Nesta idade de releituras, trago às mãos uma obra de Balzac e vem-me à lembrança o esforço da antiga editora Globo, de Porto Alegre, pa...

Nossa dívida com Porto Alegre

editora globo balzac
Nesta idade de releituras, trago às mãos uma obra de Balzac e vem-me à lembrança o esforço da antiga editora Globo, de Porto Alegre, para editar a versão brasileira da “Comédia Humana”.

A importância dessa editora na admissão do leitor brasileiro no ciclo restrito dos clássicos da Literatura universal ainda está por ser avaliada. Tire-se pelo caso de Balzac, que antes nos chegava através de traduções de uma ou duas obras,
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Henrique Bartaso Luferom
Eugênia Grandet à frente, mais da iniciativa portuguesa, sem o arrojo do empreendimento capitaneado por Maurício Rosemblatt e assumido empresarialmente por Henrique Bertaso.

Partindo de uma lista de clássicos universais, a editora organizou o que veio se chamar depois de escola de tradutores, entre os quais se destacavam Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Herbert Caro, Cassemiro Fernandes, a quem se deve a leitura brasileira de toda a Comédia Humana, de todo o Proust, de todos os títulos erigidos pelo tempo em obras-primas da literatura de tradição ocidental.

O que era feito de forma esparsa, numa vaga de tempo dos Machados de Assis ou de outros escritores famosos, foi realizado de forma sistemática e empresarial. E por especialistas, quer dizer, por gente que não apenas sabia a língua a traduzir, mas que tinha a intimidade possível com o texto literário.

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Livraria e Editora Globo (Porto Alegre)
Ricardo André Frantz
Balzac não foi entregue a um tradutor qualquer. Foi entregue a Paulo Rónai, húngaro refugiado no Brasil, iniciado em nossa língua antes de adotar a nossa pátria, e que teve aqui as amizades de Aurélio Buarque, Drummond, Guimarães Rosa, Cecília Meireles, apoio dos mais decisivos para que aceitasse a grande incumbência da Globo. Foram dez anos de trabalho, de 1945 a 1955, a partir de quando, bimestralmente, recebia-se, aqui, volume por volume, toda a Comédia Humana.

Na cabeça do meu grupo, liderado por Geraldo Sobral de Lima, passava-se uma revolução. Os dois meses de espera do volume seguinte eram o tempo de leitura do livro em nossas mãos. Tempo de febre. E não recebíamos o romance isolado, como coisa caída do céu. A cada obra antecipava-se uma introdução ao tempo e às circunstâncias do escritor e da sua criação. Um monumento que o Brasil de minha geração ficou devendo aos Bertaso, ao Rio Grande, e que o preço de balcão de cada volume nunca chegará a ser pago.

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  1. Ainda é tempo de se dar o merecido destaque da Editora Globo na vida cultural brasileira dos anos cinquenta a setenta, e você faz isso muito bem na sua primorosa crônica, ao destacar a hercúlea iniciativa da editora porto-alegrense em realizar e publicar as traduções para o português brasileiros de grandes clássicos da literatura mundial - Proust, Balzac , etc.
    Para mim, além desse resgate, a sua crônica trouxe a evocação da excelente "Revista da Globo", que durante muitos anos Papai comprava religiosamente. Só para ilustrar o alto nível e a excelente qualidade dessa revista, o fato da Globo manter permanentemente correspondentes em Paris, Nova Iorque, Londres, etc. Assim, por exemplo, a cada ano havia a cobertura dos festivais de Cannes, de Veneza, do Oscar, etc. Velhas lembranças de leituras inesquecíveis!
    Humberto Espinola

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  2. Ainda em tempo, um esclarecimento: A "Revista do Globo" (e não "da Globo" como foi erroneamente escrito) foi publicada quinzenalmente pela Editora Globo até meados de 1967
    Humberto Espinola

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