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O que esperar de uma conversa de cavalheiros, cultos, nível superior, limpos, bem vestidos, todos eficientes nas funções que desempenha...

cinema wannsee
O que esperar de uma conversa de cavalheiros, cultos, nível superior, limpos, bem vestidos, todos eficientes nas funções que desempenham, reunidos numa sala de uma mansão de estilo clássico, decorada com motivos clássicos, num ambiente em que imperam a assepsia e a cordialidade, com um mínimo de discórdia que, muito civilizada, jamais chega ao nível da desarmonia destemperada? Trata-se de uma encontro com bolinhos, café, enroladinhos de salmão, conhaque, definida como um segundo café da manhã, reunindo homens que comungam uma mesma ideia, como se pertencessem a uma confraria qualquer.

A palavra do dia é moderação. Na música Positivismo , o grande Noel Rosa constrói uma belíssima e inusitada metáfora, como um conselh...

centro historico rio noel rosa
A palavra do dia é moderação. Na música Positivismo, o grande Noel Rosa constrói uma belíssima e inusitada metáfora, como um conselho à amada que despreza o seu amante e o deixa:

MM\
Vai, orgulhosa, querida Mas aceita esta lição: No câmbio incerto da vida A libra sempre é o coração.
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Os poetas, os verdadeiros, aqueles oriundos e constituídos da melhor cepa, podem tudo, e a metáfora da libra como o fiel da balança, aliada à outra que trata a instabilidade natural da vida como “câmbio incerto da vida” é simplesmente genial. Não esqueçamos que durante muito tempo e ainda em vigor na Inglaterra, Reino Unido e Grã-Bretanha, a libra é simultaneamente uma medida de peso e um valor monetário. Assim, o poeta dá uma pequena lição na instabilidade da amada, advertindo que o equilíbrio e maior valor que podemos ter reside no amor
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e, no caso, na sua representação metonímica, o coração.

De Noel, passamos para o latim no seu sintetismo, dizendo muito com poucas palavras – in medio virtus. Embora a expressão latina queira dizer apenas o que ali se encontra, que o meio, o equilíbrio, a moderação é onde se encontra a virtude do ser humano, há os que distorcem o significado entendendo a sentença como uma definição de mediocridade, como se a mediania não fosse um perfil geral, como se a expressão significasse apenas a inferioridade. Todos somos medianos. Acima disso, os gênios.

A mediania nos ensina a viver e dar outros voos de vez em quando, mas sempre voltando para pôr os pés na terra, onde está a nossa segurança. Mediania é um outro nome para a moderação que todos devemos ter, o que poderíamos também chamar de sobriedade.

Vamos para a língua grega, com a sua precisão no emprego dos seus termos. Para o homem grego, desde os tempos arcaicos, o que equivale dizer tempos homéricos, o diafragma era a sede do saber, do raciocínio, da reflexão.
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Ainda não se conhecia a fisiologia do cérebro, para lhe atribuir a capacidade do pensamento. O cérebro era apenas o que estava dentro da cabeça, o encéfalo (ἐγκέφαλος). Toda atividade nobre de amadurecimento espiritual, no sentido de exercitar-se para a moderação, para a continência, estava atribuída ao diafragma. E há uma explicação lógica para isto. O diafragma é um grande músculo peitoral, cobrindo todo o esterno, que movimenta a respiração. Quando aprendemos a respirar, passamos a moderar os nossos impulsos, afastando-nos de tomar medidas das quais iríamos, certamente, nos arrepender. Não é à toa que, quando alguém está tendo um ataque de pânico ou de ansiedade, pede-se que ela respire dentro de um saco de papel, de modo a poder controlar-se.

A palavra diafragma, em grego, é frén (φρῆν), cuja raiz se encontra em um dos mais caros termos para Platão. O termo também é caro no âmbito da tragédia grega, para o entendimento do erro transcendental que o homem comete, cavando sob os próprios pés um grande abismo, do qual, dificilmente,
A moderação é exercício diário, que nos dá mais tempo para a reflexão, para que nos dobremos sobre o nosso pensamento, antes de pronunciá-lo.
ele conseguirá escapar, não por culpa dos outros, mas das suas carentes de reflexão: sōfrosyne (σωφροσύνη). Em suma, quando nos falta a reflexão necessária, para agirmos com moderação, pagamos pelos nossos erros, e não adianta culpar os outros.

Ao que parece, de uns anos para cá, esquecemos de cultivar a moderação, sendo o destempero a nota corrente, com as pessoas se exaltando e fazendo de qualquer atitude do outro um motivo para um digladiar-se sem fim.

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Finalizemos com a toga romana. Otávio César Augusto, cultor dos velhos costumes, tomados como bons e como modelo de moralidade, os mores maiorum, reintroduziu durante o seu governo, longo governo de 58 anos (44 a. C. – 14 d. C.), o uso da toga entre os patrícios, de um modo geral. O objetivo? O exercício diário da moderação, que começa através da diminuição da gesticulação. Como a toga exige a ocupação de um dos braços, além de ser uma vestimenta que limita os movimentos expansivos, os chamados gestos largos e efusivos tendiam a diminuir.

A moderação, portanto, é exercício diário, que nos dá, pelo cerceamento da efusividade e da impulsividade, mais tempo para a reflexão, para que nos dobremos sobre o nosso pensamento, antes de pronunciá-lo. Não esqueçamos que uma das imagens caras a Homero é uma referência a “proferir palavras aladas” (ἔπεα πτερόεντα προσηύδα, Ilíada, Canto IV, verso 284). Paralelamente, havia a expressão “palavra que transpõe a barreira dos dentes” (ποῖόν σε ἔπος φύγεν ἔρκος ὀδόντων, Odisseia, Canto I, verso 64). Se as palavras aladas podem ser boas, quando ditadas pela sōfrosyne, elas serão danosas, quando irrefletidas, porque depois que transpõem a barreira dos dentes, tendem a destruir o equilíbrio, a moderação, a reflexão, que habitam a mediania e fazem o mundo avançar.

Poetas, candidatos a poeta, amantes da poesia – leiam Gonçalves Dias e Manuel Bandeira! Sim, deixem de lado os poetas atuais, deixem se...

poesia brasileira manuel bandeira goncalves dias
Poetas, candidatos a poeta, amantes da poesia – leiam Gonçalves Dias e Manuel Bandeira! Sim, deixem de lado os poetas atuais, deixem seus coevos repousar! Deixe-os, por um bom tempo, em banho-maria ou em estado de suspensão! Larguem tudo, vão ao poeta de “Ainda uma vez – Adeus!”! Deliciem-se com o poeta de “Sonho de uma terça-feira gorda”!

Já escrevi sobre o hiperbibasmo, um dos artifícios frequentes na construção da poesia de Augusto dos Anjos, que consiste no desloc...

homero ovidio augusto anjos poesia sistole diastole
Já escrevi sobre o hiperbibasmo, um dos artifícios frequentes na construção da poesia de Augusto dos Anjos, que consiste no deslocamento do acento tônico da palavra, ora transformando um proparoxítono em paroxítono (diástole); ora, um paroxítono em proparoxítono (sístole). Darei os dois exemplos aqui, apenas para fundamentar o meu argumento de que esse procedimento não tem nada de novo.

A Hélder Moura Gramático, crítico, filólogo, poeta, Musaios viveu em Alexandria, no Egito, entre os séculos V-VI, tendo sido conte...

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A Hélder Moura

Gramático, crítico, filólogo, poeta, Musaios viveu em Alexandria, no Egito, entre os séculos V-VI, tendo sido contemporâneo de Nonnos de Panópolis e de Colutos. É por meio de um poema seu que o mito, envolvendo amantes desventurados, persistiu na tradição clássica. À maneira de Homero – metro, dialeto, vocabulário –, Musaios compôs Hero e Leandro (Paris, Les Belles Lettres, 2003), a história dos dois amantes trágicos separados pelo Helesponto,

Punido por Thêmis, a Justiça divina, por haver, entre outros delitos, aprisionado Thânatos, a Morte, Sísifo é castigado a rolar uma roc...

augusto anjos
Punido por Thêmis, a Justiça divina, por haver, entre outros delitos, aprisionado Thânatos, a Morte, Sísifo é castigado a rolar uma rocha, montanha acima, na tentativa de encaixá-la ao cume. Conseguido o intento, ele estaria livre. No entanto, a pedra sempre escapa da sua mão e ele tem de retornar ao sopé, para tentar, mais uma vez, realizar a façanha.

O título é uma das frases impactantes do diário de Esther “Etty” Hillesum ( Diário: 1941-1943 ; tradução de Maria Leonor Raven-Gomes, L...

etty hillesum nazismo socialismo odio
O título é uma das frases impactantes do diário de Esther “Etty” Hillesum (Diário: 1941-1943; tradução de Maria Leonor Raven-Gomes, Lisboa, Assírio & Alvim, 2008, p. 86), jovem judia neerlandesa, que morreu, antes dos trintas anos, em Auschwitz.

A partir dos questionamentos suscitados pelo amigo Germano Romero , tomamos a decisão de esclarecer, mais uma vez, a nossa posição a ...

augusto anjos espiritismo mediunidade victor hugo
A partir dos questionamentos suscitados pelo amigo Germano Romero, tomamos a decisão de esclarecer, mais uma vez, a nossa posição a respeito da espiritualidade em Augusto dos Anjos, em cuja poesia podemos constatar alguns procedimentos semelhantes aos encontrados no Espiritismo.

No Evangelho de João , Maria Madalena vai visitar o túmulo de Jesus e o encontra vazio. Quando Jesus se aproxima dela, supondo ela se...

nao me toques evangelho politica autoritarismo ditadura judiciario
No Evangelho de João, Maria Madalena vai visitar o túmulo de Jesus e o encontra vazio. Quando Jesus se aproxima dela, supondo ela ser um jardineiro, pergunta-lhe onde ele teria colocado o corpo do rabi. Quando ela consegue reconhecer Jesus, na pessoa do suposto jardineiro, ela sente-se impelida a tocá-lo. Surge daí a frase que intitula este texto – “Noli me tangere” (João, 20,16) –, que corresponde ao original grego “μή μου ἅπτου”.

Há na língua latina uma frase afirmando que o nome é profecia – Nomen omen . Mais do que uma frase, existe aí um vaticínio, em que muit...

pompa futilidade vaidade
Há na língua latina uma frase afirmando que o nome é profecia – Nomen omen. Mais do que uma frase, existe aí um vaticínio, em que muitas pessoas, consciente ou inconscientemente, acreditam. Haveria, portanto, um desejo de ascensão, de engrandecimento, importância ou nobreza, nos nomes esdrúxulos ou compridos, que os pais colocam nos filhos. Mesmo nas camadas mais pobres da população, as “marias”, os “josés”, os “joões” estão rareando e cedendo espaço para nomes exóticos, muitos aparentemente em uma língua estrangeira, sendo a inglesa a mais requisitada, embora nem sempre seguindo o padrão gráfico ou fonético exigido por aquele idioma. Nas classes mais abastadas, então, é quase uma regra os nomes ditos sofisticados e, evidentemente, longos, para marcar uma ancestralidade do que se habitou chamar “família tradicional”, ignorando-se que, por definição, a família é tradicional, vez que se trata de uma transmissão entre gerações. Não importa. A essência sempre vale menos do que a casca.

O sistema da Língua Latina prevê na sua morfologia a existência de 3 gêneros: masculino, feminino e neutro. A morfossintaxe latina ...

linguagem neutra todes
O sistema da Língua Latina prevê na sua morfologia a existência de 3 gêneros: masculino, feminino e neutro. A morfossintaxe latina apresenta 5 declinações, sendo que o gênero neutro só existe em três delas – a 2ª, a 3ª e a 4ª.

A primeira declinação é de maioria feminina, marcada pela vogal temática -a (não existe desinência de gênero em latim). A segunda declinação é formada por uma maioria de palavras do gênero masculino, abrigando, no entanto,

O livro O caçador de lagostas (São Paulo: Labrador, 2018; ilustrações de Flávio Tavares), de Sérgio Rolim Mendonça, se parece com o se...

cacador lagosta sergio rolim mendonca
O livro O caçador de lagostas (São Paulo: Labrador, 2018; ilustrações de Flávio Tavares), de Sérgio Rolim Mendonça, se parece com o seu autor. Não é pelo fato de que é uma autobiografia, mas pela escrita em si mesma. Sérgio escreve bem, sua narrativa flui e há um prazer em ler o seu livro. O segredo é que Sérgio consegue reproduzir na escrita o modo como fala – abundante, preciso, minucioso, enfático, sem permitir ao interlocutor a pausa do tédio –, não dispensando o bom humor, como ele demonstra na sua

Esclareço de antemão que sou um defensor da tradução, muitas vezes a única opção que temos para conhecer um texto. Do mesmo modo, r...

agamemon menelau troia traducao tradutor
Esclareço de antemão que sou um defensor da tradução, muitas vezes a única opção que temos para conhecer um texto. Do mesmo modo, ratifico a boutade do Conselheiro Ayres, personagem de Machado de Assis, no caso específico, em Esaú e Jacó, ao afirmar que nenhuma tradução vale o original. Gostaria de deixar claro que as duas proposições não se excluem, antes se complementam. Sempre será melhor poder ler no original.

O Proêmio de Os Lusíadas , contando 114 versos, espraia-se pelas primeiras 18 estrofes, constituindo-se de 3 partes: a Proposição ...

naus caravelas lusiadas camoes
O Proêmio de Os Lusíadas, contando 114 versos, espraia-se pelas primeiras 18 estrofes, constituindo-se de 3 partes: a Proposição (estrofes 1-3), a Invocação (estrofes 4-5) e a Dedicatória (estrofes 6-18).

Cedi o meu espaço, nesta semana, para um amigo escritor, Earth Blair, inglês radicado no Brasil, que me pediu para divulgar trechos...

parodia 1984 orwell poder autoritarismo
Cedi o meu espaço, nesta semana, para um amigo escritor, Earth Blair, inglês radicado no Brasil, que me pediu para divulgar trechos de um romance que ele está escrevendo, no intuito de testar a recepção. Como ele me autorizou, reproduzo aqui o que disse a ele: acho muito difícil a aceitação da sua narrativa, porque a considero demasiadamente distanciada da realidade, ainda que a criação literária não precise ter qualquer compromisso com os acontecimentos do mundo real.

A Francisco Gil Messias O que é ser avô? Quais os encargos e privilégios de exercer, digamos, a “avoíce”? Ser guiado pelos netos, ...

victor hugo netos ser avo
A Francisco Gil Messias

O que é ser avô? Quais os encargos e privilégios de exercer, digamos, a “avoíce”? Ser guiado pelos netos, tê-los como a sua nova aurora e, assim, remoçar e renascer em cada um deles. Renascer, menos por persistir como continuidade genética, mas por encontrar neles a sua própria vida, no novo rebento que ali floresce, cujo alicerce é a sedutora inocência, despertada pela doçura do amor e de

A tradução nunca é pacífica. A complexidade da tradução está em não percebermos que não é o tradutor que conduz o texto, como sugere ...

zeus hera maria dogma virgindade
A tradução nunca é pacífica. A complexidade da tradução está em não percebermos que não é o tradutor que conduz o texto, como sugere a formação da palavra latina – “trans”, através de, além, e “duco”, aquele que conduz, estando à frente. Quem sempre está à frente é o texto, é ele que conduz o tradutor para além da sua língua. Se tal não acontece é porque o tradutor tem veleidades poéticas e, muitas das vezes, quer ser maior e melhor do que o autor do texto que ele traduz.

A Marcílio e Alessandra Franca A pedido do meu amigo, Marcílio Franca, em 2019, fiz a tradução de “À Paz”, hino da autoria do in...

ara pacis hugo grotius erinias eumenides
A Marcílio e Alessandra Franca

A pedido do meu amigo, Marcílio Franca, em 2019, fiz a tradução de “À Paz”, hino da autoria do internacionalista holandês Hugo Grotius, um dos fundadores do Direito Internacional, no século VII. O aludido hino consta em artigo de autoria de Marcílio Franca e de Alessandra Franca, intitulado “Os Epigramas da Haia – Direito Internacional e Poesia em Epitácio Pessoa e Hugo Grotius”, que veio a ser publicado no livro Pensar, ensinar e fazer Justiça – Estudos em homenagem a Paulo Ferreira da Cunha, com organização

Façamos uma pausa necessária em Camões, para retomar, em próximo texto, a análise de Os Lusíadas , com enfoque na Dedicatória do...

nelson goncalves bolero dolores sierra wilson batista jorge castro
Façamos uma pausa necessária em Camões, para retomar, em próximo texto, a análise de Os Lusíadas, com enfoque na Dedicatória do poema. Falemos de música, assunto que não está distanciado da poesia.

Escolhi para o texto sabático — como chamam meus amigos Davi e Germano — o bolero Dolores Sierra (1956), de autoria de Wilson Batista e Jorge de Castro, imortalizado na voz de Nélson Gonçalves,

A Proposição e a Invocação , duas das partes estruturantes da narrativa épica, constituem o Proêmio , literalmente, “o que vem ante...

camoes lusiadas musas invocacao poetica retorica poesia epica
A Proposição e a Invocação, duas das partes estruturantes da narrativa épica, constituem o Proêmio, literalmente, “o que vem antes” (προοίμιον), por vir sempre no início do poema, como se pode observar