"aventura não é escalar montanhas// não é atravessar desertos// não é preciso bravura// aventura não é saltar de avião// não é d...

Aventura

juliana marins aventura tragedia
"aventura não é escalar montanhas// não é atravessar desertos// não é preciso bravura// aventura não é saltar de avião// não é descer cachoeira// não é preciso tontura// aventura não é comer bicho vivo// não é beber aguardente// não é preciso angustura// aventura não é morar em castelo// não é correr de Ferrari// não é preciso frescura// aventura é tudo o que faz// uma pessoa tornar-se capaz// de abrir mão da loucura// aventura é ser mãe e pai"
(Martha Medeiros)

Nunca fez parte do meu temperamento gostar de frio na barriga. Só um pouquinho. Bem pouquinho. Quando jovem, nunca gostei, nem nunca tive oportunidade de maiores riscos. Sei que isso depende do lugar onde nascemos, dos acidentes geográficos, mas mesmo aqui, sempre tive cautela com o mar, passeio de barco, fui poucos; trilhas? nunca. Tenho medo de todos os bichos. Mas confesso que a montanha me fascina. De longe. Já tive oportunidade de vê-la de perto nos anos 80, cheia de neve, e me sentir uma estrangeira de todas as formas, por entre as marmotas felpudas. Me encantei com a paisagem, mas jamais com os precipícios. Tenho todas as vertigens.

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Rogério Rodrigues
Quando viajo, subir nos castelos não faz parte do meu programa, nem lugares íngremes. Mesmo assim, a minha maior aventura foi ser mochileira no Peru nos idos de 1981, e ir a pé de Águas Calientes a Machu Picchu, de madrugada, numa escuridão verde profundo, com o eco dos Incas pelos meus medos. Senti falta de ar e pelo meio dos pedregulhos de uma encosta sem maiores riscos, desisti, e esperei o primeiro ônibus das 6 da manhã, ainda escuro, que subiria pela estrada.

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Machu Pichu / Ilha de Taquile Ana Adelaide Peixoto
O outro desafio, foi para chegar na ilha de Taquile, Bolívia, para onde fui sozinha numa viagem de barco por quatro horas, frio gelado, uma hora e meia de subida a pé pela encosta, para se chegar à vila. Enquanto os europeus de todas as idades subiam cantarolando amor febril, eu penava com a respiração curta, degrau por degrau, à mais 4 mil metros de altitude pelo Lago Titicaca. Mas cheguei e aproveitei à vista, os milhos, os chás, e o pequeno turismo nessa ilha tecelã, mesmo sendo uma turista ignorante e desavisada, que nem lanterna havia levado. Aprendi a lição, e desde então que a minha vida nada aventureira teve fim.

Sou urbana e gosto dos meus pés fincados bem no chão. Estarei perdendo alguma coisa? Com certeza! E em conversas domésticas, ouço dos adeptos e defensores de aventura que, “a aventura ensina a lidar com zonas fora do conforto; abre novos horizontes e
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Vusala Abdullayeva
oportunidades de crescimento interno; ganha-se novas perspectivas, habilidades, resiliência, independência; aprendizados sobre tomar decisões avaliando os riscos. Explorar a natureza, ter o contato grandioso com o inóspito, viver de perto o estado meditativo e único”. Concordo com tudo isso e todos esses ganhos, vividos como parte da cultura de alguns países, onde desde pequenas, as crianças são estimulados às experiências ao ar livre e aventuras. Autoconfiança faz parte dos aprendizados. E nos perguntamos a todo momento o que seria correr riscos? Também conversamos sobre o turismo precário nos países mais pobres.

Nos últimos dias, tivemos duas tragédias com balões no Brasil, com mortes e o horror em passeios que não ofereceram a segurança devida. Assistimos impotentes a uma bola de fogo a despencar dos céus. Tragédias a serem evitadas? Possivelmente. Uma coisa é um acidente parte do inexorável da vida, outra é o descaso e o lucro fácil à frente da segurança de alguns destinos oferecidos. Por via das dúvidas, se for à Capadócia, não andarei de balão.

Também, fiz parte da comoção brasileira quando acompanhei o caso da jovem Juliana Marins, e a sua aventura, queda, e fim trágico, no monte Rinjani, em um vulcão
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Parque Nacional do Monte Rinjani
ativo à mais de 3.000 de altitude, com neblina densa, clima adverso e de difícil acesso. Tive falta de ar só de assistir, rezei pedindo o seu resgate, e chorei ao saber da sua morte, sozinha, naquele terreno arenoso, cinzento e hostil. Ao ver os vídeos que as redes sociais publicaram, ficava sem ar literalmente. Aplaudi o montanhista que dormiu junto ao seu corpo inerte, no frio e no perigo. E claro, me irritei muito com os comentários e a cultura do ódio contra o Governo por não buscar o seu corpo, ignorando todos os protocolos. Cada comentário mais desprezível que outro.

Também me doeu as críticas à Juliana, por estar viajando sozinha, por ser uma mochileira sonhadora, por se “expor irresponsavelmente”, quando observamos que, quando um jovem se dispõe a enfrentar esses desafios, ele contrata um serviço, e vimos depois que, esse em questão, estava sem as credenciais exigidas. Juliana foi abandonada num lugar que, segundo os especialistas, não se pode ser deixada para trás. Morreu na queda, como mostrou sua autópsia, e a sua morte não só comoveu, mas trouxe esse debate da mulher viajante, segurança nas trilhas, planejamento e avaliação dos riscos, do tempo, e da condição física de cada pessoa, e outras questões sobre o turismo de aventura, principalmente nos países mais pobres.

Paz para Juliana e para os que dos balões, sonharam alto. Aos céus.

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  1. Anônimo7/7/25 09:31

    Eu não sou dada a aventuras, sou prática. Por que sofrer para conhecer? Da minha maravilhosa poltrona e TV, posso conhecer o mundo e seus perigos.
    Fiquei pensando na morte dos que passeiavam de balão e da brasileira que decidiu não acompanhar o grupo. Podemos fugir da morte? Ela não está no nosso livro? Por que oito pessoas perderam a vida, enquanto outras sobreviveram?. Edu Guedes não foi cuidar de um cálculo renal? O que mudou no caminho? Quem assistiu ao filme Encontro Marcado sabe o que falo. Não culpem ninguém pelas tragédias, elas fazem parte da vida.

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