A literatura – tradicionalmente reconhecida como imprescindível no ensino de Língua Portuguesa, sobretudo quando amparada por leituras ...

Concursos sem literatura

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A literatura – tradicionalmente reconhecida como imprescindível no ensino de Língua Portuguesa, sobretudo quando amparada por leituras integrais de textos canônicos – tem sido gradualmente excluída dos conteúdos programáticos de muitos concursos públicos para professores da área. Essa exclusão suscita sérias preocupações quanto ao empobrecimento da formação docente e ao futuro da educação linguística e cultural no país.

Na condição de docente da rede estadual da Paraíba, é impossível não destacar que o edital do mais recente concurso para a Secretaria de Estado da Educação (Banca Idecan) confirma essa realidade:
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não há sequer um tópico que remeta ao ensino de literatura. Tirante esse caso, outros editais até mencionam o conteúdo literário, mas falham na prática: as questões, quando aparecem, são superficiais, podem ser resolvidas apenas com uma leitura atenta do enunciado, sem exigir do candidato conhecimento aprofundado.

A formação de professores de Língua Portuguesa não pode se restringir à gramática normativa, à linguística e à teoria textual. É essencial que inclua uma sólida base literária. Ler, interpretar e ensinar obras literárias desenvolve o senso crítico, a sensibilidade estética e a capacidade de reflexão sobre a cultura e a sociedade. Ignorar esse aspecto nos concursos relega a literatura a um papel secundário. A literatura é uma ferramenta indispensável para a formação integral do sujeito. Ela amplia a compreensão do mundo e das relações humanas, além de articular diversas habilidades exigidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como a leitura crítica, a argumentação e o repertório cultural. Sua exclusão nos processos seletivos revela uma visão reducionista da docência, centrada apenas em aspectos técnicos da língua, desconsiderando sua dimensão humanizadora. Como justificar que um professor seja avaliado sem que se leve em conta esse eixo fundamental, se a própria BNCC o valoriza?

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Há ainda uma contradição evidente entre a proposta pedagógica do ensino básico – que defende a interdisciplinaridade e o desenvolvimento da competência leitora literária – e os critérios de seleção dos concursos. Ao não cobrar literatura, os editais desestimulam o estudo da área e criam um descompasso entre as exigências da sala de aula e o perfil profissional valorizado nos certames.

Ademais, não bastasse a carência de bibliotecas escolares e a ausência de políticas consistentes de incentivo à leitura, enfrentamos hoje um ambiente social saturado por distrações efêmeras das redes sociais,
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onde o hábito da leitura literária se enfraquece, especialmente entre os jovens. Mas o problema não se limita aos estudantes: é igualmente preocupante o parco letramento literário de muitos docentes, reflexo de uma formação inicial que negligencia o prazer estético e a reflexão crítica proporcionados pela literatura.

Esse empobrecimento do repertório literário compromete a prática pedagógica e o papel da escola como espaço de formação humanista. Como esperar que um educador estimule a leitura de grandes obras se ele próprio não as conhece ou não reconhece seu valor? O resultado é um ensino literário mecânico, centrado em resumos e classificações de gêneros, distante da experiência viva que a literatura pode proporcionar.

Ao excluir a literatura dos concursos, o Estado transmite a mensagem de que ela é dispensável — e isso tem consequências graves. Enfraquece-se o espaço da literatura nas escolas, desestimula-se sua valorização na formação docente e compromete-se a formação crítica das novas gerações. Em um país atravessado por desigualdades, negar o acesso à literatura é também negar o direito a imaginar, sonhar e construir novos sentidos para o mundo.

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É preciso reagir a essa tendência. Concursos públicos devem promover a valorização e qualificação da educação, não sua simplificação. Incluir a literatura nos editais não é um luxo acadêmico, mas uma necessidade urgente. Afinal, ensinar Língua Portuguesa é também ensinar a ler o mundo – e a literatura é um dos caminhos mais potentes para isso.

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