A influência do Medievo permeia toda a produção literária que lhe é posterior — sobretudo a que se vincula a estéticas nas quais é visível o primado da subjetividade, da musicalidade ou da emoção. Seja através dos trovadores galego-portugueses, com as cantigas de amor e, sobretudo, as de amigo, seja pela vertente dos romanceiros, observa-se, desde o Pré-Romantismo, a presença de temas e de recursos retórico-estilísticos ligados à Idade Média.
A angústia de Hamlet segundo seu amigo Horácio, paraibano” é um refinado, compósito e delicioso exercício de estilo. Nesse seu novo romance, Waldemar Solha “reelabora” a tragédia shakespeariana com o desembaraço de quem conhece a fundo a obra do bardo inglês e uma perícia narrativa que nos prende do início ao fim.
Sou um simpatizante do movimento feminista, pois acho que a emancipação do homem depende da emancipação da mulher. Mas sou um feminista comedido e crítico. É preciso estar prevenido contra o mau feminismo, que, a pretexto de liberar a mulher, quer retirá-la de todos os embates com os homens — inclusive (ou sobretudo) os que se travam no domínio da sedução. Nesse domínio, elas têm armas mais poderosas do que as deles e a capacidade de transformá-los, de chefes, em escravos galanteadores.
Na lírica de Augusto dos Anjos, “Tristezas de um Quarto Minguante” não goza do prestígio de “Monólogo de uma Sombra”, que tem um valor programático. Também não desfruta da popularidade de “Versos Íntimos”, lapidar soneto em que o poeta, um tanto filosoficamente, aborda a ingratidão humana. Tampouco tem a ressonância de “Os Doentes”, alegoria da nossa condição de seres marcados pela pecha da falta original. É, no entanto, devido à simplicidade, ao registro da solidão em que se encontra o eu lírico e ao vigor com que celebra a Natureza, uma das composições mais tocantes e expressivas do poeta do “Eu”.
Fazia tempo que eu vinha notando, mas o prudente era fingir ignorância. Durante a época de aulas, tudo bem, foi possível manter-me indiferente. Mas não agora, que longos ócios me obrigam a horas no gabinete. Agora tenho de enfrentar Mirtes e a sua ronha, sua reima de tisanuro roaz.
Matilde ficou surpresa quando soube que Eulália, uma velha amiga, tinha se separado de Rodolfo. Chegara a sair com os dois e, apesar de uma pequena cena de ciúme de Eulália (o marido era vistoso e simpático), teve a impressão de que eles se entendiam muito bem. Resolveu ligar para a amiga, que talvez precisasse de consolo nesse momento difícil.
Foi para mim gratificante ir à posse de Gil Messias na APL. O evento do último dia 2 constituiu uma justa homenagem a quem há anos se dedica à literatura com seriedade e rigor. O resultado dessa entrega tem se traduzido em crônicas (algumas com o formato de miniensaios) e poemas em que, ao veio confessional, associa-se o testemunho da confiança no ser humano em um mundo que tende a valorizar o poder, o dinheiro, e a depreciar os valores do espírito.
Leitor me escreve pedindo um comentário sobre o verbo “cismar”, que acha confuso. Não é apenas a ele que esse vocábulo intriga. “Cismar” sempre me impressionou. É um desses termos de sentido impreciso; por mais que a gente o defina, explique, conceitue, não consegue captar-lhe as sutilezas do significado.
O termo “adultização” tem sido bastante mencionado nos últimos nos dias. O motivo é a grave denúncia feita pelo youtuber Felca acerca de uma dupla que usava a internet para explorar crianças e adolescentes. Li que o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania registrou um aumento de mais de 500% nas denúncias de exploração sexual infantil on-line após a exposição do vídeo desse youtuber. Graças a ela, Hytalo Santos e seu companheiro foram presos, e o debate sobre esse tipo de exploração vem se estendendo a pais, professores, psicólogos e demais responsáveis pela educação das nossas crianças.
São vários os critérios para se considerar elevada uma literatura. O principal deles se liga ao próprio conceito de literatura, que é a “a arte da palavra”. Arte é técnica, domínio do material para a obtenção de um resultado. Por essa ótica, a boa ou alta literatura é aquela em que se usa bem a palavra para conseguir o efeito estético. É basicamente pelo manejo criativo da língua que se produz uma literatura de qualidade.
É um engano confundir a felicidade com a mera obtenção de resultados. A felicidade não está numa meta, mas no estado em que nos sentimos quando a alcançamos. Tem mais a ver com o sentir do que com o obter. A ansiedade pela conquista de um resultado pode ser tão perturbadora quanto o tédio
Dizem que no início dos tempos não havia distância entre as palavras e as coisas. Cada objeto ou ser era o que significava e, reciprocamente, significava o que era. A palavra “fogo” queimava, a palavra “medo” tremia, e um vocábulo como “dor” parecia gemer.
Ao chegar em casa, ele notou que alguma coisa estava errada. A mulher e um dos filhos, em pé na sala, empunhavam cartazes. O do rapaz dizia: “Agora é tudo ou nada! Aumento na mesada!”. A esposa não fizera por menos: “Basta de ladainha. Homem também cozinha!”. Tudo rimado, para soar mais forte.
É comum se aproximar a poesia de Augusto dos Anjos da filosofia de Friedrich Nietzsche, certamente em função da influência que há nos dois de Arthur Schopenhauer. A ideia do mundo como “vontade e representação” e a consciência da inevitabilidade do sofrimento marcam a produção dos dois e determinam as suas visões de mundo. Algo, no entanto, afasta fundamentalmente o paraibano do autor de “Para além do Bem e do Mal” – a forma como veem o destino.
Um dos sinônimos de envelhecer é moderar-se. Por isso desconfie de velho com paixão. A velhice é por natureza resignada e compassiva, atributos esses incompatíveis com o fervor passional dirigido a pessoas, ideias ou times de futebol.
No programa desta noite, vi que apareço como professor. Achei adequado e oportuno. Falar em escritor esconderia uma qualificação mais condizente com o meu trabalho, e por meio da qual me reconheço. A escrita sempre apareceu como uma atividade complementar aos estudos e às leituras para o desempenho em sala de aula.
Vamos dançar de novo aquela quadrilha? Prometo que agora não vou lhe decepcionar. Da primeira vez me comportei mesmo como um matuto, deixando você sozinha no salão. De nada adiantou o cachimbo, o cornimboque e o bigode com que me adornaram para parecer um cabra da peste. Tudo aquilo era postiço; verdadeira mesmo só a minha timidez. Agora prometo levar a dança até o fim, mesmo que ainda não tenha muito jeito. Ou jeito nenhum.
Fala-se muito do Machado dos romances e dos contos, e pouco se comenta o Machado de Assis cronista. Mas o velho Bruxo também foi bom nesse gênero. Uma boa oportunidade de constatar isso é ler “Fuga do hospício”.
Eu nunca tinha ouvido falar em Léo Lins até a imprensa divulgar a esdrúxula sentença proferida contra ele. Ou seja: pelo menos para mim, a punição tornou visível a figura do comediante. Fui então conhecer os motivos pelos quais o penalizaram.