! — eu disse em voz alta.
Ninguém se apresentou.
— Severino! — repeti.
Ninguém.
Eu disse ao chefe:
— Não está.
E ele:
— Está sim. Quer ver?
E bradou:
— Sévérinu!
— Présente!
Coisas estranhas. Quando meu pai morreu, em 92, fui a seu enterro e, ao passar, na volta de Sorocaba, por São Paulo, onde pegaria o ...
Coisas estranhas
Proust viu “Em Busca do Tempo Perdido” recusado por vários editores, apesar da sua disposição de pagar a edição e de lhe financiar a ...
Nem todo mundo vê, de cara, uma obra como obra-prima
Germano Romero é arquiteto, cronista e... bacharel em música. Eu, que tantas vezes lhe passei mensagens parabenizando-o pelos textos no...
A Paraíba não para de me surpreender
MEU PRIMEIRO ALUMBRAMENTO COM OS SEGREDOS DA ARTE Eu tinha 15, 16 anos, trabalhava de dia e fazia um curso um tanto ingênuo de pint...
O maior ''Milagre'' que vi, em arte
Eu tinha 15, 16 anos, trabalhava de dia e fazia um curso um tanto ingênuo de pintura à noite. Foi quando meu pai me deu o Primeiro Encontro com a Arte, da Melhoramentos, obra do alemão-baiano Karl-Heinz Hansen. Aconteceu que nesse livro dei - entre tantas obras-primas espalhadas pela Europa - com o então divulgado como o Autorretrato do artista com a barba nascente, de Rembrandt, no MASP, o que me fez passar a insistir para que alguém me levasse ao Museu de Arte de São Paulo que, na época, ficava na 7 de abril (Somente iria para a Av. Paulista em 68). Aquele filho-de-deus-na-Terra estava a hora e meia de ônibus de mim! Quem me levou foi minha irmã Wilma (que perdemos em 2019, aos 87 anos). Inesquecível, isso, porque - ao cruzarmos a rua para chegarmos ao museu -, ela teve um belo flerte com Hélio Souto (1929-2001), então galã famoso do cinema brasileiro. Anos depois, a autoria do quadro foi desautorizada por experts holandeses. Mas tudo bem. Conheci o MASP. Tive outro ganho igualmente notável, que ainda subsiste: o texto, nesse livro, que há sob a foto do Les Glaneuses (As Respigadoras), de Millet:
MAS ACHO QUE O MAIOR "MILAGRE" que vi, em arte, como Suspension of Disbelief (Suspensão da Incredulidade ou "suspensão do julgamento sobre a implausibilidade, numa realidade secundária") foi a que me deixou pasmo no Louvre: a magnífica Vitória de Samotrácia, em que o autor desconhecido, há vinte e dois séculos, fez, na pedra, um belo corpo de mulher vestido em "transparente" tecido... de pedra!
Não estamos sós: a Terra, como nós, é setenta por cento água e parte dessa nossa parte está, sempre, irreal, a levitar,...
Quase que só vitrais...
O fato de o Sol aparentemente girar ao redor da Terra... ou de nós, fez-nos pensar durante séculos que éramos o centro, o objetivo do ...
O Homem nunca deixou de ser o Centro do Universo
Moacyr Scliar (1937 – 2011) é muito leve, irônico, profundo escritor judeu porto-alegrense, Prêmio Casa de Las Americas, Prêmio da APCA ...
A mulher que escreveu a Bíblia
Os evangelhos foram escritos em grego e - com a cultura helênica - Jerusalém recebeu, também, a influência de Platão. Em contraste com...
Judeus e o Islã em guerra, e o que levou o Cristianismo a só emplacar longe de Jerusalém
O SAL DO LEVIATÃ é muito estranho. Senti-me, diante desta obra de Guarnieri, como alguém do círculo mais próximo de Picasso ao ...
O sal do Leviatã
Senti-me, diante desta obra de Guarnieri, como alguém do círculo mais próximo de Picasso ao ser um dos primeiros a ver, em 1906, o Les Demoiselles d´Avignon, no qual se saca de imediato que, em meio à criação da tela, sem a mais mínima preocupação com a famosa e sempre exigida unidade, o espanhol mudara duas vezes de estilo.
A primeira, ao introduzir naquele espaço, algo como uma página do Tratado Elementar sobre a Geometria das Quatro Dimensões, de Esprit Jouffret – em cima das visões de Poincaré que tinham virado a cabeça de Einstein. A segunda, ao transformar as caras das moças nuas d´Avignon em máscaras africanas, atônito com o que acabara de ver numa exposição delas, em Paris.
Assim,
Guarnieri faz a abertura de seu livro com cores mórbidas, meticuloso estilo tipo realismo fantástico, em que cada detalhe tem enorme destaque, como quem quer que se veja tudo ao mesmo tempo, do macro ao micro e, de um fôlego, num curto período, vemos, com poesia de alta voltagem:
Mas eis que na página 16
“o clima declina em crise física (toda altura é esta estranha úlcera convulsa como se fosse ininterrupta a pintura de William Turner)”.
Pois bem:
Turner.
E aí se dá que na página seguinte, damos com outro Guarnieri. Que se pergunta:
“... e agora, Vasco, Pero Vaz de Caminha? a quantas anda nosso Caminho das Índias?”
É a questão que também me faço, ante esse Guarnieri, que tem a força daquele sermão de Orson Welles no Moby Dick de John Huston.
Aí, os envolvidos na construção do Marco vêm, fascinados, de todos os lados, ver a Paixão, que chega ao vivo, em prosa, ...
E no meio desses horrores, ergue-se a cruz de Cristo
Tive algumas experiências com a palavra. Claro que escrever romances é bem diferente de escrever poemas, para os quais você puxa o fre...
Palavras maravilham, mas também angustiam
Aí fiz teatro, e vi atores dizendo tudo aquilo em alto e bom som, dando vida ao que eu criara. Fiz cinema e eu mesmo disse falas e vivi as que escrevera, como se as trouxesse pra outra dimensão.
Rembrandt morreu pobre, pois – como Bach – foi rotulado, no fim da vida, de ultrapassado. Van Gogh não conseguia vender seus quadros...
Somos (todos) Marias-vão-co'as-outras
Rembrandt morreu pobre, pois – como Bach – foi rotulado, no fim da vida, de ultrapassado.
Van Gogh não conseguia vender seus quadros, ... que tornaram sua cunhada — herdeira de todo o seu lote — rica.
El Greco foi preterido pela corte espanhola.
O retrato de Mona Lisa se tornou “o mais célebre quadro do mundo” quando foi roubado do Louvre e a imprensa tratou de realçar a notícia.
Nos anos 50 – estudando pintura - comprei a História da Arte, de Sheldon Cheney, e dei de cara com isto:
Mas – acrescentou Cheney — sem perceber que fazia o mesmo com os leitores:
Bom, aí todo mundo se tornou cubista, suprematista, fovista, surrealista, inclusive brasileiros que se mandaram para Paris, como Portinari, Di Cavalcanti, Ismael Nery. Isso me lembra que, um tempo antes, o escândalo impressionista sufocara o impulso naturalista. Que fazer, então, se somos prisioneiros da circunstância, do universo — “como disse Ortega y Gasset”? Fazer como Bach, El Greco e Rembrandt.
A partir dos 15 anos, de manhã e ao meio dia caminhava até o centro de Sorocaba, onde ficava a loja de eletrodomésticos Lauro Miguel &a...
O inquieto ziguezague que me persegue até hoje
Tudo começava com a descida - na ladeira em que ficava minha casa - até o riacho Supiriri, que eu margeava até a rua paralela à nossa, de onde começava a subir para a cidade.
Em 68 escrevi minha primeira peça teatral, “O Vermelho e o Branco”, a pedido do colega do BB, Ariosvaldo Coqueijo, espetáculo em que ...
Um grande momento de minha vida
Eu lia uma dessas pesadas Histórias da Arte, quando tive um alívio enorme: depois de mais uma vez atravessar a Renascença Italiana...
Tudo tão delicado quanto um bonsai
Gosto de ver antigas gravações de concertos para piano e orquestra, com Friedrich Gulda, Daniel Barenboim, Leonard Bernstein levantand...
As artes são todas interligadas
Gosto de ver Chaplin, Woody Allen, Orson Welles e Clint Eastwood trabalhando em filmes de que eles mesmos escreveram os roteiros e dirigem.
O poema número 8 de meu livro “DeuS e outros quarenta PrOblEMAS” abre com isto: Quando Barcelona está pronta, eis o Gaudí. Eis o ...
Quando o povo está pronto, o mestre aparece
Geralmente se diz que sem a Revolução Russa não teria havido um cinema como o de Eisenstein, poesia como a de Maiakóvsky, nada como a música de Prokofiev, do mesmo modo que sem Pancho Villa e Zapata não teria existido, no México, nada parecido com aquele trio de gigantescos muralistas - Siqueiros, Orozco e Ribera.
Eu o vi abrir com “My Way” — em fabuloso solo de seu trombone – a tarde que nos concedeu, a nós poucos, happy few, band of brother...