Definitivamente, esse negócio de colocar no filho o nome do pai é muito arriscado. Raramente dá certo. Ou seja, raramente o filho está à altura do pai, principalmente quando este se destacou positivamente por alguma razão. Caráter, talento e genialidade não são transmissíveis geneticamente. E aí geralmente se frustram as expectativas de continuidade do pai no filho. A história está cheia de exemplos.
Fechando o ano de 2024, a Editora Record deu a público A Intensa Palavra, coletânea de crônicas de Carlos Drummond de Andrade, publicadas no jornal carioca Correio da Manhã, no período de 1954 a 1969. A compilação foi organizada pelo escritor paranaense Luís Henrique Pellanda, que também assina o prefácio. Não preciso dizer que, como tudo do itabirano,
Quem a pede é meu amigo Cleanto Gomes Pereira e, com ele, muitos outros paraibanos zelosos para com a memória de Augusto dos Anjos, poeta nosso e do Brasil. E não é uma ponte qualquer, mas uma que ainda será feita, e que se anuncia festivamente – esperançosamente -, como solução definitiva para a ligação entre os municípios de Cabedelo, Santa Rita e Lucena. Chamam-na atualmente, à falta de outro nome, de Ponte do Futuro, o que, na melhor das hipóteses, é uma obviedade, já que ela ainda não existe no presente. Quando de fato existir – e torcemos para que exista, um dia – deixará de ser “do futuro” e então essa denominação perderá a razão de ser. E para que isso não ocorra é que Cleanto e tantos outros pedem que a tal ponte se chame desde já Augusto dos Anjos, um nome para a eternidade, ou seja, para além do simples futuro.
A ideia é de Manoel Jaime, o médico e intelectual que os pessoenses aprenderam a admirar, respeitar e estimar. O cronista como psicanalista da cidade. Uma grande sacada. Pois se o cronista, qualquer cronista, não o é, deveria sê-lo. E para isso o escriba não precisa de diploma universitário, de pós-graduações nem de formação específica. Basta ter e usar a sensibilidade de um observador, atento o suficiente para detectar os humores da urbe, suas neuroses e até seus traumas. Por exemplo, no caso de nossa capital, auscultar se ela vivencia ou não alguma crise de identidade, tipo quem sou eu?, quanto ao seu nome, já que persiste, por insistência de uns poucos, a discussão quanto ao mesmo. Uma discussão que, diga-se, não mobiliza a população, mais interessada em serviços eficientes que em polêmicas obsoletas.
Se faltasse outra palavra para defini-lo, gentleman serviria, pois, de fato, ele o foi, na plena expressão da palavra. Um cavalheiro de província, sim, mas que poderia sê-lo em qualquer lugar do mundo, tamanha era sua distinção de verdadeiro lorde inglês. Um lorde dos trópicos e nos trópicos. E, sendo assim, inevitavelmente um pouco (talvez muito) deslocado entre os aborígenes, em sua maior parte uma gente rude e inculta, que costumava — e costuma — ver com tacanha desconfiança
Lembro-me das aulas de História da Arte com Madalena Zaccara. Faz tempo. Minha cabeça não era branca e a professora era a mesma jovem irrequieta e estimulante que continua sendo. Vê-se, portanto, que o tempo não é igual para todos. História da Arte. Um mundo de informações a ser digerido por alunos mais ou menos leigos sobre o assunto. As “escolas” através dos séculos e seus artistas maiores. Uma panorâmica muito útil para qualquer um. Um certo verniz cultural para embalar conversas “inteligentes” e até para conquistar alguém, se for o caso. É difícil de acreditar, sei, mas há quem se seduza com conversas “inteligentes”. Enfim.
Carlos Heitor Cony era um cético. Pelo menos, é o que a mim parece. Um cético, no sentido montaigniano mas sem a sutileza de Machado de Assis, talvez de propósito, para causar impacto no leitor. Suas crônicas me mostram isso. Uma certa descrença generalizada na humanidade e nas coisas do mundo, coisa típica de quem muito viveu, muito viu e não cultiva mais ilusões sobre nada nem ninguém. Cético, diga-se, a despeito do
Tem sido assim desde que ela começou sua vitoriosa carreira de cronista e escritora. Escrevendo para as mulheres e educando os homens. Um compromisso que não poderia ser diferente, pois sua própria vida, independentemente da escrita, sempre marchou nessa direção: a afirmação e a valorização das prerrogativas femininas, a resistência e a boa rebeldia contra preconceitos arcaicos de província, e o saudável vanguardismo anunciador do que viria e teria de ser. Nela e em mais algumas poucas entre nós, 1968 e o que veio depois deixaram sementes férteis que não se perderam ao léu. Pelo contrário.
Foi-se há poucos dias, aos 78 anos, Carlos Aranha, jornalista, escritor, compositor e agitador cultural, entre outras atividades e outros talentos. Antes de tudo, um inquieto, sempre em movimento, sempre fazendo “artes”, no bom sentido, como se dizia antigamente das crianças peraltas. E no caso de Aranha a palavra “artes” tem tudo a ver, pois ele foi essencialmente um artista, uma ampla vocação de artista, plenamente realizada ou não, não importa.
Li esta frase não sei onde e gostei. Ela me fez refletir sobre os estereótipos, os quais têm tanta força, como sabemos, e nem sempre retratam a verdade dos fatos, também sabemos. Mas quando eles “pegam”, acabou, não tem como se fugir deles; o trabalho para desmenti-los é grande – e não raro inútil. Vejamos alguns.
Desinformação? Improvável. Preconceito? Sem dúvida. Se um articulista regular de O Globo escreve nos dias de hoje que o Nordeste é um cafundó, não pode ser desinformação, só pode ser o velho preconceito sudestino, de cariocas e paulistanos “cosmopolitas”, contra os nordestinos de sempre, para eles, os “cosmopolitas”, eternos símbolos de atraso, ignorância e matutice. Pode?
A voluntária morte do poeta e filósofo Antonio Cícero, ocorrida na última quarta-feira, 23 de outubro de 2024, em Zurique, na Suíça, é daquelas que nos põem a pensar. Pois foi uma morte por eutanásia (suicídio assistido), escolhida e planejada, além de tranquila, ele segurando a mão do companheiro de vida até o fim. Uma bela morte, diriam os filósofos, pois reuniu no ato derradeiro consciência, domínio, aceitação e paz, ingredientes quase sempre difíceis de juntar. Daí a beleza da despedida desse carioca de 79 anos, autor de uma consistente obra poética e filosófica, que o levou, por merecimento, à Academia Brasileira de Letras, sem falar na consagração pela autoria de inúmeras letras de canções célebres de nossa música popular.
Só mesmo uma oriental para comemorar a conquista do Nobel de literatura tomando chá, em silêncio. Pois foi isto que fez a escritora sul-coreana Han Kang, 53 anos, ao receber a notícia da grande vitória. “Tomarei chá com meu filho, em silêncio”. Só esta frase, esta reação tão serena e tão sábia, justificam, para mim, a outorga do prêmio, não tivesse ela escrito, apesar de ainda jovem, livros que, segundo a Academia Sueca, “inovaram a prosa contemporânea”. “Tomarei chá com meu filho, em silêncio”. É preciso repetir esta frase extraordinária para penetrar-lhe o profundo sentido e alcance. Nada da algazarra do mundano e previsível champanhe que outros elegeriam para momento tão festivo, mas a sóbria ancestralidade do chá e o recolhimento do silêncio, símbolo de modéstia, de reflexão e, quem sabe, de oração.
No início era o engenho. O engenho e a estrutura social que o sustentava. A casa-grande e os resquícios da senzala. O senhor e os cassacos quase escravos. O canavial. A cana-de-açúcar. O açúcar. O mel. A rapadura. A farinha de mandioca. A tapioca. A pequena roça de subsistência. Um mundo à parte do mundo. Um feudo. Um específico universo material e imaterial. Um microcosmo. Uma sociologia. Uma antropologia. E nessa mesma origem, dois meninos, meninos de engenho, não moleques da bagaceira, mas sinhôzinhos da casa-grande: José Lins do Rego e João Cabral de Melo Neto. O primeiro, paraibano nascido em 1901, em Pilar; o segundo, pernambucano vindo ao mundo em 1920, no Recife, mas ambos com a infância passada nos engenhos das respectivas famílias.
Eles e elas gostam de ser chamados de influencers, em inglês. Isto já diz muito sobre tais pessoas que pretendem influenciar muitas outras e com isso ganhar notoriedade – e dinheiro, muito dinheiro, of course. Atualmente são uma verdadeira praga nas redes sociais, virou uma profissão, um projeto de vida, um meio de vida e, não raro, a própria vida desses e dessas figuras, a maioria desconhecida fora do círculo de seus seguidores.
Na capa do livro, logo abaixo do título, está escrita em letras pequenas mas perfeitamente visíveis a palavra ficção. Vejam bem. Não se optou por romance, novela ou memórias, mas por... ficção. E no entanto não é bem assim. Que há ficção, há, mas também, e talvez em maior parte,
Não sei por que me lembrei dele ao ler o mais recente livro de Aldo Lopes de Araújo, Memorial do esqueleto e outros contos, Sebo Vermelho Edições, Natal, 2024. Refiro-me ao poeta e contista português Miguel Torga, tão grande que o nosso Jorge Amado considerava-o merecedor do Nobel, só para se ter uma ideia do valor desse médico taciturno, cujo nome verdadeiro era (e é) Adolfo Correia da Rocha. Nascido em São Martinho de Anta, Trás-os-Montes, viveu, trabalhou e morreu em Coimbra, onde se formou. Entretanto, quando jovem, viveu uns tempos em Leopoldina, Minas Gerais, o que nos remete ao nosso Augusto dos Anjos que lá viveu seus últimos dias como diretor de um colégio. Coincidência? Sabe Deus.
Não é qualquer um que tem amigos há mais de meio século. Amigos de verdade, digo, e não meros conhecidos de ocasião, de conveniência, de mesa de bar ou de chapéu, como diria Machado de Assis. Amigos para o que der e vier, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, semelhante a um casamento feliz e longevo. Amigos, uma meia dúzia, no máximo, feitos ao acaso (ou não), ao puro sabor das circunstâncias, e que jamais poderiam prever a rara longevidade da amizade, esse tesouro que ilumina nossas vidas, não raro mais que os próprios parentes de cada um.
Na culinária, os chefes de cozinha costumam preferir o fogo brando ao forte para alcançar o cozimento perfeito das iguarias. Trata-se, logo se vê, de uma sabedoria lentamente apurada ao longo do tempo, através de experimentos mil, de erros e de acertos, ao fim dos quais se concluiu que sempre comem melhor os que não têm pressa. Foi nessa filosofia, talvez, que o nosso poeta Sérgio de Castro Pinto escolheu o inspirado título de seu livro mais recente: Brando fogo das palavras, Editora Patuá, São Paulo, 2024, belamente ilustrado por Flávio Tavares.
Pode um branco escrever um romance sobre personagens de cor? E pode um ocidental escrever uma história passada no Oriente? Toda vida foi possível — e há mil exemplos —, mas agora parece que não. Agora a coisa não é tão simples, como nada mais parece ser simples, num mundo que, estou certo, ficou mais burro — e desagradável.